Receituário de sobrevivência à vida
Não se engane não, a vida não é fácil. Há, de
fato, gente que tem uma porção de vida vazando pelos bolsos, mas não se dá
conta. É gente que existe, sem ser. Só vive mesmo quem sabe sobreviver à vida
(ela tantas vezes bandida!...).
Apesar de serem poucos os que aprenderam a domá-la,
a receita para o sucesso da experiência é relativamente simples. Enquanto se
aprimora nos ensinamentos aqui contidos, guarde esta crônica, manual de
sobrevivência, como se fosse o receituário do seu médico mais confiável. Depois
dela, você já não precisará de quaisquer remédios - sua não vivência está
prestes a ser sarada.
Quem sobrevive à vida não é aquele que sempre
traz um Band-Aid no bolso, para o caso do sapato fazer calo, mas sim quem não
tem medo de correr descalço, se o tamanco apertar. Sobrevive à vida quem
agradece ao motorista do ônibus, mesmo não recebendo sequer um aceno em troca.
Sobrevive à vida quem não mede seus adjetivos, quem os distribui sem
parcimônia, gasta seu belo ou feio latim enquanto há tempo, enquanto há vida,
enquanto há o que dizer. Sobrevive à vida quem se casa com suas paixões.
Sobrevive à vida quem deseja como carreira os sonhos mais loucos... Sobrevivem
à vida os que riem das próprias garfes, e usam óculos escuros à noite, sem
medo, porque deu vontade.
A vida é dos que suprimem algumas vírgulas e
por que não? A vida é dos que fazem música e fazem filme e fazem espetáculo da
própria vida. Mas a vida é também dos que choram. Dos que se molham de lágrimas
de tudo. Dos que lamentam a maldade, lamentam de verdade, e também a violência,
e a indiferença, e a crueldade... A vida é de quem pensa a respeito de si e do
outro.
A vida não é de quem vive a novela - a vida é
de quem reinventa, reformula, repensam os próprios dramas, não os da tela. A
vida é feita para se aprender a nadar, a andar de bicicleta, a subir em árvore,
a comer manga do pé. E só sobrevive à vida quem esfola o joelho, quem suja as
mãos na tinta, quem mergulha os pés na lama. A vida é também feita de doces
transgressões: comer meleca, roer a unha do pé, fazer xixi na piscina, cortar o
próprio cabelo, espiar atrás da porta em que diz "apenas
funcionários"...
E sempre é tempo, enquanto há tempo, de se
aprender a sobreviver à vida. Com loucura, com alegria. Sobreviver à vida é
fazer limonada com o limão de agora. É pensar "como posso melhorar isso
daqui?", se você, por exemplo, estiver preso no elevador com flatulentos
suspeitos. Há sempre chance e sempre lugar de treinar a sobrevivência. E,
depois de aprender, jogue fora todos os receituários, inclusive este, e vá. Mas
que se deixar vivo, sobreviva com maestria. O deixar-se viver pode ser duro,
mas pode ser bom. Comece a caminhada pensando no seguinte: a vida é daquele que
não espera o feriado para se fizer feliz.

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