quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Artigo do Gato - Uma viagem telúrica por Macapá


Um menino, magro, descalço e sem camisa. No corpo esquálido apenas um short roto encobria sua genitália. Caminhava taciturno pelos caminhos da Favela. Um caminhar sem rumo, sem prumo e incerto. Ao longe e em certa época troar de canhões vindas das bandas do rio. Em outro tempo um tamborim frenético animava os rebolados das morenas. O surdo do Pelé fazia a marcação do ritmo da verde e rosa. Vagalume equilibrava a garrafa na cabeça enquanto sambava garantido o ritmo do samba.

Pelas ruas de piçarra aqui acolá um igarapé a entrecortava. No pequeno espaço plano uma bola rola de pé em pé. Atrás dela ruidosos meninos corriam em busca do gol. Talvez sem se perceber que gol era a vida, o futuro.

Tudo era perto, todo mundo se conhecia, todo mundo se respeitava e a se ajudava. Seu Bio, Mucura, Luciano, D. Sicinanda, Minervina, seu Vavá e o Bernardo que fazia o pão. A cidade era pequena, e nos dava a falsa sensação de bem organizada. Qual nada! Quem lhe administrava não lembrava que aquela menina ia se transformar numa senhora.

Cresceu a menina morena que lavava os pés no Amazonas sentada no arrimo do Quebra Mar. Com os cabelos esvoaçantes fitava o horizonte e uma densa nuvem negra se formava anunciando temporal. Tudo faz sentido no  lugar da chuva, Amapá, da tempestade que se apresentava naquele horizonte insípido, inodoro, quem tempera o sabor deste fausto chão?

O garoto correu para o tempo que lhe tragou de um sorvo a juventude. Deu-lhe pela química humana a lentidão. Roubou-lhe a velocidade, tirou sem dor o sorriso inocente para lhe entregar uma carranca sorumbática. Tirou-lhe a inocência e deu-lhe a malícia e, por fim, a utopia para lhe mostrar a cara cruel da vida, assim como ela o é. Nua e crua. Carcará sanguinolento, que pega, mata e come as esperanças dos garotos da estancia das bacabas. Macapaba do Arraial do largo dos inocentes onde tudo começou.

Ah! Mais como é veloz o tempo, pensou o homem. Ontem, ontem Francisco Xavier de Mendonça Furtado vinha em destacamento militar fundar Macapá. Proteger porções daqueles  que se apossaram do que já tinha donos. Tucujú subtraídos.

Quando menino, os olhos remelentos e, a fome insaciável, o fazia correr pelos cajueiros e mangueiras públicas e sem domínios. O pomar das ruas saciava a fome que impertinente se anunciava em estrondosos roncos vindos das entranhas, avisando que criança come. A brincadeira... Deus dava ao léo. Criança brinca, afinal, pois é tempo de ser irresponsável e viver sem relógio e sem compromisso de hora marcada. Mas criança estuda e envelhece. Isso os governantes esqueceram.

Bem! Hoje mais um ano se vai. 255 para ser cronológico. Subjetivo é dizer se é muito ou pouco para uma sociedade amadurecer. Algumas, no centro do Brasil, amadureceram com menos idade. Aqui, no Quebrar Mar a menina esqueceu-se de levantar. Gostou do vento que enxuga o rosto molhados com as rajadas de água que se atiravam frenéticas no muro e se esparramavam na calçada. Ela se virava para proteger seus belos cabelos negros, longos que caiam nas cadeiras. Abriu os olhos e viu que a cidade espichou. Andou e sentiu um peso em seus ombros. As ruas mal asfaltadas e cheias de buraco. Viu pessoas gemendo de dor por falta de saúde e meninos como ela, caminhavam cabisbaixos e tristes algemadas e sendo conduzidas para confinamento. Meninas morenas de cabelos longos não sorriam, apenas piscavam e faziam caras e bocas e se insinuavam aos homens. Trajavam minissaias e sapatos altos. Vendiam a alma, o corpo, e, o futuro.

O menino não conseguiu mais chutar a bola, pois não tinha mais bola de borracha. Em seu lugar foi colocada uma "muca" de maconha para ele fumar e traficar.

O trem não faz piuí puí, mas by by riqueza de vocês. Nós todos na estação a acenar inertes e sem atitudes. Apenas testemunhas do saque autorizado por eles.

As sirenes intermitentes, com luzes piscando e homens de preto, encapuçados e com armas nas mãos prendem homens que desviam, saqueiam o que era da bola de borracha, do caderno e do lápis. Então fica claro entender as filas em busca de saúde e os gemidos de vergonha e dor daquelas vítimas da democracia representativa mal representada por pessoas descompromissadas.

Estamos presos na margem esquerda do rio mar. Presos pelo tempo que passou e pouco deixou. Somos prisioneiros do atraso. Passageiros da agonia que caminham entre a descrença e a crença de que um dia vamos comer 50 metros de bolo na Confraria Tucujú com razões verdadeiras e altaneiras para abraçar a Zaide, o Munhoz, Nilson Montoril, a Telma Duarte, o Pereira o J. Ney, o Gilberto Pinheiro, a Zoraide e que tais para gritar a plenos pulmões. Que somos felizes e sabíamos. Deus foi generoso, apesar da crueldade daqueles que se arvoraram a administrá-la com um olhar introspecto.

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