Saúde no Estado do Amapá
Diagnóstico do Caos
Roberto Gato
Da Editoria
A secretaria de Estado da Saúde parece um órgão fadado a acabar com reputações e competências. Foram poucos os secretários que ocuparam aquela pasta e não saíram presos ou com o rótulo de corrupto e incompetente. A pergunta que o leitor deve estar se fazendo é: Será que os gestores que assumem a SESA têm autonomia para trabalhar ou a SESA é um feudo do governador de plantão?
Se nas administrações de João Capiberibe e Waldez a história não foi bem assim, na administração do governador Camilo Capiberibe a situação é esta. A prova foi a passagem relâmpago do delegado de polícia Sávio Pinto no cargo de subsecretário. Ele não passou uma semana. Após apresentar um relatório com os gargalos da secretaria e as pessoas que contribuíam diretamente para a corrupção, sua permanência no cargo ficou insustentável e não deu outra. Numa tentativa velada de lhe quebrar a crista, o governador ignorou o relatório e negou as exigências de Sávio, que nada mais tinha do que carta branca para moralizar a saúde, que no Amapá é caso pra ele, que é polícia.
Há poucos dias, o povo amapaense foi mais uma vez surpreendido com nova operação da Polícia Civil, que terminou expondo mais um escândalo na Secretaria de Estado da Saúde. Como resultado, partiu-se direto ao indiciamento do ex-Secretário de Estado da Saúde, Edilson Afonso Mendes Pereira, acompanhado do então Secretário Adjunto Robério Monteiro de Souza e mais 10 servidores daquela secretaria, tudo em relação aos fortes indícios da prática criminosa de fraude em licitações, prevaricação, advocacia administrativa e outros crimes de responsabilidade e improbidade administrativa. De todos os nomeados ao chamado "primeiro escalão" da saúde, pelo Governador Camilo Capiberibe, somente o então secretário Lineu Facundes escapou do indiciamento por manter, à época, prerrogativa de foro privilegiado em relação à função pública que exerc ia. Porém, Lineu também não mandava, era uma verdadeira “rainha da Inglaterra”. Tanto, que em off Lineu confessou que, após despachar com Egídio e Alexandre, o primeiro do financeiro e o outro da CPL, ambos rumavam para o Palácio do Governo para repassar as decisões do “secretário.” A figura do “rasputim” que habitava sala no palácio, mesmo sem ter cargo à época, desfazia a ordem do gestor e dava contra ordem, a qual era obedecida com fidelidade canina.
Esse foi somente mais um capítulo da gigantesca e histórica coleção de irregularidades da gestão Capiberibe, que vem a passos largos, decretando a falência institucional da saúde pública no Estado do Amapá. A falta de leitos e medicamentos, do mais simples ao mais complexo, soma-se agora ao já conhecido "calote institucional", materializado na negativa de pagamento aos colaboradores e prestadores de serviços, resultando em sucessivas greves dos trabalhadores lotados nos hospitais do estado, assim como na interrupção do fornecimento de medicamentos, alimentação dos pacientes e seus respectivos acompanhantes e abastecimento de material médico-cirúrgico.
Como resultado, o Caos. Higienização hospitalar seriamente comprometida, falta de alimentação aos enfermos, inexistência de equipamentos básicos como agulhas, seringas e luvas cirúrgicas, maquinário médico de exames sucateados refletindo a pouca ou nenhuma preocupação do Governo do Estado com a parcela mais carente e necessitada do povo amapaense.
ONDE ESTÁ O
DINHEIRO?
A falta de interesse do governo Camilo com a saúde pública do Amapá pode ser facilmente comprovada pelo catastrófico tratamento deste, com seus colaboradores e prestadores de serviços terceirizados. Dos tidos como essenciais à manutenção de qualquer sistema de saúde pública estão: Amapá Comércio e Serviços Ltda. (desinfecção e higienização hospitalar), Perfil (maqueiro e administrativo), White Martins (oxigênio e nitrogênio), Mecom (Alimentos), Alfa (medicamentos), entre outros que estão completando cinco meses sem receber um único centavo do Estado pelos serviços prestados ou material fornecidos. Fato que certamente levará as empresas à falência, agravando o já maculado estado de calamidade pelo qual passa a saúde do Amapá.
