sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Sobrevivente - Leatrice Marinho


Leatrice Marinho: “Lembro do tempo em que Macapá era tão tranqüilo, a gente vivia sossegado”

Tão importante quanto fazer a história, é a ver acontecer. Assim podemos falar de mais uma sobrevivente: Leatrice Marinho. A matriarca da família Marinho viu seu marido e companheiro Osmar, um dos grandes pioneiros macapaenses, fazer parte de história da nossa cidade. E com alegria e emoção que ela relata o que viu da vida em Macapá, em seus 82 anos de vida.
John Pacheco
Da Reportagem/Estagiário

Uma das primeiras moradoras do bairro do Trem, Dona Leatrice Marinho, viúva de Osmar Marinho, achou que após a morte de seu companheiro era o fim da felicidade. Mas essa mãe de 7 filhos, avó de 30 netos, bisavó de 40, e tataravó, viu na sua família o grande motivo para ainda continuar nessa luta e descobriu que a felicidade estava escondida em outros lugares.
Sobre a sua trajetória, disse que nasceu e viveu sua infância no antigo Formigueiro, atrás da igreja São José, com seus pais Raimundo Tavares dos Santos, o “Mirica” e Matilde Amaral dos Santos. “Meu pai era comerciante e minha mãe como a maioria das mulheres da época era dona de casa”, disse Leatrice.
Quando perguntada sobre onde estudou, ela demorou um pouquinho para lembrar, mas recordou onde estudou, “Eu estudei na casa da Professora Sofia Mendes, também atrás da Igreja São José, como a casa dela era muito grande, ela alugava pro governo, e eu estudava lá. Pela manhã estudavam só as meninas e pela tarde somente os meninos. A minha professora se chamava Zelinda, já falecida. Naquela época não existia divisão por séries, as aulas eram feitas pelo livro. Em cada ano era estudado um livro da coleção da escola, o livro era estudado e revisado, e daí se passava de ano” e quando perguntada até onde foi na escola, ela respondeu entre gargalhadas, que os estudos ficaram pela metade.
A vida com Osmar Marinho
“Conheci o Osmar, quando ele veio de Chaves, hoje no estado do Pará, ele fazia parte da banda do Mestre Osmar Santos, que foi quem o trouxe para cá, pois naquele tempo havia uma facilidade tão grande de arrumar emprego”, e ela lamenta que hoje isso não seja mais possível. Casaram-se em 1946, e foram 58 anos de casamento, e ela se orgulha muito da família que constituiu, disse, emocionada, Dona Leatrice.
Após o casamento, ela virou dona de casa e antes de morarem para o Trem, residiram dois anos em uma casa próxima a Praça Zagury. “Depois que a minha segunda filha estava com dois meses, a gente se mudou pro bairro do Trem, eu fui uma das primeiras moradoras do bairro, e até hoje não me lembro o nome da rua pra onde mudamos (Antônio Coelho de Carvalho), e nessa casa aqui eu já moro há 26 anos. No começo ela era de madeira e era coberta com palha, por que era muito difícil conseguir telhas, pois elas vinham somente de Abaeté no Pará”, lembrou Dona Leatrice.
No começo do território, viu Osmar trabalhar em diversos empregos, como apontador, onde fiscalizava nas repartições, a quantidade de funcionários e se todos estavam trabalhando. Também trabalhou na Serta Navegação e ainda foi fotógrafo da polícia. Mas ela nos disse também não ficava somente em casa e que aproveitou muito bem a juventude nos grandes bailes da época, como o do Divino Espírito Santo, o da Santíssima Trindade e o Arraial de São José. Sobre o fato de Osmar tocar nos bailes, ela nos disse muito bem humorada “que enquanto ele tocava no Coreto, eu passeava”.  
No meio do caminho tinha um Trem
Hoje em dia ela encara com muito humor, mais após a fundação do Trem Desportivo Clube, Dona Leatrice, viu que os problemas estavam só começando, teve que dividir o marido com o Clube, pelo fato de que não interferisse nos assuntos da equipe. Até estranhou o súbito interesse do marido pelo clube, já que ele não foi jogador. Para ela “ser presidente de clube é muita despesa, é como sustentar outra família” e naquele caso outra família era o Locomotiva. “Para dar conta do time ele tinha dois trabalhos, era funcionário do governo e fotógrafo e nos fins de semana ainda ganhava algum como músico”.   
Osmar acabou desistindo da música e abriu a Foto Marinho, onde hoje é a sede do Trem, mesmo assim não cobria os custos. Mais uma coisa que Dona Leatrice se orgulhava era das festas na sede do Trem, como a Rainha das Flores, o Fim de Ano e o Aniversário do Clube, festas que por muito tempo foram marcantes na cidade, dos bailes ela diz “que o que sempre sobrava para mim era uma tal de feijoada que o Osmar inventava e que sempre eu tinha que preparar, e por isso eu brigava com ele”, diz Leatrice.  
Quanto ao que ela ganhou do Trem, ela com muito bom humor respondeu: “O que eu ganhei e ganho é preocupação, desde a época do Osmar, eu cansei de brigar com ele, porque ele tirava de casa para dar pro time. Uma vez a minha cozinha que era de madeira estava com as tábuas todas caindo e eu queria de alvenaria, mais mesmo assim ele mandou o carpinteiro pra consertar a cozinha”.
Como tinha as suas diferenças com a outra “família” do marido, ela não gostava muito de torcer pelo time, e hoje com a administração do Trem pelo filho e pela nora, ela passou a acompanhar. E como é muito religiosa, ela contou o que fez enquanto estava torcendo na final do Campeonato Amapaense desse ano, vencido pelo Trem, ela pediu ajuda para os seus santos: “minha santa Joana D’arc, ajuda meu filho, ajuda minha nora”. Ela disse que não torcia em campo para os jogadores, e sim para o filho e a nora, pois eram eles que estavam batalhando e tirando dinheiro do próprio bolso para manter a equipe, e as preces foram atendidas.
Depois dos Trilhos
O que dá orgulho e vontade de viver em Dona Leatrice é a harmonia entre a sua família. Com todos os seus filhos formados e com a vida estabilizada, o que a deixa com lágrimas nos olhos é o fato de que sempre eles estão ao seu lado, e que mantêm hábitos familiares ao longo dos anos, “Eles sempre estão aqui, mesmo sendo tão atarefados, de manhã os meus filhos vem tomar café aqui, desde quando o meu marido era vivo, o café deles é em casa, eles tem as casas e as famílias deles, mas a primeira refeição é sempre em casa”.
O único lamento de dona Leatrice, e de que com o avanço inevitável da urbanização, as pessoas deixaram ser um pouco mais felizes, “lembro do tempo em que Macapá era tão tranqüilo, a gente vivia sossegado”, diz Dona Leatrice Marinho, mais uma sobrevivente na nossa história.   
  

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