Entenda quando um sistema de saúde entra em colapso e como sair da crise
Especialistas
apontam situações em que Brasil viveu colapso na saúde e comparam com situação
atual causada pelo coronavírus
Anna Gabriela Costa, da CNN, em São Paulo
03 de março de 2021
às 05:00
Hospital
Florianópolis, na capital de Santa Catarina, com todos os leitos de UTI de
Covid-19 ocupados Foto: Eduardo Valente/Ishoot/Estadão Conteúdo (1º.mar.2021)
Um ano após a pandemia do novo coronavírus chegar
ao Brasil, o país vive no início deste mês de março o momento mais crítico no
sistema de saúde, com ocupação máxima de leitos e recordes diários no número de
novas mortes.
Muito se diz que vivemos uma situação de
"colapso" na saúde em diversas localidades do país em razão da
Covid-19, mas o que torna uma crise grave a ponto de merecer esse título?
Especialistas ouvidos pela CNN afirmam
que um dos principais fatores é a proporção dos leitos ocupados, pela
dificuldade de se ocorrer atrás da ampliação dessa estrutura, que demanda
recursos e mão de obra. Também entra na conta o ritmo de agravamento da crise,
o quanto o agente causador do colapso está avançando frente à capacidade de
contê-lo.
"Um dos alertas importantes é a capacidade instalada de leitos,
porque é muito difícil você ampliar rapidamente leitos de UTI, é uma área
altamente especializada, que depende de pessoal muito qualificado e que não
está disponível de maneira imediata no mercado”, afirma José Gomes Temporão,
ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
“O grau de circulação do vírus, a capacidade do
vírus de se transmitir. Aumentando a circulação de vírus mais pessoas adoecem,
mais pessoas vão procurar assistência médica e mais pessoas vão ser
internadas", completa Temporão à CNN.
O médico Felipe Duarte Silva, gerente de práticas
médicas do Hospital Sírio Libanês, afirma que o sistema de saúde não é
preparado para o surgimento de uma doença como a Covid-19, com características
muito diferentes das doenças tradicionais.
“Os sistemas de saúde usam a experiência prévia de
atendimento à múltiplas doenças para montar suas estruturas. Num cenário
desconhecido, fica muito difícil se preparar. A distribuição de leitos atuais
foi feita para atender as doenças mais tradicionais da população, tivemos que
nos adaptar rapidamente a essa nova realidade, pois além da Covid-19, temos que
continuar a atender todas as outras doenças”, afirma o médico.
Covid-19
Para Edison Luiz Durigon, professor
titular de virologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São
Paulo (USP), a atual situação do colapso na saúde está sendo determinada pelo
tipo de doença que o novo coronavírus causa, por ser uma doença que gera muitas
internações.
“É um vírus silencioso, as pessoas pegam e passam
bastante tempo sem recorrer ao serviço médico. Quando recorrem, já chegam em
uma situação mais delicada e precisam ser internadas", explica Durigon.
O professor prossegue, argumentando que a situação
se agrava pela complexidade dos recursos hospitalares necessários e o tempo de
internação longo a que os pacientes são submetidos.
“As pessoas acabam ficando internadas muito tempo,
isso colabora para piorar a situação, isso é o que determina o colapso da
saúde, o número excessivo de casos de uma doença que interna muito e leva muita
gente para a UTI”, acrescenta o virologista.
Paciente com Covid-19 em hospital em Porto AlegreFoto: Diego Vara/Reuters (19.nov.2021) |
Há como prever o colapso?
É preciso haver um acompanhamento da evolução da
ocupação hospitalar de forma contínua, assim como da demanda e da evolução do
cenário nacional e regional. Isso permite fazer previsões, porém elas só são
eficientes no curtíssimo prazo, segundo explica o gerente de práticas médicas
do Hospital Sírio-Libanês, Felipe Duarte Silva.
“Quando tentamos fazer previsões de longo prazo,
vimos que elas foram muito impactadas pelo cenário nacional. Tentamos fazer
modelo preditivo, mas isso acabou não se concretizando. A logística de
planejamento de divisão e ocupação de leitos é fundamental para garantir que
não chegue a um colapso”, acrescenta.
O médico diz que o preparo para o colapso é feito
quando os profissionais se reúnem diariamente para analisar os números de
pessoas acometidas, as taxas de ocupação de UTI, os espaços, equipes e
equipamentos.