Em linha oposta, têm-se notícia do amigável pagamento, por TAC (Termo de Ajuste de Contas), de quantia superior a R$ 5 milhões às empresas Bravha Serviços Ltda e Bernacom Ltda. Tudo feito pela Secretaria de Estado da Saúde e feito sem licitação pública ou contrato administrativo. Alguns deles em descumprimento a inúmeras determinações judiciais. As "queridinhas do Capi", como são chamadas e conhecidas as duas empresas, detém parcela considerável na prestação de serviços ao Estado do Amapá em diversas Secretarias. Contudo, salta aos olhos que nenhuma das duas empresas foram vencedoras de qualquer processo de licitação pública, mantendo prestação de serviços milionários ao Estado em contratos emergenciais ou simplesmente sem cobertura contratual. Dinheiro vivo escoando pelos ralos da ilegalidade e da imoralidade.
POSTOS FANTASMAS
O mais curioso, no entanto, são os lançamentos executados pela empresa Bernacom Ltda junto do CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. É que, em referido cadastro, as empresas são obrigadas a fornecer à União, mês a mês, o número de contratos formais de trabalho e o número de trabalhadores ativos e inativos constantes do quadro funcional para previsão e cálculo dos encargos fiscais, para fiscais e previdenciários.
Assim, consta na Certidão do CAGED da empresa Bernacom Ltda, em dezembro de 2012 e janeiro de 2013, a exemplo, o total de 264 funcionários cadastrados.
Contudo, no mês em questão, a empresa prestou e recebeu pelos serviços à Secretaria de Estado da Saúde em 283 postos de trabalho. O total levanta fortes indícios de postos fantasmas, já que o número é superior aos contratos de trabalho existentes e declarados pela própria Bernacom ao CAGED, isso sem considerar no cálculo, a manutenção da prestação de serviços em outras secretarias, ao Município de Macapá e à Superintendência da Polícia Federal, por exemplo.
O Jornal Tribuna Amapaense procurou o setor responsável na Secretaria de Estado da Saúde, pelo pagamento às empresas terceirizadas na tentativa de verificar a regularidade da empresa Bernacom Ltda referente aos contratos de trabalho ativos e a respectiva ocupação dos postos a ela designados pela secretaria, na finalidade de obter respostas às denúncias de inexistência dos contratos de trabalho ou contratação irregular de empregados, porém, não obteve êxito no acesso às informações até o momento. Muito mais, existe de denúncias formalizadas junto à SESA, pela Empresa Amapá Comércio e Serviços Ltda. datada de 25/03/2013, onde se questiona o então Secretário de Estado da Saúde, Lineu Facundes, sobre a contradição entre o número de funcionários da Empresa Bernacom Ltda e o número de postos de trabalho por ela assumidos na Secretaria de Estado da Saúde, levando ao entendimento de que o Estado do Amapá era detentor da informação relativa à irregularidade da prestação de serviços da empresa Bernacom e nada fez até o momento.
FRAUDE À LICITAÇÃO E IRREGULAR PROTEÇÃO INSTITUCIONAL
Os escândalos relacionados à Secretaria de Estado da Saúde e as empresas Bernacom Ltda e Bravha Serviços Ltda não param por aí, chegando inclusive às portas do Superior Tribunal de Justiça. Em Agosto de 2011, ela e a Bravha participaram da tomada de preços para prestar serviços à Secretaria de Estado da Saúde, nos serviços de desinfecção e higienização hospitalar, com fornecimento de materiais e utensílios em geral. Contudo, foi a empresa Amapá Comércio e Serviços Ltda que, contrariando os interesses do Governo Camilo, ofertou o menor preço no certame, e deveria ser proclamada vencedora. Porém, ao arrepio de tudo o que se conhece de Direito Administrativo, a empresa Bernacom Ltda e a Bravha Serviços Ltda, com o consentimento e aval da Secretaria de Estado da Saúde fraudou o referido procedimento sendo declaradas vencedoras da tomada de preços. A empresa Amapá Comércio e Serviços Ltda impetrou ação de mandado de segurança, desmascarando a fraude e conquistando o direito, pelos braços da Justiça a permanecer na prestação dos serviços à Secretaria de Estado da Saúde, direito este reconhecido e referendado pelo Superior Tribunal de Justiça, em decisão já transitada em julgado. O processo é o de número 0000182-11.2012.8.03.00-00, do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá e 2012/0086791-4 do STJ.
