sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

artigo do tostes

"Culturas Híbridas" e a vocação do lugar


Um tema bastante instigante em relação aos municípios do estado do Amapá, qual a vocação do lugar? Inventa-se de tudo para que ocorra alguma atração econômica em uma determinada região, entretanto, sempre esbarra na vocação do lugar. Na administração do prefeito do município de Oiapoque, Agnaldo Rocha, tive a oportunidade de dialogar, naquele momento trocamos ideias sobre este tema. O prefeito relatou que estava conversando com o governador na época sobre a possibilidade de realizar na cidade de Oiapoque uma EXPO-Feira nos moldes do evento realizado em Macapá. Comentei com o prefeito que não era vocação do município de Oiapoque realizar este tipo de evento.
Naquela conversa, percebi o quanto os gestores estão distantes de entender a realidade do lugar onde estão inseridos. Os gestores tem a clareza dos problemas existentes, porém, não tem visão de conjunto para compreender a questão sistêmica do lugar. A ideia da EXPO-Feira era uma situação completamente artificializada e sem fundamento. Um segundo momento de diálogo com o prefeito, estabelecemos um canal mais ampliado, foi então, que afirmei: " porque não realizar na cidade de Oiapoque durante o segundo semestre do ano, o "Festival e cultura dos povos indígenas", este evento poderia perfeitamente ser materializado durante um período de 10 a 15 dias, iria contribuir de forma expressiva para o desenvolvimento da região, oportunizando a geração de emprego e renda no município.
No mês de dezembro de 2013, percebi na cidade de Oiapoque que várias pessoas buscavam adquirir produtos de artesanato indígena, entretanto, não havia demanda suficiente para atender a todos. Os motivos estavam relacionados a pouca produção. O setor de artesanato no Brasil tem sido um dos segmentos que mais cresceu, principalmente no Nordeste brasileiro, o número de artesãos é bem expressivo. Nesta atividade, o processo de capacitação, é aliado ao processo da cultura, do lugar, se junta à técnica e o aperfeiçoamento, o resultado é a produção de produtos bem aceitos pela população local e pelos turistas.
O Festival dos povos indígenas proporcionaria a valorização da cultura indígena,  redimensionaria um determinado período na cidade de Oiapoque, todavia, a ideia não avançou, talvez o que determinou era a letargia que toma conta de nossos municípios, de esperar sempre pelo governo estadual ou pela União, concepção que está entranhada na cultura dos municípios. Pensando sobre a realidade do lugar, fico cada vez mais convicto, muitas teorias dão conta de explicar a necessidade de avaliar melhor as concepções sobre a espacialidade urbana. Na região Amazônica, a concepção do empreendedorismo urbano ainda é algo incipiente, pouco se aproveita a vocação do lugar.
A sensação é tudo "perdido", quando se trata de encaminhar ações decisivas para o desenvolvimento do lugar. Na prática, estamos diante de um sistema que unifica os problemas. As soluções dadas para as adversidades são únicas, isso inclui: habitação, saneamento básico em geral e os procedimentos em relação às normas básicas. No caso de Oiapoque, a universidade poderá ser uma agente de mudança na mudança de atitudes e na formação de capital social.
O que fazer para reverter esta lógica? Nas reflexões postas neste blog nos últimos três anos têm sido evidenciados, não haverá efetivas transformações, se a própria sociedade não conseguir alcançar os níveis de mobilização necessária. O sistema político está "contaminado", políticos com mandatos intermináveis afetam as organizações sociais, existem presidentes de associações "eternos", o que compromete a participação de novos integrantes. A ideia sobre a vocação do lugar deve ser respeitada, pois, oportuniza a matéria prima existente, aliada com todas as técnicas e recursos tecnológicos disponíveis no contexto atual.
É difícil aceitar o fato, as cidades no estado do Amapá estão ficando iguais, niveladas e uniformizadas. A paisagem ficou monótona e todos moradores aceitam passivamente, como se isso fosse objeto apenas do acaso, e da sorte, não é não! Este estágio letárgico e nocivo é altamente prejudicial, só contribui para o grau de desinformação.
Sobre a ideia do Festival dos povos indígenas, lembrei-me de um autor importante na América Latina, Nestor Garcia Canclini, tive a felicidade de ler um livro importante deste autor durante a trajetória do curso de doutorado, chamava-se: "Culturas Hibridas". Canclini destaca a participação dos indígenas mexicanos no processo de transformação da cultura indígena no México. O autor cita o exemplo de dois índios que migraram para os Estados Unidos, ambos tiveram a oportunidade de estudar, aprender ideias renovadoras, após 05 anos regressaram para suas origens, lá encontraram um ambiente desolador e com baixa estima de vários membros.
Em um intervalo de tempo razoável, ambos os índios realizaram uma ampla transformação, passaram a ensinar inglês para a maioria dos demais membros, passaram a organizar o artesanato, a cultura, tiveram autorização para sair pelo México divulgando a cultura dos povos indígenas. Canclini descreve, seria aculturação das culturas indígenas? O mesmo responde, na realidade era readaptação dos povos indígenas a uma nova realidade, mas foi preciso que dois membros se qualificassem, mudassem a postura para convencer os demais sobre a necessidade de mudar.
Esta passagem do livro "Culturas Hibridas" é um exemplo clássico, estamos diante de um mundo multicultural, com diferentes interseções e abordagens. Tudo passa pelo processo de qualificação. Portanto, respeitar a vocação do lugar, agregado aos novos conhecimentos e estratégias, é algo fundamental para alavancar o desenvolvimento. Quem sabe este ponto será pensado mais adiante.

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