PEIXES CONTAMINADOS POR MERCÚRIO NO
AMAPÁ
![]() |
| Trairão |
![]() |
| Pirapucu |
![]() |
| Mandubé |
![]() |
| Tucunaré |
As espécies carnívoras mais consumidas pelos ribeirinhos e indígenas são as mais atingidas

Mercúrio usado pelos garimpeiros
Reinaldo Coelho
Tucunaré, pirapucu,
trairão e mandubé estão entre os peixes mais consumidos pelas comunidades
ribeirinhas e indígenas do Amapá. Graças ao garimpo, também estão entre os mais
perigosos para a saúde. No pirapucu (Boulengerella cuvieri), foram detectadas
quantidades de mercúrio quatro vezes maiores do que o limite estabelecido pela
Organização Mundial da Saúde (OMS). As informações constam em um estudo
publicado em julho na Revista Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde
Pública.
O metilmercúrio
contamina toda a cadeia alimentar, desde o fitoplâncton até os peixes
carnívoros. Por ter um longo tempo de permanência, o metilmercúrio se mantém
incorporado ao tecido do organismo, após ingerido. Dessa forma, a concentração
de mercúrio vai se tornando cada vez mais alta dentro da cadeia alimentar à medida
em que os organismos se alimentam de outros que já apresentam o mercúrio
acumulado em seus tecidos. Este processo é denominado bioacumulação.

Tucunaré coletado durante a pesquisa peixes carnívoros, no topo da cadeia, são os que acumulam maior concentração de mercúrio. Foto Acervo do Iepe.
Esta situação calamitosa já
havia sido constatada pelas instituições cientificas amapaense e nacional. Em
1999, há 20 anos, na região do município de Serra do Navio, no Lago Duas Bocas
por 15 cientistas no Estudo Ciclo do Mercúrio no Ecossistema da Floresta
Amazônica, foram testados amostras do cabelos de pescadores e de suas famílias e
amostras de diversos peixes e o resultante alarmante de contaminação da
população ribeirinhas
E na atual situação foi
realizada por pesquisadores que analisaram mais 478 espécies capturadas entre
2017 e 2018, em cinco rios do Estado do Amapá. Uma parceria entre a Fundação
Oswaldo Cruz, o WWF-Brasil, o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas
do Amapá (IEPA) e o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) — revela
os riscos a que estão submetidas as populações indígenas e ribeirinhas do
estado, especialmente as crianças.
![]() |
| Para recolher as amostras de peixe, a equipe viajou por rios como o Oiapoque e o Araguari, que fazem a divisa entre reservas ambientais e áreas de garimpo. Foto Acervo do Iepé. |
“Estudos mostram que
se a criança é exposta ao mercúrio ainda na barriga da mãe, ela pode ter
prejuízos no coeficiente de inteligência que vão se arrastar por toda a vida.
Ela vai ter dificuldade na escola, vai ter menos chances de conseguir um bom
emprego e renda. Isso acaba perpetuando o ciclo de desigualdade e de pobreza”,
afirma Paulo Basta, médico e pesquisador da Fiocruz. Nos casos mais graves, o
bebê pode nascer com malformações.
A situação para se reverter,
seria adoção de medidas de orientação na alimentação das comunidades indígenas
e ribeirinhas, com destaque na restrição ou diminuição do consumo das espécies
contaminadas ou consumi-las uma vez por mês e não diariamente.
Porém, os especialistas
sabem que isso é impossível, pois, o consumo de peixe é único acesso a proteínas
que esses cidadãos amazônicos tem. “O ideal seria eliminar o
garimpo. Não podendo fazer isso, a gente precisa pensar em uma modificação da
alimentação. Mas não podemos recomendar a pessoas que não têm outra fonte de
proteína que não comam peixes. Por isso sugerimos que tentem priorizar os
consumo de peixes herbívoros, que tem um grau de contaminação muito menor”,
explica Décio Yokota, coordenador executivo adjunto do Iepé.
Para a segurança do
consumidor, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) possui uma
portaria na qual estabelece que a concentração máxima de mercúrio não deve
ultrapassar 1mg/kg em peixes predadores e 0,5mg/kg em peixes não predadores.
Quando estes valores são ultrapassados, o lote de peixes é apreendido.
No entanto, essa iniciativa
não tem impacto para reduzir os riscos aos quais as populações ribeirinhas
estão expostas, nem para reduzir os danos ambientais causados pela
contaminação. Para este caso, seria necessário atuar diretamente na redução das
fontes de emissão de mercúrio.
Principais
fontes poluidoras de mercúrio no Brasil

