quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O abuso de poder religioso

 O abuso de poder religioso

Essa nova forma de abuso nas eleições tem o mesmo mal dos demais?

  

Reinaldo Coelho

 

 

O Tribunal Superior Eleitoral, na sessão do dia 25 de junho deste ano, iniciou julgamento de um importante tema para o processo eleitoral brasileiro. Trata-se do reconhecimento de nova modalidade de abuso de poder, o chamado abuso de poder religioso. O tema, por si, é cercado de grande polêmica e, certamente, será objeto de muito debate.  Atualmente, a legislação eleitoral prevê três tipos de abuso de poder que podem levar à perda do mandato: o político, o econômico e o uso indevido dos meios de comunicação.


Essa nova forma de abuso está sendo vista e analisada pelos especialista e inclusive pelos ministros do TSE: O abuso de poder religioso. Esse tema começou a ser debatido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde do dia 25 de junho durante o julgamento do caso de uma vereadora de Luziânia (GO). Pastora da Assembleia de Deus, Valdirene Tavares dos Santos (Republicanos) foi acusada de usar sua autoridade e posição na estrutura religiosa para promover a candidatura de vereadora. Ela foi reeleita em 2016.

A decisão dos ministros do TSE nesta terça-feira (18), por 6 votos a 1, foi a de rejeitar a proposta de punição pelo chamado abuso de poder religioso – ou seja, responsabilização de candidatos pelo uso irregular da religião para obter votos.


Ministro Edson Fachin

No seu voto o relator do caso, ministro Edson Fachin, propôs a caracterização dessa "modalidade" de abuso no início do julgamento do tema, em 25 de junho. O ministro negou que a intenção seja estabelecer proibições e discriminações a um grupo particular. Outra proposição de Fachin foi a de  criar também a possibilidade de se punir quem utiliza sua ascendência eclesiástica sobre algum grupo para influenciar na escolha de candidatos, o que foi rejeitado pelos integrantes do TSE.

Os ministros avaliaram a possibilidade de fixar uma tese que permitisse a caracterização deste tipo de abuso. Ele seria parecido com os abusos de poder econômico e político, que já existem e podem levar à cassação de mandatos.

Os ministros Og Fernandes, Luís Felipe Salomão e Sérgio Banhos apontaram que a liberdade religiosa não é absoluta e encontram limites na Constituição. O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, considerou que o tema já está expresso na legislação eleitoral.

"A impossibilidade de se reconhecer o abuso de poder religioso como ilícito autônomo não implica em passe livre para toda a espécie de conduta, visto que não existe direito absoluto em nosso ordenamento", afirmou o ministro Luís Felipe Salomão.

"Na minha visão, o legislador já contemplou e de maneira expressa a possibilidade de abuso de poder religioso. É essa leitura que faço da Lei das Eleições", afirmou o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. No entendimento do ministro, a legislação prevê uma vedação expressa de que entidades religiosas façam doações a campanhas.

No Brasil de hoje, a aplicação do princípio da autocontenção, que exige dos poderes constituídos o frear para as ações que exorbitam suas competências, nunca se fez tão necessária. Esse é o caso em discussão. Avançar para além dos abusos previstos na Constituição Federal é legislar, o que requer a manifestação do Poder Legislativo.

 

Essa decisão do TSE, levou o assunto a pauta de muitos especialistas na área eleitoral e política e as perguntas são:

Nós podemos aceitar que alguns líderes religiosos se aproveitem da boa fé de seus fiéis, que sequer são seus seguidores na realidade, para conseguirem um mandato político?

 

Será que é válido conseguir o voto das pessoas a partir de sua crença? E será que o pastor ou padre já seriam culpados só em se candidatarem? Em que momento teríamos a ilicitude? Os atributos de uma pessoa não podem ser usados para conquistar o voto?

 

De acordo com José Herval Sampaio Júnior, Juiz de Direito, e ex-Juiz Eleitoral.  Essas perguntas não são fáceis de serem respondidas e pensa que em tese teriam respostas incompletas, pois a peculiaridade de cada caso é que vai definir a licitude ou ilicitude de um líder religioso quando do seu contato com seus fiéis quando das eleições.

O abuso do poder nas eleições é um dos principais temas a ser enfrentado pelo Direito Eleitoral.  A doutrina está começando a se debruçar mais especificamente sobre o assunto, e os tribunais regionais eleitorais a cada julgamento vai consolidando seus entendimentos, que não podem destoar dos alicerces das demais formas de abuso de poder. Portanto, de forma geral, o conceito de abuso de poder religioso em eleições pode ser considerado como a descaracterização das práticas e crenças religiosas, que buscam influenciar de forma negativa e ilegal a vontade dos fiéis, maculando o fundamento da democracia: a soberania popular.

