A Editoria entrevista esta semana o professor Fernando Bilhalva Vitória
O agronegócio e a destruição do campo
Fernando Bilhalva Vitória é graduado em Filosofia, Especialista e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e recentemente defendeu dissertação de mestrado sobre a educação técnica rural e suas mazelas. Acompanhe a reportagem.
TA: Prof. Fernando, o senhor poderia dizer aos nossos leitores do que se trata a educação técnica rural e o que o motivou para realizar essa pesquisa?
Bem, a educação técnica rural, da qual trata o meu trabalho que foi orientando pela professora Dra. Marlene Ribeiro, uma das maiores autoridades no Brasil hoje, na área, e também vinculada aos movimentos sociais do campo, tinha como objetivo inicial estabelecer uma diferença entre educação rural e educação do campo. Mas a questão que me preocupa hoje é saber se as políticas públicas na era do Governo Lula tem sido mesmo uma prática de inclusão social ou apenas um paliativo para disfarçar uma política compensatória. Então, eu vejo que a educação técnica rural está muito vinculada ainda às questões do lucro capitalista. A educação rural no Brasil começou mesmo nos anos 1960 com a mecanização da agricultura. Assim eu me propus a fazer uma interface entre educação técnica e educação rural. Há uma diferença aí, a educação rural vê o campo como um lugar atrasado, por isso é preciso, nessa perspectiva, criar uma educação nos moldes da educação da cidade. A educação do campo afirma que o "campo" tem uma identidade: a identidade dos sujeitos que vivem nele e é ligada aos movimentos sociais. O meu trabalho teve como base a cidade gaúcha de Antônio Prado. Em rápidas palavras, o meu trabalho defende a idéia de que as políticas públicas elencadas nos governos Lula e Dilma não beneficiaram os pequenos produtores. Só para você ter uma idéia: a agricultura familiar no Brasil, hoje, produz cinquenta e quatro milhões de reais com 25% das terras e é dessa produção que o brasileiro depende para viver, todos nós temos comida na mesa graças à agricultura familiar. O agronegócio produz oitenta milhões de reais com o restante de terras, isso mostra que o pequeno agricultor tem condições de produzir muito mais se o governo investir nele. Há, portanto, uma ideologia aí que favorece os grandes proprietários e os grandes produtores de máquinas para a agricultura como é o caso da multinacional "John Deere" ou "Green máquinas" que tem, sem dúvida, muito interesse em que o agronegócio se espalhe pelo planeta.
TA: Mas professor, o senhor falou de uma ideologia que favorece aos grandes proprietários e que seria favorável ao capitalismo. Por outro lado, a educação rural que parte do princípio de formar o conceito "campo" a partir do próprio sujeito que vive no campo também não é ideológica?
Nós temos que ver que o conceito de classe não foi suprimido. Pensar hoje a educação rural e a educação do campo é dizer que há dois projetos em disputa no Brasil. Assim se pode perceber que existe aí uma luta de classe bem acirrada. Muitos dizem que não existem mais classes sociais, que todos vivem felizes como na novela das oito. Isso é um grande engano porque se você afirmar que não há mais classe social, também não há mais estrutura e não havendo estrutura, não há mais totalidade. Recentemente eu estive em Mato Grosso do Sul e, na volta para o Rio Grande do Sul sentou-se ao meu lado no avião um homem com ar típico de ruralista (chapéu de cowboy, camisa quadriculada e sotaque forte do interior) e eu perguntei a ele quantos hectares de terras ele tinha e o homem me disse sorrindo que era mais de mil. Então lhe perguntei o que eles faziam quando acabava a colheita da soja e ele me disse espantado com a minha pergunta: "ora, nós plantamos de novo... a máquina vem colhendo e nós vamos com as outras atrás plantando de novo, não damos mais descanso para a terra". Nessa fala se pode perceber que o agronegócio é um sistema assassino porque ele não respeita o campo, as pessoas do campo. Cada vez mais se produzem máquinas de destruição total da natureza! O que os grandes capitalistas querem é a mecanização completa da agricultura de exportação. O agronegócio, no geral não gera empregos, dá lucro para poucos (para os grandes proprietários e produtores de máquinas), ele expulsa do campo os pequenos produtores porque toma suas terras com financiamento público, isto é, com a garantia da propriedade por parte do Estado. Quer dizer, os grandes proprietários usam suas terras para conseguir benesses do Banco Mundial ou do Banco Nacional de Desenvolvimento enquanto o pequeno produtor não consegue os mesmos juros baixos que os grandes proprietários conseguem porque têm mais terras. O que acontece então? Os pequenos perdem suas terras porque não conseguem produzir o suficiente para se manter e vão para as cidades engrossar as favelas.
TA: Professor, o agronegócio está presente em todo o país, inclusive no Amapá com a chegada de lavouras de soja e pinus para exportação que geram receitas ao Estado e também a outras empresas. Nesse sentido, o senhor diria que mesmo assim esse é um mau negócio para o Amapá?
Bem, nós temos que ver o ponto de onde partimos. No Rio Grande do Sul tem-se um evento que todos conhecem, a Expointer, o maior evento do agronegócio no Brasil. Eu digo aqui que nunca fui e nunca pretendo ir lá, mas é o lugar onde todos os grandes capitalistas vão expor seus produtos na esperança de fazer bons negócios. Por lá se encontra de tudo: sementes da Monsanto, máquinas da New Holland, da John Deere, o veneno Roundup, um dos piores venenos da história que é aplicado à soja, por exemplo. Aliás, você sabia que cada brasileiro consome, em média por ano, cinco litros de venenos junto com o que come?
Eu não vejo com bons olhos o agronegócio em lugar algum porque as terras para o agronegócio devem ser terras "limpas", isto é, terras sem mata e sem pessoas por perto. Como você terá terras assim sem afastar as pessoas do lugar onde nasceram? E as populações autóctones do Amapá? Qualquer agricultor que quiser plantar sementes da Monsanto, por exemplo, deve pagar royalties para a empresa proprietária da patente no exterior. Você pode ter um siberiano comendo frango gaúcho, mas e daí? O governo brasileiro financiou a produção do frango para uma empresa privada que lucrou para si mesma e não distribuiu nada ao povo ou de volta para o governo. O mesmo, sem dúvidas, acontece ou acontecerá no Amapá.
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