Tortas
da imaturidade
Na
lanchonete, olhava o cardápio por sobre os óculos, com a idade sua visão não
era mais a mesma. Escolha difícil. Muitas opções, uma mais gostosa que a outra.
Havia comido um sanduíche e sorvido um refrigerante, agora pretendia um doce. Decidiu-se por uma torta de maçã que chegou
fumegando. Em meio ao vapor, um odor maravilhoso subiu e invadiu-lhe as
narinas. Não titubeou, levou o doce à boca de imediato antevendo o prazer do
paladar. A mordida, entretanto, revelou não o sabor, mas a temperatura do
quitute. Dor lancinante. Queimada a boca, decidiu-se por processar a empresa. Um
absurdo que lhe entregassem um alimento recém-saído do forno! Deveria haver
pelo menos um aviso de cuidado!
Um
adulto que não consegue discernir sobre a temperatura adequada para colocar ou
não um alimento na boca. Um pequeno acidente de trânsito em que os envolvidos
não são capazes de, em uma conversa rápida, definir quem é o culpado e a quem
cabe o ônus. Um tropeção no comércio, em período como natal ou dia das mães,
que resulta em agressão porque não se é capaz de se solicitar ou aceitar um
pedido de desculpas. Pessoas que não conseguem resolver nada com o mínimo de
maturidade qualquer que seja o momento ou a situação.
Parece
que, como sociedade, estamos esquecendo o que é ser adultos. Vivemos uma
síndrome de Peter Pan. Somos socialmente imaturos, irresponsáveis e nos
recusamos a envelhecer. Optamos por não resolver os problemas que se nos
apresentam. Empurramo-los para outra esfera, nesse caso a judicial. Tudo passa
a ser resolvido na justiça. Somos uma sociedade extremamente lastreada em
decisões jurídicas. Furtamo-nos de pensar, negamo-nos a decidir, deixamos tudo
para que a justiça diga qual o caminho a ser seguido, quem está certo, quem
está errado, quem deve arcar com os ônus ou bônus de cada situação.
Assumirmo-nos
infantis, entregando a outros a capacidade de decisão, nos destrói enquanto
sociedade. Esgarçamos o tecido social ao fazermos definhar os relacionamentos. Numa
comunidade de Peter Pan, o outro não é adulto, não sabe decidir, não é sequer
um sujeito que eu considere capaz de estabelecer uma discussão onde se teçam
arrazoados e se possa chegar a conclusões respeitando o posicionamento do
outro. Então, recorremos todos como crianças, muito pequenas, que fique bem
claro, a uma esfera que possa nos dizer o que fazer e para onde ir.
O
avanço deste modelo invade todas as esferas de nossas vidas. Estamos levando as
interferências dos tribunais para as relações familiares. Talvez por isso, os
juízes passem a ser vistos como seres dotados de um discernimento espetacular.
Mas são seres humanos, como todos nós. Muitas vezes com mais defeitos e dúvidas
que a maioria de nós, mas os endeusamos porque insistimos em ser Peter Pan. Agarramo-nos
ao desejo de ver nos outros o Capitão Gancho, o mal absoluto. Adotamos uma
visão maniqueísta para mantermo-nos congelados em nossa idade infantil e
irreverentemente entregarmos a necessidade de tomar decisões aos outros.
É
preciso que, como sociedade, recuperemos nossa capacidade de discernimento, que
cresçamos, saiamos da Terra do Nunca, alcancemos a maturidade e assumamos a
responsabilidade por nossos atos. Devemos praticar como exercício cotidiano,
encarar o outro como sujeito, respeitá-lo, entender suas razões e, mesmo discordando
delas, defender o direito do outro de apresentá-las. Se não o fizermos,
ficaremos todos na lanchonete da vida com as bocas queimadas pelas tortas da
imaturidade.
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