 

“Mesmo que na Constituição Federal não se verifique uma proibição expressa à influência das entidades religiosas na política, a legislação eleitoral tratou de certo modo do assunto na Lei nº 9.504/97, mais precisamente no inciso VIII do artigo 24, que proíbe que entidades beneficentes e religiosas realizem doação para candidatos ou partidos, em dinheiro ou estimável, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie; e no caput § 4º do artigo 37, que considera os templos religiosos como bens de uso comum do povo, proibindo-se, a veiculação de propaganda de qualquer natureza”, especifica o especialista.

 

O primeiro caso, pode ser considerado revogado, uma vez que a minirreforma eleitoral (Lei nº 13.165, de 2015) vedou doação de pessoas jurídicas para partidos políticos e campanhas. Mas, a análise não pode ficar restrita a esses tipos jurídicos, pelo contrário e como externado no início devem ser perquiridos sob o enfoque amplo do abuso de poder.

 

O abuso de poder religioso visa à obtenção do voto, seja para a própria autoridade religiosa interlocutora, seja para outrem que ele esteja apoiando, e pode se manifestar de diferente maneiras que acabam por manipular psicologicamente o eleitor através dos ensinamentos ou doutrinas da religião. Em alguns casos extremos, até mesmo promessas impossíveis são feitas para se alcançar o voto pela crença religiosa dos fiéis” explica José Herval Sampaio Júnior.

Com isso, torna-se a cada dia, indispensável a necessidade de uma atualização da legislação eleitoral, mesmo existindo mecanismos que possam coibir e punir responsáveis por abusos nas eleições, seja ele de qualquer tipo. “E dizemos isso pela experiência judicante de quase vinte anos atuando como Juiz Eleitoral e percebendo que muitos líderes religiosos abusam literalmente de pessoas de boa-fé que passam a acreditar que Deus quer aqueles líderes exercendo o poder. Logo, em havendo previsões específicas para essas práticas ilícitas, coibiremos com mais eficácia tais atentados à democracia”.

Além disso, é imprescindível que a norma posta tenha eficácia. A Justiça Eleitoral e o Ministério Público, assim como os demais candidatos e o próprio cidadão devem trabalhar fiscalizando e responsabilizando as pessoas por essas atitudes de manifesta má-fé e criminosa, em que tentam iludir e abusam da fé dos outros, pois a impunidade favorece e incentiva que haja mais abuso religioso, como infelizmente já estamos vendo como prática recorrente em eleições pretéritas e já reconhecidas como tais pela Justiça Eleitoral.

É uma tarefa por vezes difícil, pois é tênue a linha que separa a opinião e a atividade religiosa da pessoa enquanto cidadão e o candidato. Mas é extremamente necessário que haja esse trabalho de fiscalização, pois a democracia se concretiza através da soberania popular através do poder do voto do cidadão e este sempre tem que ser livre de qualquer outra influência senão a crença de que o candidato possa fazer o que promete”.

E a crença que defendemos que todos os cidadãos continuem tendo nos que querem ser políticos com mandatos não é a crença enganosa, em que o candidato se aproveite de uma condição de superioridade que tem para conseguir a força o voto, pois a liberdade deste deve ser sagrada como a própria crença religiosa, que longe de ser deturpada deve ser estimulada para convívio salutar com a política de servir ao bem da coletividade.

E coincidentemente o que as religiões devem buscar também é justamente isso, o bem comum de seu povo, logo este bem comum deve ser respeitado, daí porque devemos extirpar da vida pública qualquer pessoa que se aproveite da boa fé das outras.

Que todos os que creem em suas religiões possam perceber que alguns líderes, infelizmente, só querem como alguns políticos, satisfazer os seus próprios interesses e os do seu povo só servem para a sua eleição!

 

José Herval Sampaio Júnior

Um cidadão indignado com a corrupção

Mestre e Doutorando em Direito Constitucional, Especialista em Processo Civil e Penal, Professor da UERN, ESMARN, do Instituto NOVO ELEITORAL, Atualmente Presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio Grande do Norte (AMARN) e Vice Presidente de Integração da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Autor de várias obras jurídicas, Juiz de Direito e ex-Juiz 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ARTIGO DO GATO - Amapá no protagonismo

 Amapá no protagonismo Por Roberto Gato  Desde sua criação em 1988, o Amapá nunca esteve tão bem colocado no cenário político nacional. Arri...