SER OU NÃO SER
Ao ler os estudos ambientais promovidos pela empresa Ecotumucumaque, uma acadêmica e pedagógica empresa de consultoria geoambiental genuinamente Tucuju, passamos a compreender a complexidade dominial constitucional, que normatiza e tenta equilibrar as relações federativas sob as implicações socioambientais nascidas das concessões federais de uso ou venda de bens e ou serviços ambientais.
No seu artigo 20, nossa principal fonte normativa, a CF 1988, estabelece que os rios e águas de domínio da União, são aqueles que separam estados ou venham de países vizinhos ou ainda, que façam com nações estrangeiras, algum tipo de limite fronteiriço. Por derivação do puro direito advindo da ordem constitucional brasileira, restou aos estados federados os bens e serviços hídricos que estão estabelecidos no artigo 26, onde se define que os rios que nascem e desembocam em território de um mesmo Estado, terão como bens dominiais seus inclusive, as ilhas, águas e o direito de optar pelo uso turístico e ambiental desse patrimônio e dos recursos naturais inscritos ou derivados desse sistema hídrico. O rio Araguari é um caso exemplar para a aplicação desse critério constitucional.
Reforça esse princípio constitucional de competência concorrente entre a União e os Estados federados o disposto no art. 24, VIII “ responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”. Assim o balanço pouco favorável das hidrelétricas com a natureza e pouco responsável com as sociedades locais, começa a pesar na escolha do uso do rio Araguari, no trecho entre a confluência do Amapari com este, até o início do Lago da Hidrelétrica Coaracy Nunes (Paredão).
Caso esse aproveitamento Hidrelétrico da Cachoeira de Caldeirão seja efetivado, alguns danos já podem ser inicialmente previstos como a revogação de centenas de áreas oneradas com requerimentos de pesquisas minerais que serão inundadas ou proibidas a pesquisa e lavra, mais de duzentas propriedades rurais serão sumariamente desapropriadas ou inundadas, clubes e áreas públicas de lazer, ilhas ocupadas de valores cênicos incalculáveis ficarão submersas, os maiores mananciais de jazidas de seixos rolados serão circunscritas por uma Área de Preservação Permanente do Lago (APP) da nova usina de energia hidrelétrica (essas jazidas são conhecidas como mineração social pois são importantes para baratear a construção civil do estado do Amapá), inúmeras jazidas de granitos para extração de brita e pedras ornamentais ficarão proibidas de explorar esses minerais Classe II e não podendo mais realizar suas atividades de lavra, em detrimento da futura área de APP e dos riscos sísmicos advindos das explosões nessa atividade à barragem dessa usina.
Mas nada será tão desastroso do que a inundação de 110.000 m2 da área urbana de Porto Grande e a exclusão de seus moradores de terem o direito de usar e morar na orla fluvial dessa cidade que será totalmente comprometida com o nível de água do Lago da nova barragem da Cachoeira do Caldeirão. Os milhões de reais já gastos na construção do Muro de arrimo, praças e o asfaltamento das ruas ficarão submersos.
A alteração do Nível do Lençol Freático na área urbana, trará sérias consequências à saúde pública Além do que, o novo nível do rio, devido ao Reservatório da Usina, se transformará em um agente potencializador de cheias cada vez maiores, causando grandes impactos à população urbana de Porto Grande. Doenças como malária e dengue poderão ficar fora de controle.
A força econômica dessa “futura” indústria de aproveitamento do potencial hidrelétrico do rio Araguari, já mostrou para o que veio e já alterou sine die, os limites atuais da Unidade de Conservação Seringal Triunfo. Resta saber se as instituições de Estado, como Assembléia legislativa, Ministério Público Estadual e, em especial, a Câmara de Vereadores de Porto Grande além do Incra, DNPM e do próprio Governo do Estado do Amapá, irão aguardar aquela “ reuniãozinha” de debates do EIA-RIMA , onde se pratica o “Enganatório”, onde não se diz nada e se promete tudo, ou vamos praticar nossa autonomia constitucional e dizer o que somos e o que queremos como estado e sociedade.
É tempo de se avaliar verdadeiramente os fundamentos da sustentabilidade e fazer valer a ponderação das relações entre natureza, economia e sociedade. É preciso construir o desenvolvimento includente.
O Amapá tem que sair das amarras Sheakespereanas de “ser ou não ser” e, decidir politicamente, se vai favorecer a um empresário ou ao seu povo!
Antonio Feijão, geólogo e analista ambiental
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