Estava eu assistindo a um telejornal daqui do Ceará, quando me deparo com a notícia mais inquietante que já ouvi nos últimos tempos. Acontece que uma mulher - Rosangela Castro, 57 anos, bioquímica aposentada -, foi encontrada morta em casa junto com seus dois cachorros e seu papagaio, na última segunda-feira de julho, dia 9.
Até aí, não muito espanto. Mas piora: Apesar de ter sido achada há poucos dias, a senhora estava morta havia pelo menos três meses. E mais: Segundo os peritos, acredita-se que, decorrido algum tempo após o falecimento (causado por coma alcoólico), os cães, famintos, passaram a se alimentar do cadáver da própria dona.
Meses sucederam-se... Os vizinhos em nada estranharam o silêncio e a imperturbabilidade da residência, até porque Rosangela era uma mulher bastante reclusa e um tanto sorumbática.
Contudo, quando o fornecimento de luz à casa foi cortado, os moradores da vizinhança suspeitaram que algo mau pudesse ter acontecido. Resolveram chamar a polícia, a qual compareceu ao local e constatou o óbito da mulher, encontrando seus restos mortais junto às três carcaças dos animais de estimação. Só então os parentes de Rosangela foram contatados, e finalmente apareceram.
Três meses
O que mais me intriga é pensar no longo tempo em que o corpo de Rosangela subsistiu sem ser descoberto, sobretudo levando-se em consideração que tinha parentes vivos para sentir sua falta. Onde estavam essas pessoas? Quanto tempo mais se passaria, não fosse a polícia ter ido atrás dos familiares?
Tal história nos trás uma reflexão acerca, sobretudo, da solidão... Pare para pensar: Como seria tornar-se tão isolado, ao ponto de, fenecendo, nem mesmo a sua família dar por falta de você? Como seria não ter alguém para cuidar dos seus animais de estimação após você partir, obrigando-os assim a se alimentarem do próprio corpo de quem um dia os alimentou pela mão, e, mais tarde, ainda conduzir esses mesmos bichos ao fim que você teve, por que ninguém foi bater à sua porta e perguntar: "Tudo bem aqui?"?
Creio, como sugere o poeta, que, de algum modo, somos ilhas. Cada um de nós é uma ínsula, uns mais remotos que outros. Estamos sozinhos boa parte do tempo. Às vezes, nossa única companhia é o próprio pensamento... No entanto, não creio que nascemos para ser ilha o tempo inteiro.
A própria Bíblia diz, no livro de Eclesiastes, capítulo 4: "É melhor serem dois do que um [...], porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo, não haverá quem o levante". Devemos reservar-nos o direito de nos transmutar em ilhas inacessíveis e solitárias naqueles momentos em que é preciso, de fato, voltar-se para dentro de si mesmo. Podemos ser ilhas quando o mau-humor apertar, ou a nostalgia bater, ou até mesmo quando uma grande ideia surgir, sendo necessário trabalhá-la em silêncio e contemplação.
Entretanto, ser ilha não é tarefa a tempo integral. Há quem ache certo encanto na misantropia, mas essa vida de ermitão não traz lá grandes louros... E com certeza não garante completa felicidade, afinal, felicidade também implica em compartilhar. Quando, porém, o individuo se enclausura, vai compartilhar o que com quem?
Rosangela Castro é exemplo válido daquilo que não podemos deixar acontecer em nossas vidas... Os últimos momentos de sua existência solitária parecem uma grande ironia: Beber era um vício persistente, talvez um de seus poucos apegos. Morreu pelo álcool. Ademais, os bichos de estimação eram os relacionamentos mais próximos que tinha. Levou todos eles consigo.
Assim, não creio que haja nenhuma vantagem permanente na solidão - preste atenção, porque quem diz isso é uma menina que sempre teve certa propensão filosófica ao abatimento d'alma. E garanto: Não há refúgio seguro quando se está sozinho na vida. Nas horas cruciais, você sempre vai precisar de outras duas mãos além das suas.
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