sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Geração "Nem-Nem"

Geração "Nem-Nem"

Tragédia anunciada

Régis Sanches
regis.sanches@yahoo.com.br


Filho de pais separados, Marlon Ferreira Sobrinho, aos 26 anos, ainda mora com a mãe, em Santana. Maria Lucia Ferreira Sobrinho é empregada doméstica, ganha salário mínimo. Marlon nem estuda, nem trabalha. Para suprir as necessidades básicas, se arranja com alguns bicos: lava e toma conta de carros. Como se dizia antigamente, Marlon vive "à bangú", faz um biscate, aqui, outro acolá. Caçula, ele destoa de seus cinco irmãos, todos casados e empregados. "Moro sozinho com a minha mãe, eu cuido da casa", resume.

Houve um tempo em que Marlon frequentou a escola. Mas parou na quinta série, e diz não ter motivação para retomar os estudos. "A minha mãe bem que insiste. Mas não tenho vontade de estudar. Quanto ao emprego, nunca me interessei em procurar", admite.
Questionado sobre o projeto de vida, Marlon responde que é necessário estudar. Porém, "parado" há mais de oito anos, demonstra não ter pressa. E ainda ressalta: não tem namorada, não pensa em casar, não frequenta bares e nem bebe.

Para justificar esse perfil, Marlon lembra um momento triste de sua vida. "Tive uma experiência negativa, que foi praticar assaltos. Fui preso e cumpri cana no Iapen", relata.
Após a temporada "no inferno", ele passou por um tratamento e, garante, está recuperado. "Mas ainda não consegui retornar à sociedade. Tenho receio de voltar a ser delinquente", conclui.


   Geração “nem-nem”
O retrato da legião de desocupados foi estampado no relatório "Trabalho Descente e Juventude na América Latina: Políticas para Ação", da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado em 13 de fevereiro.
O estudo revela números preocupantes: 21,8 milhões dos latino-americanos entre 15 e 24 anos não estudam, nem trabalham. Carimbados com a grife de geração "nem-nem" (nem estuda; nem trabalha), eles representam 20,3% dos jovens do continente.
Entre os 21,8 milhões de "nem-nem", 30% são homens e 70%, mulheres, diz o estudo. Aproximadamente 25% desses jovens (5,3 milhões) buscam trabalho, mas não conseguem; 16,5 milhões não trabalham, nem procuram uma ocupação. E cerca de 12 milhões de jovens dedicam-se a afazeres domésticos, sendo 92% desse grupo constituído de mulheres jovens.
Segundo o relatório, cerca de 4,6 milhões de jovens são considerados pela OIT o "núcleo duro" dos excluídos. Eles representam o maior desafio e estão sob o risco de exclusão social: não estudam, não trabalham, não procuram emprego e, tampouco, se dedicaram aos afazeres domésticos.
Os países da América Latina com o maior percentual de jovens "nem-nem" são Honduras (27,5%), Guatemala (25,1%) e El Salvador (24,2%). Entre os de menor expressão estão o Paraguai (16,9%) e a Bolívia (12,7%).
No Brasil, 19,6% dos jovens entre 15 e 29 anos não trabalham nem estudam. O universo corresponde a uma população superior aos habitantes do estado de Pernambuco, que, de acordo com o Censo de 2010, era de 8,7 milhões de pessoas.


   Amapá tem quase 
   50 mil desocupados

Marlon Ferreira Sobrinho é apenas um dos quase 50 mil jovens "nem-nem" amapaenses. A legião de desocupados veio à tona na Pesquisa Nacional de Domicílios (Pnad/2012), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No Amapá, segundo a Pnad-2012, com um percentual de 27,8%, a geração "nem-nem" supera a média nacional. São 49.600 jovens entre 15 a 29 anos de idade que não frequentavam escola nem trabalhavam. Trocando em miúdos: no Amapá 2 a cada 7 jovens são "nem-nem".

Em termos comparativos, os 49.600 "nem-nem" amapaenses equivalem a uma população maior que a do município de Laranjal do Jari, no sul do Estado, estimada em 2013, em 43.832 habitantes.

Ao lado de outros aspectos negativos, o Amapá desponta no cenário nacional com a maior taxa percentual de desocupados. Em segundo lugar aparece o estado de Alagoas com 27,4% dos jovens nessa situação.

Na faixa de 15 a 17 anos, a proporção dos jovens que não estudavam nem trabalhavam, em 2012, foi de 11,9%. Essa incidência era de 35% entre aqueles com 18 a 24 anos, e de 32,3% na faixa de 25 e 29 anos.

Em junho de 2013, as passeatas e os protestos de rua revelaram um aspecto cruel da realidade brasileira. No bojo das manifestações, a mídia retratou e as ocorrências policiais confirmaram que sempre havia um jovem como autor ou comparsa das quadrilhas protagonistas dos delitos.

Essa triste realidade pode ser aferida no Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (IAPEN). Nas celas do presídio é difícil encontrar um condenado com mais de 40 anos de idade. Em outras palavras, o Amapá se transformou numa fábrica de jovens bandidos.

A dificuldade de arranjar algum tipo de renda aliada ao ócio cotidiano, inevitavelmente, desaguam na delinquência. Uma realidade frustrante que, em síntese, significa que parte considerável de várias gerações já está perdida. Muitos desses jovens continuarão à margem da sociedade. E, conforme constatado nos presídios, suas vidas terão curta duração.


