Cientistas usam Manaus para alertar sobre variantes de Covid-19
'The Lancet' publicou estudo de 23 cientistas.
Eles apontam que as festas de fim de ano aceleraram a disseminação do vírus,
mas não explica por si a alta de hospitalizações, que vem acompanhada de novas
cepas e linhagens com potencial de serem mais infecciosas
Cientistas de pelo menos cinco países
se reuniram para tentar responder uma das perguntas mais inquietantes sobre o
atual cenário da pandemia em Manaus: porque a capital se vê diante de um
avassalador aumento de casos, internações e mortes causadas pelo novo
coronavírus nove meses depois da primeira onda de 'ataque'. O resultado do
estudo foi publicado ontem (27), pela revista científica britânica The Lancet,
uma das mais prestigiadas publicações de medicina do mundo.
Com o título "Ressurgimento do covid-19 em Manaus, apesar da
alta soroprevalência”, a publicação é assinada por 23 cientistas,
incluindo o Dr. Henrique Pereira, professor da Universidade Federal do
Amazonas, e um dos organizadores do Atlas ODS, uma das principais referências
sobre a pandemia no AM.
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Conforme o estudo, as festas de fim de
ano aceleraram a disseminação do vírus, mas não explica por si a alta de
hospitalizações, que vem acompanhada de novas cepas e linhagens com
potencial de serem mais infecciosas, e que só agora são investigadas
a fundo. O grupo também aponta para a necessidade de que as vacinas
produzidas devam considerar variantes como encontradas em Manaus.
A primeira explicação dos
cientistas para o atual cenário na capital é que a taxa de soroprevalência
de 76%, que é detectada em pessoas que já foram infectadas e produziram
anticorpos contra o vírus, teria sido superestimada em junho, quando a
capital começou a registrar uma queda nos casos e ampliou o relaxamento. De
acordo com o estudo, essa taxa seria de 52%. Ou seja, pouco mais da metade da
população foi infectada e teve resposta autoimune neste período.
Com a maior circulação de pessoas nas
festas do período festivo de Natal e Ano Novo, houve uma ‘mistura de infectados
e indivíduos suscetíveis’, que ainda não tinham sido contaminados, argumentam.
O estudo utilizou dados da Fundação de Vigilância em Saúde que apontam uma
queda de novos casos e mortes entre maio e novembro do último ano.
Os cientistas explicam que mesmo
atingindo o índice de 52% de soroprevalência, o aumento de casos e internações
em Manaus de maneira abrupta ainda não é totalmente justificado, já que a taxa
fica na média do limite de imunidade populacional importante para evitar
um surto maior’, é estimado em 67%.
Imunidade contra o tempo
O segundo fator é que apesar do índice de 'novos contaminados estável' até
dezembro, o tempo decorrido desde a primeira onda, em abril do último ano,
pode ter contribuído para a perda de proteção na imunidade coletiva.
Os cientistas consideram um estudo do
Reino Unido que indica que reinfecções por Covid-19 são mais comuns de
ocorrer seis meses após ter sido infectado. No entanto, a maioria das
infecções em Manaus ocorreram 7–8 meses antes da segunda onda em janeiro de
2021; isso é mais longo do que o período coberto pelo estudo europeu.
"Os anticorpos gerados na primeira
infecção talvez não durem muito tempo, e, em dezembro, uma porcentagem maior da
população estaria desprotegida", diz trecho do estudo.
Além da possível perda de proteção devido ao longo tempo de exposição, os
cientistas identificaram um terceiro fator que ajuda a explicar o cenário
atual: a nova linhagem identificada como P1, descoberta no dia 12 de
janeiro em Manaus, e P2, possuem proteínas capazes de burlar o sistema imunológico
e ignorar qualquer rastro de anticorpos que foram produzidos na primeira
infecção.
Neste ponto, os cientisas destacam a necessidade de um acompanhamento mais
amplo dos laboratórios que produzem vacinas, para que incluam essas variantes
no sistema 'central' dos imunizantes, e apliquem, principalmente, em
regiões que possuem a circulação de linhagens, cepas e variantes do Covid-19,
capazes de se 'camuflar'.
Variante mais infecciosa
Conforme o estudo, a variante P1, encontrada em Manaus, é mais infecciosa para
o atual período, já atingiu uma frequência elevada (42%, 13 de 31) entre as
amostras de genoma obtidas de casos Covid-19 em dezembro de 2020, mas esteve
ausente em 26 amostras coletadas entre março e novembro de 2020.
Até o momento, pouco se sabe sobre a transmissibilidade da linhagem P.1,
mas ela compartilha várias mutações adquiridas independentemente com as
linhagens B.1.1.7 (N501Y) e B.1.325 (K417N / T, E484K, N501Y) que circulam em
Reino Unido e África do Sul, que parecem ter aumentado a transmissibilidade.
Os cientistas concluem que as linhagens que circulam na segunda onda em
Manaus podem ter transmissibilidade inerente mais alta do que as linhagens
preexistentes que circulam na capital, e deixam um alerta para a comunidade
científica e governos para que alinhem ações que possam conter variantes da
doença, e que cidades deverão começar a se preparar para cenários semelhantes à
segunda onda da pandemia como acontece em Manaus.
"Dados de rastreamento de contato
e investigação de surtos são necessários para entender melhor a
transmissibilidade relativa desta linhagem.Por esse motivo, as características
genéticas, imunológicas, clínicas e epidemiológicas dessas variantes do
SARS-CoV-2 precisam ser investigadas rapidamente", finalizam.
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