Mais professores!
A mãe vê a filha caçula de 8 anos sentada em
um canto. Ensimesmada, olhar distante, parece pensar profundamente em algo
importante. Preocupada, a mãe pergunta: - Algum problema, minha filha? Juliana,
voltando a si, corre em direção à mãe e lhe diz toda contente: - Já sei o que
quero ser quando crescer! Feliz com o alvoroço da filha, a mãe a recebe em um
terno abraço e pergunta: - E o que você vai ser, menina? Ao que Juliana
responde de pronto: - Professora! Antes que a mãe dissesse algo, o filho mais
velho, finalizando o ensino médio e tentando decidir qual curso prestar no
vestibular, grita da sala ao lado: - Essa aí tá doida, mãe! E cai na
gargalhada.
O Ministro da Educação, Aloízio
Mercadante, empolgado com a repercussão e esquecendo os problemas e críticas
apontados no programa “mais médicos”, decidiu implantar o programa “mais
professores”. A política em princípio é a mesma, levar profissionais para locais
onde há carências como os rincões interioranos e as periferias. Mais
especificamente, os alvos seriam os municípios com baixos valores no Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) ou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB). O primeiro índice tem vínculo com a qualidade de vida da população de
uma localidade, o segundo com o fluxo (relação idade/série) e o desempenho dos
estudantes.
Na tentativa de minimizar as
críticas e os impactos negativos da proposta governamental, o ministro apresentou
o programa como um compromisso em fase de desenvolvimento e aberto às
sugestões. Entretanto, os problemas apontados para o “mais médicos” se
perpetuam no “mais professores”. Os governantes, intencionalmente, desconsideram
que a crise é sistêmica e não se resume a presença ou ausência de
profissionais, mas se relaciona com a política empregada na área da educação, a
ínfima remuneração paga aos profissionais, os problemas de infraestrutura, a
ausência de outros profissionais especializados, a política econômica empregada
e a discrepância de condição social existente no país, entre tantas outras
coisas. Há, portanto, todo um contexto mantido sob o tapete para escapar aos
olhos.
O piso salarial dos docentes,
cujo valor alcança ínfimos R$ 1.567,00, não é pago em vários estados e
municípios. Os governantes buscam variadas estratégias, bem como recursos
jurídicos diversos, para se esquivar de desembolsar este montante. Enquanto
isso, enfrentam falta de professores em sala de aula, reclamações de alunos e
pais, bem como descontentamento e manifestações por parte dos docentes. O Conselho
Nacional de Educação afirma haver uma carência de cerca de 300 mil professores
em todo o país, principalmente em disciplinas como matemática, física e
química. Mas com a pífia remuneração paga à docência, os poucos profissionais
que se formam nestas áreas optam por outras profissões. Avançam para locais em
que possam ser melhor remunerados na iniciativa privada ou investem algum
esforço para ingressar por concurso público em outra função. É evidente que,
enquanto salários irrisórios forem pagos aos trabalhadores da educação, a fuga
dos licenciados para outras profissões permanecerá uma constante.
O salário dos profissionais da
educação não é a única questão, mas, se não for levado em conta, alguns
elementos que poderiam ter alguma relevância no programa “mais professores” serão
implodidos no nascedouro. Não adianta distribuir kits de ciências para todos os
alunos e ofertar bolsas de estudo para aqueles que ingressarem na área de
exatas se estes, ao se formar, desconsiderarem a docência como profissão em
razão da desvalorização profissional decorrente da irrisória remuneração. Além
disso, investimento em material didático, formação docente e escolas de turno
integral estão entre as reivindicações dos trabalhadores da educação, mas
demandam recursos e o ministro já disse que a implantação dependerá de
orçamento disponível. Como não há previsão de ampliação dos recursos destinados
à educação, isso significa que embora essas ideias possam ser profícuas, elas
permanecerão no papel.
Atentar para as questões
contextuais revela a necessidade de um aumento substancial de investimento na
educação, por exemplo, dobrar o valor e alcançar de imediato 10% do Produto
Interno Bruto (PIB). Entretanto, aumentar em mais de 5% do PIB os recursos atualmente
investidos na educação significa disponibilizar menos valores para a ciranda
financeira e isso é algo que este governo rejeita arduamente. O Brasil segue
com o discurso de país do futuro, mas se insistir em não investir séria e
pesadamente em educação e no salário dos professores, os anos vindouros não
serão dos melhores. Enquanto cada Juliana for desencorajada porque o trabalho
de professor é desvalorizado, carente de infraestrutura, exaustivo e mal
remunerado, os nossos problemas se arrastarão indefinidamente, comprometendo
nosso decantado futuro. Docência não é vocação ou voto de pobreza, é uma
profissão e, como tal, merece ser remunerada de forma digna. Enquanto isso não
for compreendido e defendido como política de Estado, propostas como o “mais
educação” serão apenas paliativos que virão para não resolver nada.
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