sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Entrevista

 “O Brasil está dominado pelo Crack...”
                                                              Ciro Penido
 Abinoan Santiago
@abinoanAP
A editoria “Entrevista da Semana” acompanhando a campanha nacional do combate ao Crack procurou um especialista no assunto, e conversou com o perito Ciro Penido, mineiro de Itaúna. Graduado em Farmácia Bioquímica pela Universidade de Ouro Preto (1984) e bacharel em Direito. Possui especialização em Toxicologia pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Biotecnologia pela Universidade Federal de Lavras e Direito Civil Processual. Há três anos está trabalhando no seu mestrado na parte de Engenharia e Diagnósticos a Laser, na utilização de Espectroscopia em Raman e infravermelho na identificação de drogas e substâncias químicas (biodiagnósticos a lasers) que defenderá no mês que vem em São Paulo. Penido trabalha há mais de 18 anos com tóxicos através da Polícia Técnica Cientifica (Politec-AP) e também possui projetos aceitos na Agência Espacial Norte Americana (NASA). Acompanhe o nosso bate papo sobre uns dos assuntos que dificilmente sairá de pauta, o Crack.
TA: Já que dizem que a cocaína é a droga dos ricos. Nós podemos afirmar que o Crack é a droga dos pobres?
Penido – Podemos sim, pois tem dois tipos de cocaína: A clorídrica, que é também chamada de refinada. Umas toneladas de folhas produzem 100 kg de coca ou 100 kg de folha para 1 kg de pasta base de cocaína. Essa pasta pode ser comprada em países como Colômbia, Peru, Bolívia e pode ser vendida por mais de R$ 100 mil em São Paulo. Desta pasta base, você refina e a transforma na base que é a refinada. Desta pasta (do resto) é produzido o crack ou também a clorídrica, que é a cocaína aspirada. Essa que o pessoal cheira é a droga das pessoas que possuem um poder aquisitivo maior. Ela você vê em boates, festas, shows, entre outros lugares que possuem condições financeiras maior. Já o Crack é o resto da pasta que não foi usada na cocaína junto com outras misturas. Sendo assim, o custo de fabricação é menor, o lucro é maior. Pois com 1 kg de pasta é possível produzir de 4 a 5 kg de crack. Então os traficantes estão investindo pesado na fabricação dessa droga no Brasil.
A Polícia Federal está tendo um trabalho enorme com os precursores na produção da cocaína, pois para transformar a base em pasta é preciso do ácido clorídrico. E esse produto só é comercializado sob a fiscalização da PF, mas existe o contrabando do ácido. Mesmo com o “comércio negro”, o vai e vem do ácido clorídrico é raro, por isso que a cocaína é tão cara, devido a esse produto que é usado para a sua produção.
TA: Além do preço baixo, existe outro motivo que faz o crack ser consumido cada vez mais?
Penido - O crack tem o poder de “fissura”, mais que a cocaína, pois quando você aspira essa droga, a absorção é acontece em num tempo em média de 10 minutos no seu nariz, pois ela é via mucosa e o seu efeito dura entre 30 minutos à 1 hora. Já em relação ao crack isso é diferente, afinal, como ela é fumada, vai direto para o pulmão, e esse órgão tem muita célula que absorve isso e em torno de 5 minutos já está fazendo efeito e dura no máximo 15 minutos. Então quando isso passa, a pessoa fica louca para fumar de novo, porque o efeito já passou. Todas as drogas impedem a captação de dopamina – o hormônio do prazer -, porém o crack é a droga que mais acumula esse hormônio, por isso o prazer ao usá-la é tão intenso, que o corpo pede mais.
TA: Qual a relação do crack com a criminalidade?
