As eleições municipais em Fortaleza, especificamente a disputa pela prefeitura, trouxeram à luz certas ideias purulentas que alguns cidadãos teimam em abrigar nas mentes. Elas dizem respeito ao perfil político - lambuzado num populismo hipócrita - que, tal qual manada irracional, esses eleitores gostam tanto de aplaudir nos palanques.
Acontece que havia na cidade dois grandes candidatos com maior expressividade. Vamos chamá-los "Candidato Amarelo" e "Candidato Vermelho". Para que se entenda bem o drama, permitam-me explicar: O Candidato Amarelo era formado em medicina pela Universidade Federal do Ceará, PhD em saúde pública pela Universidade do Arizona, Estados Unidos.
O Candidato Vermelho, até onde sei, era advogado. Não foram divulgadas ao longo de sua campanha muitas informações a respeito da formação acadêmica, e penso que isso fazia parte do pacote que tentou vender - e quase conseguiu! - ao eleitor.
Foram os dois para o segundo turno, o Candidato Amarelo com slogans do tipo "estou preparado para cuidar de Fortaleza, tenho formação, qualificação". Já o Candidato Vermelho vinha com frases como: "não se aprende a cuidar do povo em faculdade!".
Agora eu pergunto: Mas como não?! Como não se aprende a cuidar de pessoas na faculdade, se é educando a mente que nos condicionamos a decifrar a essência humana? É tudo uma questão de humanidade, os estudos estão intrinsecamente ligados a ela, por mais cientificistas que sejam. O homem é o centro desse conhecimento todo, até mesmo quando, em tese, não o é. Penso ser impossível dissociar a condição humana da intelectual.
Entretanto, o Candidato Vermelho teimava em apregoar o contrário. A educação, para ele, era defeito, privilégio do qual a aristocracia se apropriara, desvirtuando-o. Sua nauseante campanha eleitoral fora impregnada de um populismo rançoso, repetindo exaustivamente a sedativa palavra "povo", o que provavelmente tenha aprendido com o mestre Luis Inácio da Silva, pois o Candidato Vermelho agregou à campanha o apoio de Lula, que subiu a seu palanque e despejou sobre o "povo" mais algumas doses de sua duvidosa panaceia ufanista
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Lula veio com esta mesma conversa de "não existe universidade que ensine a cuidar das pessoas". E com voz retumbante, gritava aos eleitores lá embaixo: "O meu candidato vai cuidar do povo! O povo merece alguém que saiba olhar nos olhos! O povo! O povo!". E o povo babava.
Cheguei até mesmo a ouvir na parada de ônibus um cidadão dizer, a respeito do outro candidato, o Amarelo: "Esse não vai ganhar... Não vai ganhar porque fica falando que estudou nos Estados Unidos e nem todo mundo teve a mesma condição...". Oh, equívoca república, será que ninguém mais enxerga o contrassenso dessas palavras? Ter estudado não desqualifica ninguém. O problema é muito mais basilar, não está sobre as costas daqueles que tiveram acesso ao conhecimento, e sim sobre aqueles, antes de todos nós, que não se preocuparam em nos garantir uma estrutura educacional homogênea e consistente.
Muito me admira que a população ainda delire com esse complexo de inferioridade, se identifique tanto com a alcunha "povo", ao mesmo tempo em que, na verdade, nem se aceita como tal. O povo não quer ser "povo". O povo quer ser o Candidato Amarelo, ou o próximo Lula, mas o Lula vencedor. O povo quer ser o jogador de futebol enricado da novela. O povo quer Camaro Amarelo. O povo quer ter e ser tudo aquilo que a palavra "povo" não tem e não abraça. O "povo" é uma ilusão coletiva. Eles aceitam ser reconhecidos como aqueles que foram pisados na luta entre as classes, mas só se for confortável, se convier. Atitudes realmente combativas, eficazes, não tomam.
Vejam o caso de Lula. Só foi eleito quando retornou ao cenário vestindo terno e gravata, ajudado por braços empresariais. "Agora sim, um 'filho do povo'!", bradaram, mas com muito capital, sapatos lustrosos, barba aparada. Ademais, vocês acham que Lula não se pôs a estudar assim que alcançou a presidência?
O "povo" aparenta não se dar conta das contradições entre discurso e conduta, mas, se percebe, então aceita e legitima placidamente as incongruências. O povo. O povo é essa massa professando-se massa, mas por dentro tremendo de ódio pelo estado em que se encontra. Contudo, luta para mudá-lo? Não. Aplaudem os candidatos que endeusam tais condições de vida patéticas, contentando-se com as ideologias de palanque, as quais, por ora, garantem o peixe no prato, mas ensinar a pescar que é bom, nada...
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