sexta-feira, 23 de agosto de 2013



Mais médicos
Após sua popularidade entrar em queda livre, a presidente Dilma decidiu não acreditar nas campanhas publicitárias de seu próprio governo e conseguiu perceber que havia algo errado com o Brasil. A ruptura com a inércia ocorreu e a presidente realizou uma anamnese para entender o que colocava em risco sua reeleição. Os sintomas, expressos na forma de manifestações de rua e palavras de ordem ecoadas em todos os recantos do país, mostraram claramente que o Brasil se encontrava debilitado e que era preciso fazer algo nas áreas de: saúde, educação, segurança, infraestrutura, direitos trabalhistas, seguridade social, mobilidade urbana, distribuição de renda... Os problemas, de fato, são muitos e, enquanto nossa economia, cujos avanços são alardeados, beneficia apenas um pequeno grupo, a maioria do povo sofre e agoniza em sua doença.
Segundo a prescrição da presidente, os problemas se resolvem apenas com mais profissionais. Então, para a saúde “mais médicos”, para a educação, “mais professores” e “mais mais” para o que mais for necessário. O reducionismo simplista apresentado na visão do governo é tão absurdo que chega a ser ofensivo. Sim, faltam médicos em algumas localidades como nas periferias das grandes capitais e nos rincões interioranos do país, mas não é só isso! Primeiro, a proposta salarial rebaixada apresentada pelo governo não servirá para manter estes profissionais onde mais se precisa. Proposta rebaixada? Dez mil reais é pouco? Sim, é! Se em 20 dias do mês o médico conseguir 10 consultas por dia e cobrar 100 reais em cada, ele consegue vinte mil. O dobro do que o governo anuncia pagar, e isso sem incluir os plantões! Mas, mais importante que a questão da remuneração, o profissional, embora essencial, não é suficiente para resolver os problemas.
A crise implantada na saúde é sistêmica e não se resume ao número de médicos. Falta infraestrutura física, mas o governo não fala em construir hospitais nem unidades básicas de saúde nas cidades mais carentes de atendimento médico. Será que os profissionais contratados vão atuar em edifícios imaginários? Esperamos que não, mas provavelmente o atendimento, na maioria dos lugares, será feito em algum arremedo de espaço clínico. Nos locais em que a edificação tenha alguma concretude, e atenda minimamente o que se espera de um ambiente clínico ou hospitalar, surgem outros questionamentos: os prédios estarão reformados e em condição de uso? A manutenção da estrutura hospitalar ou ambulatorial será garantida por meio da disponibilização de recursos? O material básico para os atendimentos será fornecido? A estrutura de diagnóstico, mesmo a mais simples como a dos exames de rotina, estará disponível? Como se resolverá a demanda por exames mais especializados? Àqueles que precisarem, haverá recursos para assegurar o tratamento fora de domicílio? Se prescrita uma terapia, haverá instituições e profissionais disponíveis para realizá-la? Medicamentos populares serão disponibilizados à população? As questões são muitas e, quanto mais pensamos, mais se avolumam. É assustador imaginar que a resposta para as perguntas levantadas se consubstancia sempre pela negativa. Em suma, o “mais médicos” é um engodo para acharmos que o governo quer fazer algo pela população. Assim, esquecemos o quadro mais geral e o governo finge acreditar que os problemas se resolvem com uma canetada, sem analisar o contexto, e sem investir recursos financeiros em volume suficiente.
Minimamente, a solução da carência de médicos passa por ampliação dos investimentos, remuneração atrativa e formação de novos profissionais. A remuneração está longe de ser um estímulo real. A formação de novos médicos esbarra no sucateamento do SUS e no reduzido investimento e número de professores em hospitais universitários, onde um número considerável de acadêmicos de medicina realiza seus estudos. Para piorar o quadro, o governo vem destruindo a capacidade de funcionamento destes hospitais para poder implantar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). É um contrassenso gritante, pois ao mesmo tempo em que implanta o “mais médicos”, o governo destrói a condição das universidades e dos hospitais universitários formarem a nova geração de médicos. Embora tenha aumentado o número de cursos de medicina, o governo o fez sem ampliar adequadamente o número de professores, sem construir ou reformar os hospitais universitários, sem provê-los com infraestrutura adequada.

É óbvio que a prescrição de “mais médicos” da presidente Dilma é insuficiente. Os problemas ficarão evidentes quando o paciente receber prescrições de exames, terapias e medicamentos e se der conta de que o local onde mora não permite que consiga nada disso; quando o médico disser que não pode executar um procedimento porque a infraestrutura é inadequada e não estão disponíveis os materiais necessários; ou quando perceber que ao solicitar recurso para tratamento fora de domicílio, este lhe será negado. No momento em que isto ocorrer, ficará claro que, com o receituário da presidente, a doença não será curada. Ironicamente, com o “mais médicos”, o médico pode até estar lá, mas será necessário mais. 

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