Uso das águas de domínio da União para a prática da aquicultura
O
Presidente Jair Bolsonaro editou o Decreto nº 10.576, de 14 de dezembro de
2020, o qual dispõe sobre a cessão de uso de espaços físicos em corpos d’água
de domínio da União para a prática da aquicultura.
O Decreto
nº 10.576/2020 busca desburocratizar a cessão do uso dos espaços físicos em
corpos d’água de domínio da União para a prática da aquicultura, com a
finalidade de geração de emprego e renda, desenvolvimento sustentável, o
aumento da produção de pescados, inclusão social e segurança alimentar.
Conforme
lembram os agraristas Darcy Zibetti e Albenir Querubini, no artigo “A pesca e a
aquicultura como atividade agrária segundo o direito agrário brasileiro“, a
aquicultura é enquadrada como atividade agrária que se equipara à pecuária para
fins de aplicação das normas de Direito Agrário (a exemplo dos contratos
agrários, crédito rural, emissão de títulos de crédito como a Cédula do Produto
Rural – CPR etc), sendo os aquicultores produtores rurais.
Segundo
analisa o professor Albenir Querubini, a medida trazida pelo Decreto nº
10.576/2020 ao prever a desburocratização do uso das águas de domínio da União
é medida a ser saudada pelos agraristas, uma vez que viabiliza a produção
aquícola em áreas como lagos de hidroelétricas, trazendo uso agrário para espaços
“ociosos”. Nesse sentido, o professor Albenir lembra que os contratos de cessão
de uso de espaços físicos em corpos d’água possuem natureza de contrato
administrativo, porém devem ser interpretados de forma a salvaguardar o direito
dos produtores rurais aquicultores que cumprirem com a função social da
atividade agrária. Para fins de estudo, é interessante aos agraristas realizar
um paralelo com os contratos de arrendamento rural de áreas públicas (vide o
artigo “Arrendamento rural de imóveis públicos à luz da Constituição Federal de
1988“, publicado na obra “Direito Agrário nos trinta anos da Constituição de
1988 – Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Darcy Walmor Zibetti”, publicada pela
Editora Thoth, 2018).
O uso de
espaços físicos em corpos d’água de domínio da União para a prática da
aquicultura poderá ser requerido por pessoa física ou jurídica junto à
Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (veja como funciona o procedimento clicando aqui).
Confira o
texto do Decreto nº 10.576/2020:
DECRETO Nº
10.576, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2020
Dispõe sobre a cessão de uso de espaços físicos em corpos
d’água de domínio da União para a prática da aquicultura. |
O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no
uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV,
da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 6.938, de 31 de agosto
de 1981, na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, na Lei nº 9.636, de 15 de
maio de 1998, na Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, e na Lei nº 11.959, de
29 de junho de 2009,
DECRETA:
CAPÍTULO
I
DO
ÂMBITO DE APLICAÇÃO
Art.
1º Este
Decreto dispõe sobre a cessão de uso de espaços físicos em corpos d’água de
domínio da União para a prática da aquicultura.
Art.
2º Os
espaços físicos em corpos d’água de domínio da União poderão ser objeto de
cessão para a prática da aquicultura, observados os critérios de localização,
com a finalidade de promover:
I – a
geração de emprego e renda;
II – o
desenvolvimento sustentável;
III – o
aumento da produção brasileira de pescados;
IV – a
inclusão social; e
V – a segurança alimentar.
CAPÍTULO
II
DAS
DEFINIÇÕES
Art.
3º Para
fins do disposto neste Decreto, entende-se por:
I –
área aquícola – espaço físico contínuo e delimitado em corpos d’água de domínio
da União, destinado a projetos de aquicultura, individuais ou coletivos, de
interesse econômico, social ou científico;
II –
parque aquícola – espaço físico delimitado em meio aquático, que compreende um
conjunto de áreas aquícolas afins, em cujos espaços físicos intermediários
podem ser desenvolvidas outras atividades compatíveis com a prática da
aquicultura;
III –
formas jovens – sementes de moluscos bivalves, girinos, imagos, ovos, alevinos,
larvas, pós-larvas, náuplios ou mudas de algas marinhas destinados ao cultivo;
e
IV –
outorga de direito de uso de recursos hídricos – ato administrativo por meio do
qual a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA concede ao outorgado
o direito de uso de recurso hídrico em corpos d’água de domínio da União, por
prazo determinado, nos termos e nas condições estabelecidas no respectivo ato.
CAPÍTULO
III
DOS
PROCEDIMENTOS DE CESSÃO DE USO
Art.
4º O
uso de espaços físicos em corpos d’água de domínio da União a ser destinado à
prática da aquicultura poderá ser requerido por pessoa física ou jurídica junto
à Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, por meio da apresentação de projeto técnico, que conterá:
I – as
coordenadas geográficas;
II – a
justificativa para a escolha do local;
III – a
descrição do sistema produtivo; e
IV – o
responsável técnico habilitado.
§ 1º
A Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento realizará análise preliminar do projeto técnico para
avaliar a viabilidade do pedido formulado.
§ 2º
Concluída a análise de que trata o § 1º, a Secretaria de Aquicultura e
Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento encaminhará a
solicitação de uso da área de domínio da União e os demais documentos
necessários à Autoridade Marítima, para análise quanto à segurança ao trafego
aquaviário, e à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União
da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do
Ministério da Economia, para adoção de medidas necessárias à entrega da área ao
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que realizará a cessão de
uso ao beneficiário.
Art.
5º As
áreas aquícolas são classificadas, de acordo com o objetivo ao qual se
destinam, da seguinte forma:
I – de
interesse econômico;
II – de
interesse social; e
III –
de pesquisa ou extensão.
§ 1º
As áreas aquícolas de interesse econômico são destinadas a pessoas físicas ou
jurídicas que se enquadrem na categoria de aquicultor e que tenham como
objetivo a produção comercial de pescado.
§ 2º As áreas aquícolas de interesse social são destinadas
a povos e comunidades tradicionais, nos termos do disposto no inciso I do caput do art. 3º do Decreto nº 6.040, de
7 de fevereiro de 2007, e a participantes de programas de inclusão
social.
§ 3º
As áreas aquícolas de pesquisa ou extensão são destinadas às instituições
brasileiras com comprovado reconhecimento científico ou técnico e têm como
objetivo o desenvolvimento científico, técnico e tecnológico.
§ 4º
Para as áreas aquícolas de interesse econômico, a cessão será onerosa e os
custos serão estabelecidos na forma prevista no ato de cessão do imóvel.
§
5º Para as áreas aquícolas de interesse social e de pesquisa e ou
extensão, a cessão será gratuita.
Art.
6º A
Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento adotará os seguintes critérios de desempate, nesta ordem, quando
houver mais de um requerente com projetos apresentados e previamente aprovados
para uso do mesmo espaço físico em corpos d’água de domínio da União para a
prática da aquicultura:
I –
oferta à União do valor mínimo global superior ao informado no parecer final de
autorização de uso de espaços físicos em corpos d’água de domínio da União para
a prática da aquicultura; e
II –
maior geração de empregos diretos ao informado no parecer final de autorização
de uso de espaços físicos em corpos d’água de domínio da União para a prática
da aquicultura.
Parágrafo único. Na hipótese de os requerentes permanecerem
empatados após observados os critérios previstos nos incisos I e II do caput, será
realizado sorteio como critério de desempate.
Art.
7º O
descumprimento dos termos da cessão do espaço físico em corpos d’água de
domínio da União para a prática da aquicultura ensejará o seu cancelamento, sem
direito a indenização, nas seguintes hipóteses:
I – se
for dado ao imóvel, no todo ou em parte, uso diverso daquele a que houver sido
destinado;
II – se
o cessionário não implantar o seu projeto e tornar a área cedida improdutiva;
III –
se o cessionário estiver inadimplente quanto ao pagamento do valor de
retribuição devido à União; e
IV – se
o cessionário não encaminhar relatório anual de produção com as informações
referentes à utilização do imóvel e as informações necessárias ao
acompanhamento da produção e da execução do projeto.
Parágrafo
único. Cancelada a cessão, a Secretaria de Aquicultura e Pesca do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento providenciará a reversão da
área à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União da
Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério
da Economia.
Art.
8º O
cessionário de espaço físico em corpos d’água de domínio da União para a
prática da aquicultura, inclusive de reservatórios de companhias
hidroelétricas, garantirá o livre acesso às áreas cedidas de representantes de
órgãos públicos, de empresas e de entidades administradoras dos corpos
hídricos.
CAPÍTULO
IV
DA
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
Art.
9º A
Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento solicitará à ANA, em seu nome, a outorga de direito de uso de
recursos hídricos para a prática da aquicultura.
§ 1º
Na hipótese de outorgas de direito de uso em lagos e reservatórios de
domínio da União, o requerimento contemplará toda a capacidade de suporte do
reservatório calculada pela ANA para a prática da aquicultura, descontados os
usos correspondentes às outorgas vigentes.
§ 2º
Na hipótese de outorgas de direito de uso em rios, o pedido contemplará
todas as áreas aquícolas a serem implantadas em determinado trecho de rio.
§ 3º A outorga de que trata o caput contemplará
o direito de uso de recursos hídricos para os cessionários de uso de espaço
físico para a implantação de áreas aquícolas.
§ 4º
A Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento será responsável pela avaliação da compatibilidade da
produção aquícola e da carga média de fósforo de cada sistema de cultivo, a ser
objeto de cessão de uso de espaço físico, com os limites estabelecidos na
outorga.
§ 5º
A Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento encaminhará anualmente à ANA relatório referente à
produção aquícola instalada (tonelada por ano) e à carga média de fósforo
gerada pelos sistemas de cultivos (quilograma por dia) nos corpos hídricos.
§ 6º O prazo de vigência
da outorga de que trata o caput será de trinta e cinco anos, contado da
data de publicação do ato de outorga.
§ 7º As outorgas emitidas
poderão ser suspensas parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo
determinado, nas hipóteses previstas no art. 15 da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
Art.
10. O
titular de outorga de direito de uso de recursos hídricos para a prática da
aquicultura será submetido à fiscalização da ANA e deverá observar o disposto
na Lei nº 9.433, de 1997, e na legislação pertinente.
Parágrafo único. Caberá, ainda,
ao titular de outorga de que trata o caput adotar providências e fornecer informações
necessárias ao controle da atividade quando solicitado pela ANA.
CAPÍTULO
V
DISPOSIÇÕES
TRANSITÓRIAS
Art.
11. A
gestão dos parques aquícolas poderá ser delegada aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios, cumpridos os seguintes critérios:
I –
manifestação de interesse;
II –
comprovação de corpo técnico qualificado;
III –
apresentação de plano de assistência técnica e capacitação; e
IV –
apresentação de relatório anual das atividades desenvolvidas.
Parágrafo único. O relatório anual de que trata o inciso
IV do caput refere-se
às atividades desenvolvidas pelo atual gestor e não exime o cessionário do
envio do relatório anual de produção ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento.
Art.
12. As
áreas aquícolas cedidas e outorgadas pela ANA na data de publicação deste
Decreto serão mantidas.
Parágrafo único. Na hipótese de cancelamento de cessão de
uso, objeto de outorga individual, emitida ao cessionário anteriormente à data
de publicação deste Decreto, a Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento informará a ANA para adotar
providências quanto à transferência ou à desistência da outorga emitida.
CAPÍTULO
VI
DISPOSIÇÕES
FINAIS
Art.
13. Na
prática da aquicultura em águas continentais e marinhas, será permitida a utilização
de espécies autóctones ou, quando se tratar de espécies alóctones e exóticas,
somente aquelas que estejam autorizadas em ato normativo do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama.
Parágrafo
único. A introdução de novas espécies ou a sua translocação observará o
disposto em ato normativo do Ibama.
Art.
14. O
aquicultor é responsável pela comprovação da origem das formas jovens
introduzidas nos cultivos.
§ 1º
Quando se tratar de formas jovens de algas macrófitas, estas podem ser
extraídas em ambiente natural na forma estabelecida na legislação pertinente.
§ 2º
Quando se tratar de formas jovens de moluscos, estas podem ser extraídas
em ambiente natural, obtidas por meio de fixação natural em coletores artificiais,
na forma estabelecida na legislação pertinente.
Art.
15. O
cultivo de moluscos bivalves nas áreas em que o seu uso for autorizado
observará a legislação de controle sanitário.
Art.
16. A
sinalização náutica, que obedecerá aos parâmetros estabelecidos pela Autoridade
Marítima, será de responsabilidade do cessionário, ao qual caberá a
implantação, a manutenção e a retirada dos equipamentos utilizados.
Art.
17. Fica
revogado o Decreto nº 4.895, de 25 de novembro de 2003.
Art.
18. Este
Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
14 de dezembro de 2020; 199º da Independência e 132º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Fernando Azevedo e Silva
Paulo Guedes
Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias
Rogério Marinho
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