quarta-feira, 19 de agosto de 2020

PEIXES CONTAMINADOS POR MERCÚRIO NO AMAPÁ

PEIXES CONTAMINADOS POR MERCÚRIO NO AMAPÁ

Trairão
Pirapucu

Mandubé

Tucunaré




As espécies carnívoras mais consumidas pelos ribeirinhos e indígenas são as mais atingidas

 

Mercúrio usado pelos garimpeiros




Reinaldo Coelho

 

Tucunaré, pirapucu, trairão e mandubé estão entre os peixes mais consumidos pelas comunidades ribeirinhas e indígenas do Amapá. Graças ao garimpo, também estão entre os mais perigosos para a saúde. No pirapucu (Boulengerella cuvieri), foram detectadas quantidades de mercúrio quatro vezes maiores do que o limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As informações constam em um estudo publicado em julho na Revista Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública.

O metilmercúrio contamina toda a cadeia alimentar, desde o fitoplâncton até os peixes carnívoros. Por ter um longo tempo de permanência, o metilmercúrio se mantém incorporado ao tecido do organismo, após ingerido. Dessa forma, a concentração de mercúrio vai se tornando cada vez mais alta dentro da cadeia alimentar à medida em que os organismos se alimentam de outros que já apresentam o mercúrio acumulado em seus tecidos. Este processo é denominado bioacumulação.

 

Tucunaré coletado durante a pesquisa peixes carnívoros, no topo da cadeia, são os que acumulam maior concentração de mercúrio. Foto Acervo do Iepe.

 Por tal motivo, os peixes carnívoros de topo de cadeia apresentam as concentrações mais elevadas de metilmercúrio. Ao incorporarmos esses peixes contaminados com mercúrio à nossa dieta, estamos nos incluindo neste processo e ingerindo altas concentrações de mercúrio.

Esta situação calamitosa já havia sido constatada pelas instituições cientificas amapaense e nacional. Em 1999, há 20 anos, na região do município de Serra do Navio, no Lago Duas Bocas por 15 cientistas no Estudo Ciclo do Mercúrio no Ecossistema da Floresta Amazônica, foram testados amostras do cabelos de pescadores e de suas famílias e amostras de diversos peixes e o resultante alarmante de contaminação da população ribeirinhas

E na atual situação foi realizada por pesquisadores que analisaram mais 478 espécies capturadas entre 2017 e 2018, em cinco rios do Estado do Amapá. Uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz, o WWF-Brasil, o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA) e o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) — revela os riscos a que estão submetidas as populações indígenas e ribeirinhas do estado, especialmente as crianças.

Para recolher as amostras de peixe, a equipe viajou por rios como o Oiapoque e o Araguari, que fazem a divisa entre reservas ambientais e áreas de garimpo. Foto Acervo do Iepé.

“Estudos mostram que se a criança é exposta ao mercúrio ainda na barriga da mãe, ela pode ter prejuízos no coeficiente de inteligência que vão se arrastar por toda a vida. Ela vai ter dificuldade na escola, vai ter menos chances de conseguir um bom emprego e renda. Isso acaba perpetuando o ciclo de desigualdade e de pobreza”, afirma Paulo Basta, médico e pesquisador da Fiocruz. Nos casos mais graves, o bebê pode nascer com malformações.

A situação para se reverter, seria adoção de medidas de orientação na alimentação das comunidades indígenas e ribeirinhas, com destaque na restrição ou diminuição do consumo das espécies contaminadas ou consumi-las uma vez por mês e não diariamente.

Porém, os especialistas sabem que isso é impossível, pois, o consumo de peixe é único acesso a proteínas que esses cidadãos amazônicos tem. “O ideal seria eliminar o garimpo. Não podendo fazer isso, a gente precisa pensar em uma modificação da alimentação. Mas não podemos recomendar a pessoas que não têm outra fonte de proteína que não comam peixes. Por isso sugerimos que tentem priorizar os consumo de peixes herbívoros, que tem um grau de contaminação muito menor”, explica Décio Yokota, coordenador executivo adjunto do Iepé.

Para a segurança do consumidor, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) possui uma portaria na qual estabelece que a concentração máxima de mercúrio não deve ultrapassar 1mg/kg em peixes predadores e 0,5mg/kg em peixes não predadores. Quando estes valores são ultrapassados, o lote de peixes é apreendido.

 

No entanto, essa iniciativa não tem impacto para reduzir os riscos aos quais as populações ribeirinhas estão expostas, nem para reduzir os danos ambientais causados pela contaminação. Para este caso, seria necessário atuar diretamente na redução das fontes de emissão de mercúrio.

 

Principais fontes poluidoras de mercúrio no Brasil


Garimpo ilegal na Amazônia brasileira.

O Ministério do Meio Ambiente aponta que existe uma carência de dados referentes às concentrações atmosféricas de mercúrio. Mas afirma que a mineração do ouro e as queimadas de grandes áreas florestais como as principais emissões de mercúrio do país.

A principal fonte de contaminação por mercúrio na Amazônia é a mineração de ouro artesanal e de pequena escala (MAPE), que representa 15% do ouro extraído na região. O mercúrio é usado no processo de purificação do ouro, contribuindo com cerca de 71% do total de emissões de mercúrio a cada ano.

