A esteira na linha de produção movimenta-se ao ritmo do vapor. As peças chegam uma após outra interminavelmente. A velocidade é estonteante e o trabalhador busca avidamente ajustar-se a ela. Aperta as peças com a ferramenta que lhe cabe. Mal termina o movimento e outra peça já se oferece. O corpo esgota-se rapidamente. Apesar do cansaço, o trabalhador aperta a próxima peça. Segue assim, até que sai a repetir incontrolavelmente os movimentos, mesmo distante da esteira. A loucura é tanta que perde o equilíbrio e é engolido pela máquina. Prensado, apertado, deslocado pela esteira, o trabalhador vira a própria peça. Ao ser engolido pela máquina, desumaniza-se, pois perde o que havia de humano em si.
Charles Chaplin foi um mago do cinema, muito de seus filmes continuam a entreter e informar gerações. Tempos Modernos, um de seus clássicos, mostra a relação do trabalhador com as empresas da época. Ao fim de buscar resgatar o homem perdido que Chaplin denuncia, alguma legislação de proteção ao trabalhador foi sendo construída em diversas partes do mundo. No Brasil, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), nossa principal legislação trabalhista, completou 70 anos em 1º de maio. O documento assegura em lei, desde então, alguns direitos aos trabalhadores brasileiros. Criada durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, a CLT é passível de várias críticas, e assim tem sido desde antes de sua publicação. Entretanto, embora os trabalhadores ainda estejam pouco protegidos pela legislação trabalhista, as críticas mais duras desferidas contra o documento não vêm destes, mas do empresariado.
O ataque aos direitos trabalhistas têm se intensificado desde que o neoliberalismo se estabeleceu. A CLT é um de seus alvos centrais, pois o principal interesse é conformar a legislação aos interesses das empresas. Os donos dos meios de produção e seus representantes, via mídia hegemônica, alegam que, em sua forma atual, a CLT está defasada para atender as demandas e necessidades do país e que os direitos assegurados aos trabalhadores são pesados e engessam o desenvolvimento econômico. É importante ressaltar que o discurso por mudança vem envolto em uma áurea imponente e de elevado poder de convencimento. Em geral, traz palavras como modernização, flexibilização, adequação aos tempos modernos para substituir, segundo seus interesses, a arcaica, pesada, defasada e ultrapassada estrutura legal da CLT. Como sempre, busca-se um convencimento ideológico que se apoia na importância semântica das palavras e é utilizado em favor do interesse do empresariado.
O mundo do capital vive da competição. As empresas buscam ampliar seus lucros e isso depreende aumento de eficácia e eficiência. Apesar dos nomes pomposos, uma das formas de se conseguir este desempenho é a redução dos custos de produção. Os encargos trabalhistas estão entre estes custos, assim, é de interesse dos patrões, a partir da lógica da ampliação dos ganhos, aumentar o número de horas trabalhadas, as contratações temporárias e as terceirizações, estender o banco de horas, não pagar hora-extra, não conceder férias e, caso essas existam, que não sejam remuneradas. Alterar assim a relação com os trabalhadores permitiria maiores lucros, satisfazendo as demandas competitivas do mundo capitalista moderno.
Dentre as alternativas apresentadas no discurso de ajuste aos tempos modernos, configura-se a flexibilização de direitos na forma do Acordo Coletivo Especial (ACE) que prevê a soberania do acordado sobre o legislado. Em resumo, significa que direitos e benefícios estabelecidos em lei como férias e 13º salário poderão ser livremente alterados a partir de um acordo entre patrões e empregados. O ACE é um instrumento que se adequa em assegurar boa parte dos interesses de redução de custos com a produção ao passar por cima da legislação trabalhista vigente. Na prática, o patrão, convocará os empregados, alegará a necessidade de redução de custos para continuar funcionando e solicitará aos funcionários que abram mão de direitos. Caso a solicitação seja aceita e o acordo firmado, os direitos não poderão ser exigidos na justiça, pois a partir do ACE o acordado vale sobre o legislado. As leis trabalhistas brasileiras serão letra morta, não valerão nada e não será possível recorrer à justiça do trabalho. O ACE, portanto, representa na prática a incineração das leis que defendem o trabalhador brasileiro.
Alguns alegam que o ACE pode ser interessante dependendo do poder de negociação. Entretanto, é bom lembrar que não há cessão por parte do patrão, apenas do trabalhador. Os acordos nunca envolvem abertura ou ampliação da participação nos lucros da empresa para os funcionários. As opções sempre se restringem a elementos como banco de horas, redução salarial ou demissão. Aceitar a implantação do ACE e perder os direitos trabalhistas já conquistados não é uma opção. Os trabalhadores devemos resistir e combater este instrumento. Qualquer outra atitude, significa assumir que o ser humano em nós não existe mais, que nossa humanidade foi engolida como nos Tempos Modernos de Chaplin.
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