Causa estranheza a conduta empenhada pelo Estado do Amapá na defesa os interesses das Empresas Bernacom Ltda e Bravha Serviços Ltda. em todos os tribunais por onde passaram os processos referentes ao contrato de limpeza da Secretaria de Estado da Saúde, inclusive prestando o Estado do Amapá, através da Procuradoria Geral do Estado, informações falsas ao Superior Tribunal de Justiça nos autos da Suspensão de Segurança nº. 2012/0086791-4, induzindo ao erro e obrigando o Ministro Ari Pargendler a revogar liminar concedida em favor do Estado do Amapá e determinar a manutenção da empresa Amapá Comércio e Serviços Ltda. Na prestação dos serviços.
Contudo, mesmo diante de duas decisões judiciais que não só determinaram a manutenção da Amapá Serviços no contrato de limpeza junto a SESA como também proibiu a contratação pela Secretaria de Estado da Saúde, das empresas Bravha Serviços Ltda e Bernacom Ltda. O Estado do Amapá, em total desrespeito à ordem judicial, manteve referidas empresas no contrato, forçando o protocolo da Reclamação por Descumprimento de Ordem Judicial nº. 0000218-19.2013.8.03.0000, onde foi determinado pelo Desembargador Gilberto Pinheiro o imediato cumprimento da ordem judicial, sob pena de multa diária no valor de R$ 50 mil e incidência no crime de prevaricação. Somente após essa última decisão, foi que a Amapá Comércio e Serviços Ltda. conseguiu assumir os postos de trabalho legalmente conquistados à mesa de licitação.
A proteção do governo Camilo às empresas Bernacom Ltda. e Bravha Serviços Ltda parece ser irremediável e beira o absurdo. Ao que tudo indica, ambas mantém vultuosos e milionários contratos com o Governo do Estado, todos sem licitação, maquiados por emergências que não existem ou mesmo por meio de contratação direta, contrariando as previsões contidas na Lei Federal nº 8.666/93 (Leide Licitações e Contratos Administrativos), fatos estes, inclusive, levantados junto ao Poder judiciário e já declarados como verdadeiros.
A INÉRCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O REGIME DO MEDO
Quando se trata de saúde pública, trata-se de vida e a vida corresponde ao direito mais sagrado do ser humano. A proteção à vida e à qualidade de vida é a razão da existência do Estado Democrático. Quando o Poder Público não respeita a vida, começa-se a ruir os pilares da democracia, nascedouro fértil às imposições totalitárias, à anarquia e a instauração do regime do medo. Contra esse papel manchado de sangue inocente, deveria o Ministério Público, como fiscal da fiel aplicação da lei, fortemente intervir na vergonha que se apresenta a saúde pública do Estado do Amapá. Contudo, o que leigamente se observa, é a total inércia ministerial quando o assunto é o Governo do Estado e quando o ator principal é o Governador Camilo Góes Capiberibe. Não é possível que o Ministério Público não consiga enxergar o estado de falência da saúde pública, assim como as irregularidades praticadas com o dinheiro público na gestão do atual Governador. Não é possível que o Ministério Público não enxergue todas as fraudes à licitação como as praticadas pela empresa Bernacom Ltda, inclusive com consentimento de secretários e aval do Governo do Estado, como alertado até pelo Superior Tribunal de Justiça.
Quando falamos de inércia, falamos com respaldo em vastos documentos da CPI da Saúde instalada no âmbito da Assembleia Legislativa e que, até o momento, não se tem conhecimento ao menos da requisição, pelo Ministério Público, de referidos documentos para investigação. São inúmeras as denúncias protocoladas no próprio Ministério Público e que, até onde se sabe, não foram levadas à frente.
Todos os dias a sociedade amapaense é surpreendida por movimentos paredistas em um dos setores da Secretaria de Estado da Saúde. Para-se a FAB, grita-se em carros-som, tagarelam palavras de ordem, mas todos se esquecem que estão lidando com vida. Quando o Estado desvia recursos que seriam destinados ao subsídio da Saúde, matam-se pessoas. Quando o Estado participa, ativa ou passivamente, de fraudes em processos de licitação na Secretaria de Estado da Saúde, tentando direcioná-la, matam-se pessoas. Quando o Estado deixa de pagar as terceirizadas impondo rituais burocráticos com o intuito de falir empresas, estas deixam a desejar na prestação de serviços e pessoas morrem de infecção hospitalar, por falta de medicamentos ou mesmo sem atendimento adequado. Tudo, enfim, converge ao nebuloso caminho da morte previamente anunciada já na entrada dos hospitais públicos sucateados. Morte de pessoas inocentes que não escolheram estar ali, mas, que pelo destino e por condições econômicas, não puderam escolher outro lugar para viver ou morrer. Este é o diagnóstico do caos da Saúde Pública do Estado do Amapá.
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