Garimpo ilegal na Amazônia brasileira.
O Ministério do Meio
Ambiente aponta que existe uma carência de dados referentes às concentrações
atmosféricas de mercúrio. Mas afirma que a mineração do ouro e as queimadas de
grandes áreas florestais como as principais emissões de mercúrio do país.
A principal fonte de
contaminação por mercúrio na Amazônia é a mineração de ouro artesanal e de
pequena escala (MAPE), que representa 15% do ouro extraído na região. O
mercúrio é usado no processo de purificação do ouro, contribuindo com cerca de
71% do total de emissões de mercúrio a cada ano.
Segundo estudo de
2014, o garimpo é a principal causa de desmatamento no Escudo das Guianas, uma
área de 250 milhões de hectares inclui parte do Amapá e do Pará, além da Guiana
Francesa, Suriname, Guiana e parte da Venezuela. Um problema histórico que vem se agravando
nos últimos anos, segundo Marcelo Oliveira, especialista em conservação da WWF
Brasil. “O que a gente ouve dos gestores das Unidades de Conservação do Amapá é
que a fiscalização não tem sido efetiva, e a sinalização política federal é
terrível. Se você analisar a Amazônia como um todo, [o garimpo] só vem
aumentando”, afirma.
INSTITUIÇÕES PESQUISADORAS
Nos acervos de teses da Universidade de São Paulo, existem artigos de
pesquisadores que a décadas confirmaram a contaminação dos rios por metais
pesados e entre eles o mercúrio. Essas pesquisas identificaram as contaminações
no Rio Tietê e no Alto Pantanal, assim como na Região Amazônica.
Em 2013 numa dissertação
de mestrado de Daniel Padilha de Lima pela Universidade Federal do Amapá avaliação
da contaminação por metais pesados na água e nos peixes da bacia do Rio Cassiporé,
estado do Amapá.
Nessa dissertação de
Daniel Padilha, a região garimpeira de Lourenço provoca mais de um século
impactos ambientais na bacia do Rio Cassiporé (BRC), principalmente pela
liberação de rejeitos da exploração de ouro, que são fontes de metais pesados
para o ambiente aquático em especial o mercúrio. O objetivo do estudo foi
averiguar a contaminação pelos metais pesados: cádmio (Cd), cromo (Cr), cobre
(Cu), chumbo (Pb), zinco (Zn), mercúrio (Hg) no tecido muscular de peixes e na
água no principal curso d’água poluído pelos rejeitos de garimpos na bacia do
Rio Cassiporé.
De 1980 até 1994, a
exploração mineral no leito dos rios Cassiporé e Reginá foi bem intensa. Os
garimpeiros utilizaram procedimentos de dragagem por meio de balsas que ficavam
na superfície da água, com uso de bombas de cascalho, drag-lines e outros
equipamentos (DNPM, 1986). No interior das balsas, o mercúrio era aplicado nas
placas concentradoras para reter o ouro, no entanto, sem cuidados apropriados,
o que provocava perdas significativas da substância para o meio aquático. Além
disso, o material removido do fundo dos rios agravou o processo de assoreamento
e a qualidade físico-química da água (FERRAN, 1994).
Observa-se assim que a
contaminação vem acontecendo desde sempre, faltando aos órgãos licenciadores do
Meio Ambiente, uma fiscalização mais forte e decisiva para combater a poluição
dos rios.
Legislação
brasileira sobre o mercúrio
O Brasil não produz
mercúrio. A sua importação e comercialização são controladas pelo IBAMA por
meio da portaria n. 32 de 12/05/95 e decreto n. 97.634/89, que estabelece a
obrigatoriedade do cadastramento no IBAMA das pessoas físicas e jurídicas que
“importem, produzam ou comercializem a substância mercúrio metálico”. O uso do
mercúrio metálico na extração do ouro é também regulamentado. O decreto
97.507/89 proíbe o uso de mercúrio na atividade de extração de ouro, “exceto em
atividades licenciadas pelo órgão ambiental competente”. Por outro lado, a
obrigatoriedade de recuperação das áreas degradadas pela atividade garimpeira é
igualmente regulamentada pelo decreto 97.632/89.
O
mercúrio e os peixes
Fala-se muito em nível trófico e cadeia
trófica. O termo trófico vem da raiz grega τροϕη que significa alimento. A
cadeia trófica, isto é, a cadeia alimentar, é formada em sua base inferior por
microrganismos e peixes de espécies mais simples (de nível trófico baixo), minando
por peixes predadores (de nível trófico elevado) e, finalmente, o homem, que se
alimenta de peixes.
As populações ribeirinhas da
Bacia Amazônica são dependentes do consumo de peixe para o seu sustento,
chegando a consumir em média 200 gramas por dia. Os peixes são concentradores
naturais de mercúrio e a sua quantidade nestes animais depende do alimento, bem
como da idade e do tamanho. Como consequência, a contaminação humana por
mercúrio depende não somente da quantidade de peixe consumida como também da
espécie escolhida.
Simplificando, há os peixes
de nível trófico baixo, que são os herbívoros e detritívoros, os de nível
trófico intermediário, os omnívoros, e finalmente os de nível trófico elevado,
os piscívoros, também chamados de carnívoros ou predadores. Os herbívoros
(tambaqui, jatuarana, pirapitinga, pacu) se alimentam basicamente de sementes e
de frutos, os detritívoros (bodo, jaraqui, curimatã, branquinha) se alimentam
de matéria orgânica em decomposição e microrganismos associados à lama do fundo
de lagos e margens de rios.
Os detritos provindos da
mata alagada, ninfas de insetos e zooplâncton são a base da alimentação dos
omnívoros (aruanã, pirarara, cará, mandi, matrinchã, cuiucuiu). Os piscívoros
se alimentam de outros peixes e por isso bioacumulam o mercúrio (dourada,
filhote, piranha, tucunaré, surubim, pescada e pintado).






Nenhum comentário:
Postar um comentário