“Avaliamos o cenário e criamos planos de ação para
quando o hospital alcançar determinados indicadores. Daí, aciona-se aberturas
de novos leitos, mudança de espaços, e aquilo que foi planejado para atender os
pacientes. Tem como prever o colapso, mas não tem como garantir isso 100%. A
melhor forma de prevenir o colapso é ter planos de ação mapeados a partir da
análise de dados”.
O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão enxerga
a previsão como um planejamento que deve partir do governo federal. Para
Temporão, teria sido necessária uma articulação nacional ao longo de 2020 a fim
de prevenir a situação atual -- o que, avalia o ex-ministro, não ocorreu.
O virologista Edison Durigon também avalia que o
colapso poderia ter sido antecipado e critica "falta absoluta de
planejamento".
“Quando começou o colapso de saúde em março, o
Brasil estava em uma situação delicadíssima, Manaus foi uma catástrofe total,
uma tragédia anunciada. O que acontece agora é que todos os hospitais de
campanha foram desmontados e não fizeram nada. Começamos a ver a segunda onda
acontecer na Alemanha, Itália, EUA e novamente ficamos olhando o vírus
chegar", argumenta.
Como sair da crise?
A visão do gerente do Sírio-Libanês, em uma das
regiões do Brasil mais afetadas pelo vírus, é de que o colapso pode ser
solucionado com a distribuição de leitos a partir de análise de dados e com o
comportamento colaborativo de todos.
“Essa colaboração se traduz dentro do hospital,
onde todos trabalham incansavelmente para atender os pacientes que procuram
nossa instituição, e fora do hospital, com o uso de máscaras, distanciamento
social e higiene frequente das mãos”, sintetiza Felipe Duarte Silva.
Os especialistas concordam que a imunização é a
solução mais urgente para desafogar o sistema de saúde em situações de crise.
“A saída dessa situação dependeria de um lado de
nós conseguirmos o acesso rápido à um número muito grande de doses, o que é
difícil hoje, o bem mais escasso no mundo no mercado mundial são as vacinas, e
uma revisão crítica por parte do governo federal por sua postura alienada e
anticiência”, afirma o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão.
Temporão acrescenta ainda outras medidas que devem
ser adotadas e defende que o Ministério da Saúde lide o esforço de combate,
listando medidas como distanciamento social, lockdown, uso de máscaras, medidas
de higiene e a imunização.
“A única saída é vacinar, de maneira que a gente
consiga diminuir o número de casos, diminuir o número de internações e diminuir
o índice de mortalidade. Com isso, a gente sai fora do colapso do sistema de
saúde”, afirma o virologista e chefe do departamento de Microbiologia na
USP.
Brasil já viveu colapsos outras vezes
Zika, Sarampo e H1N1 são doenças mais recentes que
já causaram colapso na saúde do Brasil conforme apontam os especialistas. No
passado, a gripe espanhola. No entanto, argumentam, nenhuma situação tão
alarmante como a que vivemos atualmente.
“O Brasil já viveu vários colapsos na saúde, um
exemplo recente é a epidemia do Sarampo, em Manaus, em 2018, crianças foram à
óbito por falta de internação, em 2009 tivemos a pandemia da gripe, da H1N1 e o
Brasil viveu um colapso de saúde novamente, com essa doença bastante séria, mas
foi mais rápido, a pandemia levou de 3 a 4 meses, então o sistema de saúde
conseguiu respirar logo”, afirma Durigon.
Para o médico do Sírio-Libanês, há comparações do
cenário atual com a gripe espanhol, “mas aquele era outro mundo, com menos
conhecimento e tecnologia”.
“O Brasil já viveu outros momentos críticos sim, em
2009, eu era ministro, e tivemos a pandemia do H1N1, mas nós vacinamos 100
milhões de brasileiros em 2010, mobilizamos, usamos a ciência como aliada,
seguimos a recomendação das organizações internacionais. Tivemos surto de febre
amarela, surto de dengue, em nenhum momento nós vimos o que estamos assistindo
estarrecidos hoje”, afirma José Gomes Temporão.
“Chegou a hora de o Brasil olhar para o que está
acontecendo e começar a investir dinheiro em saúde pública, a criar mais
hospitais, mais leitos de UTI, a criar uma infraestrutura mínima para que a
gente possa combater essas novas pandemias, endemias e epidemias. O coronavírus
não será nossa última pandemia", finaliza o virologista da USP.
Ministro da Saúde no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o médico sanitarista José Gomes Temporão fala à CNNFoto: CNN (15.mai.2020) |
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