sexta-feira, 29 de março de 2013


ACESSIBILIDADE
O difícil cotidiano das pessoas com necessidades especiais


Thais Pucci
Da Reportagem

Segundo dados do Censo 2010 (IBGE), o Brasil possui mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Apesar de existir a lei de acessibilidade, como é conhecido o decreto lei 5296 de 2 de dezembro de 2004, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade, poucas mudanças significativas foram observadas nos doze anos que se passaram após sua publicação. A dificuldade para o ir e vir, direito constitucional estendido a todos os cidadãos, é frequentemente vivenciada por muitos brasileiros.
Essa é uma das queixas do macapaense Alieneu Pinheiro, que tem 38 anos, e desde 1 ano e 9 meses de idade, quando contraiu a poliomelite ou paralisia infantil, convive com dificuldades como a adaptação de espaços e a locomoção. Na década de 70, não havia o conhecimento que se tem hoje na área médica com relação à prevenção da poliomelite, por esse motivo o diagnóstico de malária confundiu os médicos. A doença resultou na atrofia dos membros inferiores e na necessidade de se adaptar à nova vida. “O ser humano consegue se adaptar ao meio que vive. Depois do tratamento eu tive que reaprender a caminhar novamente, engatinhando, como me locomovo até hoje”. À época, Alieneu havia acabado de aprender a andar. “Consigo fazer tudo, muitas vezes até passo daquilo que é imposto como limite pelas outras pessoas. Me considero uma pessoa de sorte pois não dependo de ninguém para sair da minha cadeira adaptada e ir para a cama ou cadeira”.

Depois de enfrentar muitos problemas para se deslocar na cidade, ele e um amigo, dono de uma oficina, adaptaram uma cadeira de rodas e a transformaram em um triciclo, depois de muitos protótipos. Hoje, o triciclo adaptado é o seu meio de locomoção nas ruas da cidade. O principal meio de transporte em Macapá são as motos, que não podem ser usadas por ele, e o ônibus, porém é raro encontrar algum adaptado. Com o triciclo, Alieneu divide espaço nas ruas com motos, carros e bicicletas, pois é impossível seguir pela calçada. “Pessoas que tem deficiência física não conseguem transitar nas calçadas da capital. Por curiosidade, eu tentei fazer um trajeto para ver até onde conseguiria chegar. Iniciei pelo lado direito da Rua Leopoldo Machado, mas só consegui andar uma quadra, pois não tinha rampa para continuar. Algumas vezes o problema não são as rampas, mas sem fiscalização, carros estacionam em frente a rampa” colocou ele.

O Decreto lei 5.296/04 estabelece que todos os municípios brasileiros implantem as condições necessárias para a plena acessibilidade no transporte público até dezembro de 2014. Avaliando os investimentos em transporte público realizados nos últimos anos, nota-se poucos avanços nesse sentido. “Já foram criadas diversas leis, o que falta mesmo é colocá-las em prática”. 

Nem os órgãos públicos estão preparados para receber pessoas com necessidades especiais. Exemplo disso foi a situação embaraçosa que ocorreu na Câmara dos Vereadores, quando da aprovação do projeto de lei que regia a acessibilidade municipal. Os representantes das diferentes associações de deficientes estavam presentes, porém, não havia um intérprete com conhecimento na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), dificultando com isso a interação da presidente da associação dos deficientes auditivos. A sinalização, o acesso por rampas, a disponibilidade de intérpretes habilitados em LIBRAS, informações em Braille, piso tátil e a adequação do mobiliário urbano, compõem uma pequena amostra de condutas que permitiriam o acesso e inclusão destas pessoas na sociedade. Encontram-se em andamento algumas obras e serviços de adequação do espaço urbano e dos edifícios públicos, visando eliminar os obstáculos existentes, mas essas ações ainda são pouco percebidas pela parcela da polução que mais necessita dessas modificações.

Ir ao banco, uma simples atividade cotidiana, era uma tarefa árdua para Alieneu. Sua agência bancária possuia apenas um caixa eletrônico especial, mas se precisasse ir a um guichê teria a missão de subir ao segundo andar do prédio, sem elevador. Depois de procurar a Justiça e anexar seu processo ao de mais três pessoas que passaram por situações semelhantes, conseguindo que um elevador fosse instalado na agência. “Quero ter meu direito de cidadão e ser atendido como uma pessoa normal! Fiz o meu direito valer”, reivindicou ele. 

“A saída é fazer com que as leis se cumpram e as associações nos representem com ações coletivas, onde a resposta é mais rápida e eficaz”.
Outra colocação de Alieneu diz respeito à formação e inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A falta de profissionais qualificados, ou até mesmo com ensino superior nesta parcela da população é muito grande, não só por todas as dificuldades enfrentadas no deslocamento até o local de ensino, mas também porque muitos se acomodam programas oferecidos pelo governo, como o benefício do INSS, no valor de um salário mínimo para aqueles incapacitados de trabalhar. “Uma vez, ajudei na divulgação de mais de cem vagas para deficientes físicos na Delegacia do Trabalho, e apenas três pessoas qualificadas apareceram para a seleção. Acho que o Governo Federal deveria criar um sistema de qualificação, com cursos de capacitação, livros didáticos, bolsa de estudos e oferecer estrutura de transporte e salas de aula adaptadas para os alunos com necessidades especiais” sugere.
Alieneu sabe da importância de um curso superior e das dificuldades encontradas para sua realização. Na época em que cursava a faculdade, ele trabalhava de manhã no Posto de Saúde, no Beirol, almoçava em casa, trabalhava na faculdade a tarde, para pagar a meia bolsa oferecida, e durante a noite assistia às aulas. “Muitas vezes pensei em desistir, mas a vontade de ser alguém e ter um diploma era maior. Não queria ser conhecido como o Alieneu da cadeira de rodas, queria ter uma formação atrelada ao meu nome”. Hoje ele é formado em comunicação social, com habilitação em jornalismo pela CEAP/SEAMA, e é assessor de imprensa da Secretaria de Estado de Saúde do Amapá. Além disso, está na oitava aula da única auto-escola que oferece cursos de condutor para pessoas com necessidades especiais de Macapá. Na inscrição do curso, ainda teve que pagar uma taxa extra.

Situações como as descritas acima, provam que pouca coisa foi feita em prol dos deficientes no que concerne a acessibilidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, os fatores ambientais têm impacto direto na funcionalidade das pessoas com deficiências, podendo potencializar as dificuldades para a locomoção, interação e participação na sociedade. A implementação da legislação brasileira vigente sobre a acessibilidade poderia proporcionar a inclusão de milhares de brasileiros, e com isso, diminuiria muitos dos obstáculos encontrados por Alieneu.

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