quinta-feira, 8 de julho de 2021

Artigo da semana da – Direito & Cidadania – A democracia de Pilatos e a crise de representatividade no Brasil – III

 – Direito & Cidadania –  

A democracia de Pilatos e a crise de representatividade no Brasil – III

Dr. Besaliel Rodrigues

Continuando a abordagem sobre a origem e o atual estágio da crise crônica da representatividade popular no Brasil, neste terceiro texto seguiremos com o cotejo que está sendo feito entre a Carta de Monteiro Lobato, enviada em 1924 ao então Presidente da República do Brasil Artur Bernardes, citada em Thiago Aguiar de Pádua (Ver “A balzaquiana constituição”. Brasília-DF: Trampolim, 2018, pg. 235 ss.) e a referência bíblica de Mateus 27.11 a 26. 

  Já confrontamos a Carta com os versículos 11 a 19 da passagem do Evangelho. Vejamos os demais.

  O versículo 20 mostra o estratagema de Pilatos sendo combatido e demonstra a ancestralidade do comportamento dos atuais “grandes eleitores”, dos “príncipes dos sacerdotes e ... os anciãos” de hoje, pois, ao fazer um diagnóstico sobre os problemas da democracia vigente, com certeza vamos encontrar estes formadores de opinião (líderes comunitários e religiosos, lideranças sindicais, partidárias, artistas, comunicadores, desportistas etc.) incitando as turbas para que votem em candidatos notoriamente corruptos, desviadores de recursos públicos, v. g., das olimpíadas, da copa do mundo no Brasil, da saúde, da educação, da segurança pública etc., em detrimento daqueles candidatos com propósitos firmados em cuidar escorreitamente da “res” pública.

  O versículo 21 registra a clássica e universal pergunta de Pilatos à turba: “... Qual desses dois quereis vós que eu solte? ...”. A cada pleito eleitoral as urnas perguntam ao povo: A quem vós escolheis? Candidatos probos, bem-intencionados, pessoas capazes, tementes a Deus, que sejam dignas de confiança e inimigas de ganho desonesto, para estabelecê-las como lideranças políticas (Êxodo 18.21)? ou candidatos sabidamente ímprobos, fichas sujas, com péssima fama, adúlteros, corruptos, ímpios, iníquos etc. (Juízes 9. 14 e 15)? Desde os tempos de Cristo o povo insiste, de regra, em escolher os “barrabás”. O famoso pensador Adam Clarke, referindo-se aos judeus daquela época, disse: “Eram uma multidão de suínos” (Champlin, cit., pg. 716).

  O versículo 22 traz o resultado da equivocada decisão popular em relação aos bem-intencionados que são preteridos pelo sufrágio universal: O ostracismo! E mais, quantas pessoas da sociedade tem vontade de contribuir com a gestão pública, mas temem entrar na vida política por causa de tudo o que já foi comentado anteriormente aqui. O processo eleitoral está viciado, deturpado, adulterado pelos “príncipes dos sacerdotes e ... os anciãos” de hoje, os corruptores compradores de votos, os “espinheiros” que não geram sombras (conforto social), os “cuspidores” de fogo (péssimos gestores públicos), como diz a “parábola de Jotão” (Juízes, cit.). As pessoas sérias são “crucificadas” em suas boas intenções, em suas finanças e, muitas vezes, até mesmo em suas vidas privadas, em campanhas eleitorais sujas, rasteiras, de baixo nível, em detrimento dos “barrabás”.

  O versículo 23 demonstra a reafirmação de todo o processo de desgaste da representação popular em todos os níveis e sentidos. Aqui se pode citar a reflexão do insigne professor paulista Goffredo Telles Jr.: “Pode o povo, é certo, no dia do pleito, durante algumas horas, devanear e fantasiar-se de soberano. Mas já no mesmo dia, ao cair da noite, uma vez fechadas as urnas, que povo será imbecil a ponto de acreditar, que, tendo votado, esteja ele no governo? Poderá o homem da rua, que retorna à sua casa e a seu reles ramerrão, continuar envergando sua fantasia de soberano? Poderá ele crer, que o ‘representante do povo’, é de fato, seu representante?” (TELLES JUNIOR, Goffredo. Lineamentos de uma democracia autêntica para o Brasil. Revista de Direito da USP, vol. 58, 1963, pg. 138). Sob o prisma de Goffredo e da História depreende-se que a turba judaica fez uma escolha totalmente equivocada. As consequências repercutem até hoje.

  O versículo 24 remete ao que já foi dito nos comentários ao versículo 19. Pilatos utilizou aqui um costume judaico que simbolizava inocência, para se fazer entender pelos judeus (Ver Deuteronômio 21.6 a 8; Salmos 26.6 e 73.13). Lavar as mãos é a atitude dos omissos, dos que não querem sair da zona de conforto, daqueles que acreditam que nada tem a ver com eles. Em face das intensas divergências ideológicas, dos tumultos políticos, muitos preferem abster-se de contribuir com o aperfeiçoamento do processo e a vida democrática de seu país. Na esfera religiosa, v. g., alguns espiritualizam o assunto, dizendo que religião não tem nada a ver com a política e que “estão inocentes” dos desmandos dos governos, dos casos de corrupção, das pessoas que morrem nas filas e nos corredores dos hospitais, em relação àqueles que passam fome, que não tem acesso à educação etc., etc. Lavam as mãos na bacia do (ledo) engano. Continuação na próxima oportunidade.

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