Mais médicos
Após
sua popularidade entrar em queda livre, a presidente Dilma decidiu não
acreditar nas campanhas publicitárias de seu próprio governo e conseguiu
perceber que havia algo errado com o Brasil. A ruptura com a inércia ocorreu e
a presidente realizou uma anamnese para entender o que colocava em risco sua
reeleição. Os sintomas, expressos na forma de manifestações de rua e palavras
de ordem ecoadas em todos os recantos do país, mostraram claramente que o Brasil
se encontrava debilitado e que era preciso fazer algo nas áreas de: saúde,
educação, segurança, infraestrutura, direitos trabalhistas, seguridade social, mobilidade
urbana, distribuição de renda... Os problemas, de fato, são muitos e, enquanto
nossa economia, cujos avanços são alardeados, beneficia apenas um pequeno
grupo, a maioria do povo sofre e agoniza em sua doença.
Segundo
a prescrição da presidente, os problemas se resolvem apenas com mais
profissionais. Então, para a saúde “mais médicos”, para a educação, “mais
professores” e “mais mais” para o que mais for necessário. O reducionismo
simplista apresentado na visão do governo é tão absurdo que chega a ser
ofensivo. Sim, faltam médicos em algumas localidades como nas periferias das
grandes capitais e nos rincões interioranos do país, mas não é só isso!
Primeiro, a proposta salarial rebaixada apresentada pelo governo não servirá
para manter estes profissionais onde mais se precisa. Proposta rebaixada? Dez
mil reais é pouco? Sim, é! Se em 20 dias do mês o médico conseguir 10 consultas
por dia e cobrar 100 reais em cada, ele consegue vinte mil. O dobro do que o
governo anuncia pagar, e isso sem incluir os plantões! Mas, mais importante que
a questão da remuneração, o profissional, embora essencial, não é suficiente
para resolver os problemas.
A
crise implantada na saúde é sistêmica e não se resume ao número de médicos.
Falta infraestrutura física, mas o governo não fala em construir hospitais nem
unidades básicas de saúde nas cidades mais carentes de atendimento médico. Será
que os profissionais contratados vão atuar em edifícios imaginários? Esperamos
que não, mas provavelmente o atendimento, na maioria dos lugares, será feito em
algum arremedo de espaço clínico. Nos locais em que a edificação tenha alguma
concretude, e atenda minimamente o que se espera de um ambiente clínico ou
hospitalar, surgem outros questionamentos: os prédios estarão reformados e em
condição de uso? A manutenção da estrutura hospitalar ou ambulatorial será
garantida por meio da disponibilização de recursos? O material básico para os
atendimentos será fornecido? A estrutura de diagnóstico, mesmo a mais simples
como a dos exames de rotina, estará disponível? Como se resolverá a demanda por
exames mais especializados? Àqueles que precisarem, haverá recursos para
assegurar o tratamento fora de domicílio? Se prescrita uma terapia, haverá
instituições e profissionais disponíveis para realizá-la? Medicamentos
populares serão disponibilizados à população? As questões são muitas e, quanto
mais pensamos, mais se avolumam. É assustador imaginar que a resposta para as
perguntas levantadas se consubstancia sempre pela negativa. Em suma, o “mais
médicos” é um engodo para acharmos que o governo quer fazer algo pela
população. Assim, esquecemos o quadro mais geral e o governo finge acreditar
que os problemas se resolvem com uma canetada, sem analisar o contexto, e sem investir
recursos financeiros em volume suficiente.
Minimamente,
a solução da carência de médicos passa por ampliação dos investimentos, remuneração
atrativa e formação de novos profissionais. A remuneração está longe de ser um
estímulo real. A formação de novos médicos esbarra no sucateamento do SUS e no reduzido
investimento e número de professores em hospitais universitários, onde um
número considerável de acadêmicos de medicina realiza seus estudos. Para piorar
o quadro, o governo vem destruindo a capacidade de funcionamento destes
hospitais para poder implantar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).
É um contrassenso gritante, pois ao mesmo tempo em que implanta o “mais
médicos”, o governo destrói a condição das universidades e dos hospitais
universitários formarem a nova geração de médicos. Embora tenha aumentado o
número de cursos de medicina, o governo o fez sem ampliar adequadamente o
número de professores, sem construir ou reformar os hospitais universitários,
sem provê-los com infraestrutura adequada.
É
óbvio que a prescrição de “mais médicos” da presidente Dilma é insuficiente. Os
problemas ficarão evidentes quando o paciente receber prescrições de exames,
terapias e medicamentos e se der conta de que o local onde mora não permite que
consiga nada disso; quando o médico disser que não pode executar um
procedimento porque a infraestrutura é inadequada e não estão disponíveis os materiais
necessários; ou quando perceber que ao solicitar recurso para tratamento fora
de domicílio, este lhe será negado. No momento em que isto ocorrer, ficará
claro que, com o receituário da presidente, a doença não será curada.
Ironicamente, com o “mais médicos”, o médico pode até estar lá, mas será
necessário mais.
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