Penido - O aumento da criminalidade está diretamente ligado ao crescimento dos usuários de crack, por quê? Quem usa o crack? São as pessoas de baixo poder aquisitivo. Então o que o dependente químico fará para poder comprar a sua droga? Ele vai roubar, irá também vender as coisas de dentro de casa, ele vai traficar, entre outros delitos com um único intuito, comprar o crack. Já o pessoal com o poder aquisitivo maior, não precisa praticar atos ilícitos, pois eles possuem dinheiro para adquirir a droga clorídrica (cocaína aspirada). E é importante deixar bem claro que todas as duas vem da pasta base, ou seja,  possuem o mesmo principio ativo, a folha de cocaína.
TA: Quais são as seqüelas fisiológicas que essas drogas podem causar?
Penido - Elas podem causar um infarto ou um derrame, de imediato, até na primeira dose, mesmo sem ter histórico genético  e independente da idade. Quando um jovem de 20 anos, saudável e que não tem histórico de infarto ou derrame na família, decide apenas experimentar, corre um grave risco de sofrer essas seqüelas já na primeira vez. Por isso que se deve o crescimento do uso de marca-passo entre os jovens. Pois tiveram um infarto e lesionaram aquela área que é responsável pelos batimentos cardíacos. Inclusive isso está acontecendo muito nas festas de boates, afinal, os jovens usam drogas misturadas com outras, como: ecstasy. Sendo que o ectasy aumenta a temperatura do corpo de forma exorbitante, podendo levar a pessoa a ter uma hipotermia e, até uma parada renal. Então podemos citar um exemplo:  O rapaz está numa a boate abafada, com pouco oxigênio, muita fumaça de cigarro e desidratado devido ao alto índice de alcoolismo e por desventura decide experimentar uma droga, o mesmo acaba sofrendo grandes conseqüências. Se ele experimentar a cocaína, terá um infarto fulminante.
TA: Existe a diferença da dependência física e psicologia. O usuário de Crack possui qual das duas?
Penido - O crack é uma dependência física, pois quando o dependente para de fumar, o corpo pede e tem a necessidade de mais. É o mesmo que acontece com quem é alcoólico, afinal, quando o alcoólatra para beber, fica louco e o corpo começa a esboçar reações, pois o individuo acabou acostumando o seu organismo a necessitar a bebida.
TA: Qual o perfil de quem usa o crack? Tem um usuário característico?
Penido - São pessoas na maioria desempregadas, porque imagine a seguinte situação: Um pai de família, com filhos para criar, não consegue emprego. E de repente aparece a oportunidade de ser “mula” – que são pessoas que carregam os entorpecentes dentro do corpo -. Uma mercadoria que vale R$ 10 mil reais, o “mula” fatura em média R$ 500 com o translado da mercadoria dentro de si. Então na maioria dos casos são pessoas desempregadas, também que possuem uma desestrutura familiar, analfabetos ou semi- analfabetos.
TA: Sempre há um “pé atrás” em relação aos dependentes que saem das clínicas de reabilitação. Os usuários químicos possuem chances reais de cura?
Penido - Com certeza, mas o que falta aqui no Brasil é a estrutura, como centros de tratamentos. Inclusive o código de processo penal é bem claro em relação a isso, ele separou as situações na Lei 11.343. Nela você pega o artigo 28 – o do usuário – e, o artigo 33 – o do traficante -. Hoje em dia, se o usuário for pego com drogas, ele não será mais preso, e sim encaminhado ao juiz, e depois levado a uma clinica de tratamento. Porém onde estão as clinicas? O Brasil não tem clinicas de tratamento devidamente preparadas...
TA: Qual seria o centro de tratamento ideal?
Penido - Seriam com psicólogos, psiquiatras, nutricionistas. Mostrar para os usuários, o caminho certo da sociedade com oficinas de re-socialização...
TA: O Monte Tabor se enquadra nisso?
Penido - Apesar das dificuldades, o Monte Tabor tem um trabalho voltado a iniciativa particular de uma maneira séria. Agora o que devemos acentuar aí é em relação ao apoio familiar. Pois nesse caso é muito importante.