BRASIL

AMAPÁ

   País mal educado
De acordo com os dados do Pisa - Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes, divulgados em 02 de dezembro de 2013, em Paris, 67% dos alunos brasileiros ficaram no menor nível do exame. O avanço mais significativo se deu em matemática. Aqui no Brasil, o estudo é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Enquanto o governo federal apregoa que o ensino público melhorou no país, os números da pesquisa confirmaram um antigo e desafiador problema: as taxas de reprovação no Brasil ainda preocupam.  O foco da prova, neste ano, foi matemática. Nesta disciplina, os brasileiros tiveram uma média de 391 pontos. Em Xangai, na China, os estudantes alcançaram o patamar de 613 pontos, o topo do ranking entre os que participaram do Pisa 2013.
Na escala de desempenho, nosso país ficou com a nota 1. O grau de repetência também chamou a atenção: 36% dos brasileiros que responderam ao teste admitiram já ter repetido o ano letivo pelo menos uma vez. Mas a pesquisa também indicou que houve uma melhora crescente dos alunos brasileiros nos itens avaliados: leitura, matemática e ciências.
O estudo mostra que quando comparadas as notas das avaliações de 2009 e 2012, o Brasil - 58º do novo ranking - caiu em leitura (412 pontos para 410); marcou passo em ciências (405) e registrou melhora em matemática (386 para 391). Praticamente estagnado na faixa dos 400 pontos, o país permanece distante dos líderes do levantamento - a província chinesa de Xangai, por exemplo, com média geral de 588 pontos. E se mantém na vizinhança de nações como Albânia e Tunísia. A pontuação não é decorativa.
Se a educação vai mal, não se pode dizer que é por falta de recursos financeiros. No Orçamento Geral da União de 2012, do total de R$ 1,712 trilhão 3,34% foram destinados à Educação. Na Previsão Orçamentária para 2014, de R$ 2,361 trilhões, a Educação está carimbada com 3,44%. Em ambos os casos, os percentuais só ficam abaixo das verbas para a saúde (Auditoria Cidadã).
As razões do fracasso são outras. Na maioria dos municípios brasileiros, as escolas estão caindo aos pedaços, há carência de professores. Aliás, problemas com os professores em 2013 foram recorrente em vários estados, um reflexo da péssima política salarial e da carreira estressante.

   Mendigo federal
No Amapá, a situação é pior. As greves e paralisações da categoria deixaram evidente um problema crônico: a falta de habilidade do governo estadual em dialogar como os educadores, provavelmente a classe de trabalhadores mais importante para alavancar o desenvolvimento do país.
Os números dessa tragédia anunciada foram coligidos e processados pelo IBGE. Em 2012, no Amapá, 49.600 jovens de 15 a 29 anos de idade (um em cada três) não frequentava escola e não havia trabalhado na semana de referência. No grupo de 15 a 17 anos, a proporção dos jovens que não estudavam nem trabalhavam foi de 11,9%. Essa incidência foi de 35% entre aqueles com 18 a 24 anos, e de 32,3% na faixa de 25 e 29 anos.
Os dados são estarrecedores para um Estado onde a indústria é inexistente e o setor primário sequer abastece o mercado local. Até farinha e açaí, dieta primordial dos tucujus, são importados do Pará. E, pela falta de planejamento governamental, já se transformaram em artigos de luxo, por causa dos preços inflacionados.
Mais que isso: a ausência de um plano de desenvolvimento governamental transformou o Amapá numa espécie de mendigo federal.  Todos os meses, o governador e a bancada federal (três senadores e oito deputados) rodam o chapéu em Brasília em busca das migalhas do Orçamento Geral da União e das verbas oriundas de emendas parlamentares.
Um dado assustador havia sido revelado no Censo de 2010. Segundo o IBGE, no Amapá 9,5% das crianças de 4 a 14 anos estavam fora da escola. Com relação à faixa etária de 15 a 17 anos, em Macapá, existiam 4.445 jovens fora da sala de aula. Ou seja, a tragédia amapaense começa na educação básica e no ensino médio.
Portanto, o quadro negro da educação amapaense sinaliza que o desenvolvimento estará sempre além de qualquer luz no fim de um túnel sem fim. Na verdade, um verdadeiro buraco negro, que multiplica de forma exponencial a legião de condenados ao fracasso. Sejam eles jovens "nem-nem" ou subprodutos de uma escola pública falida. No final das contas, o governo é, ao mesmo tempo, pai e mãe da legião de desvalidos. E, como diz aquele ditado: quem pariu Mateus, que o embale.



Um comentário:

  1. O tema é muito oportuno, entretanto, a imagem não condiz com o texto. Eu enquanto militante da cultura hip hop me sentir ofendido com esta imagem. Por isso, venho usar este espaço para expor minha indignação e solicitar dos dirigentes deste veículo DIREITO DE RESPOSTA. Hip Hop é um movimento socio/político/cultural que promove a transformação social, protagonismo juvenil e consciência política através dos seus 4 elementos. É bom o jornal procurar saber o que significa esta linguagem antes de cometer estas bizarrices, fruto do preconceito arraigado na nossa sociedade.

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