sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Antenados - Medos infantis



Crescemos ouvindo o clichê de nossos pais: "Que saudades de quando eu tinha a sua idade!...", ou "você reclama agora, mas quando crescer vai querer voltar a ser criança...". Naquela época, não imaginávamos como esses lugares-comuns poderiam se confirmar. Afinal, que graça havia em ser criança? Obviamente, quando não estávamos pululando na lama, tomando banho de chuva, jogando videogame com os primos ou dormindo despreocupadamente no seio carinhoso de nossa mãe, era muito difícil entender o prazer de ser pequeno.

Mas um dia chegamos naquele momento da vida em que temos de admitir para nós mesmos: Nossos pais tinham razão. Embora a infância tenha dramas muito particulares, problemas que quase sempre nos parecem indissolúveis, ainda assim era mais fácil sofrer antes do que agora. Gritando ou engolindo em seco, acabávamos enfrentando, de qualquer jeito.

Ademais, sempre havia alguém para nos pegar no colo e nos explicar o mundo. Possuíamos a liberdade para chorar sem que as pessoas dissessem: "Supere. Não é nada demais". Quando chorávamos, mesmo que alguém viesse repreender nossos caprichos, ainda assim nos davam abraços, carinhos, conforto, chantagens doces... Qualquer coisa que suspendesse as lágrimas.
Eu ainda me lembro de meus medos de infância. Enquanto procurava um assunto para tratar aqui na coluna, recordei, por exemplo, o terror que sentia ao ver "Coragem, o Cão Covarde" (desenho do canal de TV a cabo Cartoon Network). Lançado nos Estados Unidos como "Courage the Cowardly Dog", a animação era simplesmente assustadora, camuflada sob camadas de ingenuidade, surrealismo e humor negro. O próprio humor ácido e o surreal concorriam para deixar o desenho ainda mais impactante.

Em resumo: Coragem é um cãozinho cor-de-rosa, franzino e assustadiço, que vive com uma adorável e senil senhora de nome Muriel, e com o esposo dela, o ranzinza e mau-humorado Eustácio. Os três habitavam no meio de uma paisagem desértica, cidadela vazia chamada "Lugar Nenhum", e tudo de mais horripilante acontecia neste ermo local. Coragem então se vê sempre incumbido de salvar Muriel e Eustácio dos horrores que os assombram. Enfrenta todos os estranhos monstros, fantasmas e figuras sobrenaturais que surgem em Lugar Nenhum.

Pois bem, tinha eu muito medo desse desenho. Não por menos: Era apavorante, tétrico, de um colorido sufocante, transmitindo em todas as suas cenas a angústia da solidão e contando ainda com uma horda de seres verdadeiramente assustadores! Que criança não temeria?
Entretanto, relembrando essa emoção agora, chego até a sorrir... Porque a história de Coragem, hoje, para mim, vai além do medo que me imprimia antigamente. Agora percebo a arte, a técnica por trás dessa animação, e vejo que Covarde, na verdade, não é covarde. Pelo contrário: Por amor a Muriel, enfrenta todos os monstros, salvando a ela e a Eustácio, ainda que o velho o trate tão mal.

Quem dera nossos medos de hoje fossem como esses medos infantis, não é mesmo? Neles havia uma beleza dolorosa tão doce... Agora conseguimos compreender e dimensionar a maioria de nossos terrores pueris, até mesmo rir deles, lembrando como, ao final de tudo, era mais fácil enfrentá-los naquela idade do que enfrentar atualmente esses nossos novos medos. Eu, por exemplo, que temia tanto o tal desenho, acabava sempre assistindo-o, enfrentando o horror em cores. Assim, fomos todos, quando crianças, corajosos cães covardes... 

E hoje, o que somos? O que mudou? Aonde escondemos nossa confiança? Vamos sobreviver, apesar dos pavores? Tudo é tão petrificante... Tenho medo de viver, medo de morrer, medo de ser, medo de não ser, medo de falar, medo de não falar... Deixo-vos, por fim, com essa reflexão. E com a saudade do tempo em que, apesar de tão pequenos, frágeis e chorosos, enfrentávamos o medonho com uma dignidade que já agora não mais conhecemos.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

ARTIGO DO GATO - Amapá no protagonismo

 Amapá no protagonismo Por Roberto Gato  Desde sua criação em 1988, o Amapá nunca esteve tão bem colocado no cenário político nacional. Arri...