TA: O crack é a droga mais usada no Brasil a ponto de afirmarmos que o país está dominado por ela?
Penido - Sim, com certeza, segundo informações do Ministério da Saúde, o Brasil tem hoje dois milhões de usuário de crack, sem contar com os dependentes de cocaína, maconha, óxi, etc. Então podemos dizer que o Brasil está dominado pelo crack.
TA: As campanhas contra o uso das drogas funcionam de fato?
Penido - Ajudam sim, mesmo que pouco, mas ajudam. Entretanto são incompletas, pois temos que ter centros de tratamentos. Pois elas pedem para o usuário parar de fumar, mas não dá nenhuma assistência para que ele possa se livrar do vício.
TA: Então o foco das campanhas deveria ser nas crianças?
Penido - Seria uma saída para nos livrarmos disso em longo prazo. Tanto que muitos defendem a inclusão da disciplina “Toxicologia” na escola, desde o ensino fundamental. Mostrando sobre os malefícios e debatendo sobre os mesmos. Eu digo que o ser humano é contraditório por natureza, porque ele gosta de fazer o errado mesmo sabendo que é ilícito. Lembro-me até de um título de um capítulo de um livro do Machado de Assis que diz: “Caro leitor, não leia essa página”, com todos que conversei que leu esse livro, nenhum disse que resistiu em não ver o que estava escrito. Então como o adolescente é curioso e muito influenciado, nós temos que mostrá-los sobre os malefícios dessas drogas.
TA: Os pais têm uma parcela de culpa sobre esses dependentes?
Penido - De certa forma sim, pois se o filho vê o pai e a mãe fumando e bebendo e achando a coisa mais normal do mundo, ele com certeza também vai querer usar. Por isso que defendo os centros de tratamentos adequados, pois os verdadeiros centros fazem não fazem um trabalho apenas com o dependente e sim com a família inteira, pois ela é fundamental nesse processo.
TA: Tem algum lugar no Brasil onde podemos tomar como exemplo de amparo ao dependente?
Penido - Sim, Recife tem um centro feito com recursos públicos. Então a capital pernambucana está sendo pioneira em Clínicas de reabilitação de dependentes químicos. E os resultados são os melhores possíveis, porque lá não é uma internação em sim um centro para reabilitação. Um projeto legal dentro desse centro é em relação a oportunidade de empregos que os reabilitados recebem quando saem de lá. Afinal, não adiante recuperar e colocar à sociedade um desempregado, sendo assim, terá uma recaída.
TA: Qual a sua posição sobre a legalização da maconha?
Penido - Eu sou contra e explico com um exemplo: quem usa maconha são os alucinógenos. Se você usa a maconha num dia de bom humor, você pode continuar alegre, caso alguém use num dia de depressão, é capaz dela chagar até o suicídio. Ela é alucinógena. E a maconha ainda pode ser a ponta de lança para a legalização de outras drogas e criar um efeito cascata. Imagine você saindo da boate vendo um rapaz pulando em cima do seu carro pensando que é uma barata. A maconha pode fazer a pessoas ter esse tipo de alucinação. Então antes de legalizá-la, nós temos que estudar as conseqüências dessa legalização. Como o aumento de suicídios, homicídios, acidentes no trânsito. Tudo isso aumentará, pois estarão alucinados com apenas 1 cigarro de maconha.
TA: Para finalizar a entrevista, ficamos curioso sobre essa tecnologia chamada Raman, no que consiste?
Penido - Raman é uma tecnologia baseada na vibração molecular, toda substância tem a sua vibração molecular própria, quando você incide uma luz, aquela substância vibra e essa vibração é observada em espectro. Se você disparar um equipamento, Raman portátil, você consegue identificar a substância que está dentro de algum objeto, e isso sem gastar reagentes, bateria ou até mesmo precisar abrir o material. Ele está sendo usado em Amsterdã, no Brasil, apenas o Distrito Federal possui esse equipamento.

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