Suzana Herculano-Houzel, com o intuito de "fazer a carreira de cientista passar a existir de fato e ser valorizada", inflamou graduandos e pós-graduandos do Brasil ao escrever o texto intitulado "Você quer mesmo ser cientista?". O texto correu as redes sociais em uma velocidade estonteante. Provocou reações maravilhadas de concordância, pois falava o que os acadêmicos pensavam. O texto fazia alusões ao fato de que alunos de iniciação científica com bolsa recebem menos de um salário mínimo; que ao terminar a graduação, o acadêmico disputa bolsas de mestrado que remuneram pouco acima de R$ 1.000,00, enquanto outros vão para o mercado e recebem mais de R$ 5.000,00; que depois vem o doutorado e mais 4 anos recebendo cerca de R$ 2.000,00; que só então, com o doutorado, poderá pleitear vaga não como pesquisador, mas como professor universitário; e que, não conseguindo, viverá outros tantos anos como pós-doutorando sem qualquer direito trabalhista.
A angústia de passar dos 30 anos sem emprego formal e estabilidade para organizar a vida, incomoda a maioria dos pós-graduandos e foi o rastilho de pólvora para o incêndio provocado. A receptividade do texto deu visibilidade ao tema e Suzana passou a fazer palestras, algumas disponíveis na internet, e a participar de programas de entrevistas. Parlamentares se envolveram com a questão e, em agosto na Câmara dos Deputados, ocorreu o seminário "Regulamentação da Profissão de Cientista" que contou com representantes da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES), além de parlamentares e pesquisadores.
Em "Você quer mesmo ser cientista? Parte 2: uma proposta prática" a autora apresenta uma proposta para resolver os dilemas dos pós-graduandos. Muitos acadêmicos abraçaram o texto porque viram na profissionalização a solução dos problemas de empregabilidade e condições de trabalho. Entretanto, a questão das condições da pós-graduação e da regulamentação da carreira de cientista são coisas distintas. Para Suzana, a regulamentação da profissão de cientista permitiria "passar a exigir vínculo empregatício formal para profissionais de nível superior, ou seja, formados com graduação completa, para eles poderem atuar como cientistas". Sendo o cientista "qualquer pessoa que faça pesquisa científica em laboratório ou instituições de pesquisa, sem precisar delimitar carreiras, cursos universitários" e "independentemente de qualquer vínculo com a pós-graduação". Atente que a própria Suzana destaca que não há relação entre a pós e a carreira de pesquisador. Esta, portanto, interferiria naquela através de suas consequências, mas não diretamente.
Não obstante o acolhimento dado à proposta, as críticas não deixaram de aparecer, inclusive de pós-graduandos. Patrícia Bado e Douglas Engelke, pós-graduandos em neurociências, área de atuação de Suzana, concordam com a necessidade de melhorar a estrutura da pós-graduação brasileira, mas afirmam que a profissão de pesquisador já existe em instituições como Embraer, Embrapa e Fiocruz. Ainda assim, levantam questões pertinentes à nova profissão como direitos e deveres, salários e as questões das contratações no mundo universitário. "Profissionalização do cientista: um presente de grego", texto escrito por Luana Bonone e Roberto Nunes Junior, diretores da ANPG, afirma que as sugestões de Suzana não resolvem os problemas identificados e apontam várias razões. A "ANPG defende (...) e vem discutindo com Associações de Pós-Graduandos de diversas universidades do Brasil, (...) a criação de um Estatuto de Direitos do Pós-Graduando que defina claramente regras da relação Orientando/Orientador e estabeleça um conjunto de direitos, tais como taxa de bancada, auxílio-tese, auxílio insalubridade e periculosidade (para aquelas atividades que necessitam), férias, valorização permanente das bolsas de pesquisa, assim como sua universalização, e que esse tempo possa contar também na previdência".
O texto e as palestras de Suzana são excelentes na identificação dos problemas, encaixam perfeitamente nas angústias dos pós-graduandos e talvez por isso as pessoas concordem prontamente com as soluções por ela apresentadas. Entretanto, uma análise mais acurada das propostas, mostra que a solução cria e regulamenta a profissão de pesquisador, mas não resolve a questão da pós-graduação e, ao contrário, estabelece novos problemas. Esta argumentação fica para um próximo texto. Por ora, é bom lembrar que as expectativas dos que fazem ou pretendem fazer pós-graduação são grandes sobre este tema, de modo que debates estão ocorrendo no parlamento, nas universidades, nas redes sociais e na ANPG. Em Macapá, a Semana do Biólogo, realizada pela Associação dos Biólogos do Amapá e da qual este articulista participou como palestrante, abordou a questão sob o tema "Você quer mesmo ser cientista? A profissionalização do cientista". É muito relevante que se faça esta discussão, pois pós-graduandos são jovens cientistas em formação, produzindo conhecimento e trabalhando em centros de pesquisa sem quaisquer direitos trabalhistas. Esta situação não pode perdurar, a profissão de cientista e a valorização da pós-graduação e dos pós-graduandos precisam ser debatidos e soluções precisam ser encontradas antes que a resposta "Não, não quero ser cientista!" comece a ecoar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário