sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Dossiê - Carta a Renivaldo Costa


Caro amigo Renivaldo,

Estou na Noruega, precisamente em Oslo. Aqui o relógio acusa 22:00 h e uma tristeza que desmoraliza. Imagino um pôr-do-sol maravilhoso na "Cidade Jóia" e um vai-e-vem frenético na orla dos atletas de fim de tarde. Só agora me dei conta da beleza do Rio Amazonas, não como frase feita, mas como beleza real que encanta a mente e espanta este tédio que ora me assedia. Lembrei-me de ti porque um dia mandaste-me uma belíssima carta em que me encartavas como amigo no teu rol seleto de pessoas que privam de tua amizade. Não é de boa etiqueta não responder uma carta.

Estou na Noruega porque - veja a loucura - aventurei ver aqui um poema de Alcy Araújo que ele sequer mandou, posto que o ato ficou apenas na sua cogitação poética. "Poema com destino à Noruega" me encantou desde que o "Titio" me presenciou com sua obra autografada "Poemas  do Homem do Cais" quando eu ainda usava os cabelos longos e me atrevia a figurar entre os aspirantes a poetas do Bar do Abreu. Até agora não encontrei o poema e nem a "moça loira" que leria o poema ao sol da meia-noite.

Contudo, caro poeta, encontrei uma cidade em pânico. Aqui houve uma eleição em que massacraram a vontade soberana do povo. Imaginei uma Noruega poética e cheia de paz em que cada um pudesse expressar sua vontade. Não está assim. Aqui se experimenta um clima de terror só visto nos regimes autoritários. O povo faz a cada momento interrogações com o olhar e fecha a boca por temer a represália dos poderes. Tudo aqui é silêncio. Ninguém ousa dizer sua verdadeira preferência porque teme o coturno covarde dos homens de farda. Nem parece primeiro mundo.

Há um Departamento de Defesa que acusa com injúrias todos os adversários e invade prédios na busca de provas contra desafetos que sabe não existir. Há uma imprensa reacionária que com seu eugenismo impregna de ódio a opinião pública. Pelo que falam tudo parece não prestar e somente uma revolução poderia trazer a "paz" a esta capital. O desejo dos que se aparelharam no poder é segregar todos os adversários, mesmo sem provas, numa empreitada cujo empenho faria tremer todos aqueles que já foram adjetivados de autoritários. Felizmente não vi jorrar sangue, porém honras foram rasgadas em praça pública e grandes bandeiras tremulavam na comemoração de uma vitória que sabiam não ser legítima porque embrionada na "coalizão" do aparelho estatal que esmagou a vontade do povo.

Do meio da praça faço reflexões e sinto saudade do meu Brasil, caro poeta. Lá pelo menos com dificuldade ainda se ouve o farfalhar matreiro da democracia imatura que rola como uma folha numa tarde quente de primavera. No Brasil, apesar dos pesares, o povo ainda agita a bandeira que verdadeiramente venceu a batalha política. Não há asfixia aos adversários, apenas embates que apesar de duros são próprios da democracia e não subvertem resultados.

Sinto pena da Noruega e de seus filhos, meu querido poeta. Esses louros contarão amanhã como se fulmina a vontade popular utilizando-se do aparelho do Estado sem dó nem piedade. E ai de quem ouse pelo menos divergir dos compatriotas que se assenhorearam do poder na "coalizão" contra o povo. Será um traidor que quer o mal da Noruega. O pior, contam os antigos, é que já houve mentira semelhante quando prometeram uma Noruega reluzente e desenvolvida. Não a fizeram. Alguns deles ainda voltaram para repetir a mentira, agora sob nova batuta, fingindo separação, mas, no final, houve a união para a conquista. Pobres noruegueses. Terão a indigesta missão de caminhar com quem não escolheram.

O que me acalma, caro poeta, é que "titio" Alcy não mandou o poema à Noruega, como a antever sua baderna, seu bullying à democracia, sua degeneração. Um poeta de verdade não mandaria um poema onde os coturnos encontram com facilidade a costela frágil dos adversários, onde os poderes se unem para espancar adversários indefesos, onde a injúria, a difamação e a calúnia são pratos fartos servidos no banquete dos moralistas que desdenham da ordem. Estava certo. Seu poema merece um porto melhor, onde se permita o livre exercício da sagrada liberdade. Estou voltando, caro amigo, para o meu Brasil, onde posso caminhar livre, fazer minhas escolhas, tomar o meu vinho predileto, descer as baixadas ao encontro do povo, exercer a liberdade de expressão e encontrar uma flor que possa oferecer à mulher amada sem o olhar repressor de quem quer que seja. Até breve, poeta!

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