Segundo estudo de 2014, o garimpo é a principal causa de desmatamento no Escudo das Guianas, uma área de 250 milhões de hectares inclui parte do Amapá e do Pará, além da Guiana Francesa, Suriname, Guiana e parte da Venezuela.  Um problema histórico que vem se agravando nos últimos anos, segundo Marcelo Oliveira, especialista em conservação da WWF Brasil. “O que a gente ouve dos gestores das Unidades de Conservação do Amapá é que a fiscalização não tem sido efetiva, e a sinalização política federal é terrível. Se você analisar a Amazônia como um todo, [o garimpo] só vem aumentando”, afirma.

INSTITUIÇÕES PESQUISADORAS


Nos acervos de teses da Universidade de São Paulo, existem artigos de pesquisadores que a décadas confirmaram a contaminação dos rios por metais pesados e entre eles o mercúrio. Essas pesquisas identificaram as contaminações no Rio Tietê e no Alto Pantanal, assim como na Região Amazônica.

Em 2013 numa dissertação de mestrado de Daniel Padilha de Lima pela Universidade Federal do Amapá avaliação da contaminação por metais pesados na água e nos peixes da bacia do Rio Cassiporé, estado do Amapá.

Nessa dissertação de Daniel Padilha, a região garimpeira de Lourenço provoca mais de um século impactos ambientais na bacia do Rio Cassiporé (BRC), principalmente pela liberação de rejeitos da exploração de ouro, que são fontes de metais pesados para o ambiente aquático em especial o mercúrio. O objetivo do estudo foi averiguar a contaminação pelos metais pesados: cádmio (Cd), cromo (Cr), cobre (Cu), chumbo (Pb), zinco (Zn), mercúrio (Hg) no tecido muscular de peixes e na água no principal curso d’água poluído pelos rejeitos de garimpos na bacia do Rio Cassiporé.

De 1980 até 1994, a exploração mineral no leito dos rios Cassiporé e Reginá foi bem intensa. Os garimpeiros utilizaram procedimentos de dragagem por meio de balsas que ficavam na superfície da água, com uso de bombas de cascalho, drag-lines e outros equipamentos (DNPM, 1986). No interior das balsas, o mercúrio era aplicado nas placas concentradoras para reter o ouro, no entanto, sem cuidados apropriados, o que provocava perdas significativas da substância para o meio aquático. Além disso, o material removido do fundo dos rios agravou o processo de assoreamento e a qualidade físico-química da água (FERRAN, 1994).

Observa-se assim que a contaminação vem acontecendo desde sempre, faltando aos órgãos licenciadores do Meio Ambiente, uma fiscalização mais forte e decisiva para combater a poluição dos rios.

Legislação brasileira sobre o mercúrio

 

O Brasil não produz mercúrio. A sua importação e comercialização são controladas pelo IBAMA por meio da portaria n. 32 de 12/05/95 e decreto n. 97.634/89, que estabelece a obrigatoriedade do cadastramento no IBAMA das pessoas físicas e jurídicas que “importem, produzam ou comercializem a substância mercúrio metálico”. O uso do mercúrio metálico na extração do ouro é também regulamentado. O decreto 97.507/89 proíbe o uso de mercúrio na atividade de extração de ouro, “exceto em atividades licenciadas pelo órgão ambiental competente”. Por outro lado, a obrigatoriedade de recuperação das áreas degradadas pela atividade garimpeira é igualmente regulamentada pelo decreto 97.632/89.

 O mercúrio e os peixes

 Fala-se muito em nível trófico e cadeia trófica. O termo trófico vem da raiz grega τροϕη que significa alimento. A cadeia trófica, isto é, a cadeia alimentar, é formada em sua base inferior por microrganismos e peixes de espécies mais simples (de nível trófico baixo), minando por peixes predadores (de nível trófico elevado) e, finalmente, o homem, que se alimenta de peixes.

As populações ribeirinhas da Bacia Amazônica são dependentes do consumo de peixe para o seu sustento, chegando a consumir em média 200 gramas por dia. Os peixes são concentradores naturais de mercúrio e a sua quantidade nestes animais depende do alimento, bem como da idade e do tamanho. Como consequência, a contaminação humana por mercúrio depende não somente da quantidade de peixe consumida como também da espécie escolhida.

Simplificando, há os peixes de nível trófico baixo, que são os herbívoros e detritívoros, os de nível trófico intermediário, os omnívoros, e finalmente os de nível trófico elevado, os piscívoros, também chamados de carnívoros ou predadores. Os herbívoros (tambaqui, jatuarana, pirapitinga, pacu) se alimentam basicamente de sementes e de frutos, os detritívoros (bodo, jaraqui, curimatã, branquinha) se alimentam de matéria orgânica em decomposição e microrganismos associados à lama do fundo de lagos e margens de rios.

Os detritos provindos da mata alagada, ninfas de insetos e zooplâncton são a base da alimentação dos omnívoros (aruanã, pirarara, cará, mandi, matrinchã, cuiucuiu). Os piscívoros se alimentam de outros peixes e por isso bioacumulam o mercúrio (dourada, filhote, piranha, tucunaré, surubim, pescada e pintado).

 

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