segunda-feira, 26 de março de 2012

Sobrevivente: Mestre Jorge


“Você que é um mestre, chegou ontem como aprendiz e hoje já sabe mais que os outros. Você é o Mestre Jorge!”
Jorge Farias Monteiro 

por Caroline Mesquita 

A editoria está representada esta semana por uma personalidade fortíssima do cenário amapaense. Com aparência séria, mostrando-se um pouco sisudo, muitas pessoas pensariam que não se pode ter uma conversa descontraída, informal, com esse agradável homem. Quem olha imagina que toda conversa é mantida a rédeas curtas. Doce engano. É só possuir respeito que qualquer diálogo caminha calmamente, e de um jeito tão harmonioso como brisa do vento. Ele é sério por fora e um eterno brincalhão por dentro. Estamos falando de uma pessoa com o coração enorme, que é conhecido carinhosamente por “Mestre Jorge”.

Jorge Farias Monteiro começou sua vida na terra das mangueiras, Belém – PA. Sua infância não foi cheia de estripulias de criança atentada, que apronta pelas ruas vizinhas a sua casa. Teve que amadurecer cedo para ajudar sua família. Com apenas 12 anos de idade, começou a trabalhar, e só pode estudar até a 5ª série. O mais interessante disso tudo foi que iniciou sua precoce carreira na carroceria de um caminhão, fazendo entregas pelos interiores do Pará. Naquela época dirigir era um sonho para qualquer menino entrando na pré-adolescência. Mal ele sabia que a profissão de motorista iria lhe render bons frutos em outra capital nortista, Macapá.

Chegou à cidade com apenas 20 anos, numa busca desenfreada por emprego. Sua mãe e seu padrasto vieram um pouco antes para as terras tucujus, e esse foi o pontapé para vir tentar a sorte aqui. Antes disso, procurou algo em Belém mesmo, local onde residia a maioria de sua família. Não deu certo. Embarcou para Macapá sem medir esforços, e nos afirmou: “Não queria saber no que iria trabalhar. Eu queria apenas dinheiro. Ter minha própria renda. Meu primeiro emprego aqui no estado foi de servente numa empresa, pois foi a primeira coisa que me apareceu. Pensei que iria passar fome no início, sem ter onde me instalar, mas isso não aconteceu, graças a Deus. As pessoas recepcionara-me muito bem, e eu sou muito grato. Fiz por merecer, também. Jamais desrespeitei qualquer pessoa na rua, sempre agi com muita justiça, e nunca mexi em nada que não fosse meu. Minha mãe e meu pai sempre me disseram que ‘Quem têm vergonha, não faz vergonha’, então, para não passar por nenhuma situação constrangedora, a qual eu pudesse envergonhar-me, nunca agi de forma desonesta e presunçosa com ninguém. É uma lição que guardo por toda minha vida”.

E foi nesse caminho de boa vontade que conquistou várias pessoas na cidade, e foi só uma questão de tempo para surgir oportunidades de outros empregos. Desta forma que iniciou seu percurso de motorista, com a indicação de um amigo para uma empresa estatal. No princípio, apenas sabia pisar no acelerador, freio e trocar as marchas. Era um simples motorista. Mas como é uma criatura curiosa, que não se contenta com pouco conhecimento, foi perguntando aos colegas de profissão sobre mecânica, guardando cada informação que fosse necessária, e foi só esperar um pouco para que entendesse tão bem sobre o assunto quanto seus amigos. “Comecei a querer saber sobre mecânica. Aprendi com meus colegas de trabalho. Cada um sabia uma coisinha. Fui juntando cada informação que recebia, e no final eu já tinha arrecado mais conhecimento que meus próprios amigos de profissão. Fui um bom profissional por ser muito curioso. Para que serve caixa de marcha? Para que serve diferencial? Eu sei. Meu chefe falava para o pessoal assim: - Vocês que ensinaram o Jorge, não é? Como é que ele sabe agora mais que vocês? – Ah, o Jorge foi pra frente, nós só ficamos com o que já sabíamos. Ele é muito curioso – meus amigos respondiam ao chefe. Infelizmente, tem gente que não gosta de aprender, se julga mestre. Entrou como aprendiz e já acha que sabe tudo. As coisas não são assim”, conta Jorge.

Dirigiu quase todo tipo de veículo, desde ônibus a Jipe. É o que acontece quando se trabalha para o governo, você acaba tendo oportunidade de dirigir vários veículos, de grande a pequeno porte. Foi convidado para ser motorista de alguns governantes na época do regime militar no Amapá: General Luiz Mendes, Ivanhoé Martins e Annibal Barcellos, mas não aceitou. A remuneração era pouca comparada à quantidade de serviço que iria prestar. Preferiu ser motorista de outros atuantes do governo. Trabalhou conduzindo advogados, secretários, pessoas muito instruídas com quem sempre conversava. Conta que ele recebeu o seguinte comentário: “Jorge, tua instrução foi adquirida só até a quinta série, mesmo? Tu estás nos enganando. Você sabe muito mais do que qualquer pessoa que tenha curso de graduação. Tenho certeza que estás ‘escondendo o jogo’”, sorri ao lembrar-se dos comentários de seus empregadores.

Com 21 anos, casou-se com Maria Alves de Souza, mulher guerreira que não teve oportunidade de estudar, não sabia ler e nem escrever, mesmo assim, com algumas dificuldades, criaram mais de 20 filhos de coração, dando tudo que estivessem ao seu alcance, estudo era sempre prioridade. Não tiveram filhos de sangue, porque pegaram cedo uma criança para cuidar, e o carinho foi só aumentando que não viram necessidade de fazer um filho. Já possuíam vários filhos para chamarem de seu. Sua esposa faleceu há sete meses. Foram 61 anos convividos com uma pessoa singular, que jamais existirá outra igual. “Deus a chamou, não podemos contestá-lo. Ele sempre sabe o que faz. Ela cumpriu sua missão na terra e foi morar com ele. Vou me juntar um dia a eles, também” diz seu Jorge, com muita saudade.

Atualmente, com 82 anos de idade, mestre Jorge possui alguns problemas de saúde que vieram com o tempo. Mas não pense que ele se deixa abater por isso, não! Enquanto suas pernas o obedecem, ele procura manter sua independência ao máximo. Vai ao banco receber sua aposentadoria, depois se direciona as lotéricas para pagar suas dívidas, e disse que recentemente ajudou um rapaz que estacionou em frente a sua casa, o carro estava com o pneu furado e o pobre moço não sabia usar o macaco para trocar o pneu. Seu Jorge trouxe o jacaré (instrumento parecido e maior que o macaco, geralmente utilizado nas oficinas) e o ensinou a manuseá-lo até conseguir trocar o pneu. “Depois que eu o ajudei, ele perguntou se eu não queria vender meu jacaré para ele. Neguei. Falei para ele aprender a usar o macaco logo”, riu lembrando-se dessa situação.

Mas me diga, por que o apelido de “Mestre Jorge”? Esse apelido foi dado por seus colegas de profissão, os quais o ensinaram sobre mecânica e, pouco tempo depois, o papel inverteu-se. Jorge que estava ensinando eles. Assim, o chamaram: “Você que é um mestre, chegou ontem como aprendiz e hoje já sabe mais que os outros. Você é o Mestre Jorge!”. E pronto, o apelido pegou. Se perguntarem na rua de sua casa pelo nome Jorge, ninguém sabe onde fica. Porém, se falarem o nome MESTRE JORGE, todos apontam para sua casa. E seu Jorge finaliza, sorrindo: “Mas que mestre é esse que não sabe fazer nada?”.


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