sexta-feira, 23 de maio de 2014

“Auxílio-moradia do MPE-AP é uma excrescência”, afirma juiz João Bosco

Régis Sanches

O juiz da 2ª Vara Federal João Bosco Soares classificou de ‘excrescência’ a forma como se deu o pagamento generalizado de quase R$ 10 milhões de auxílio-moradia aos 106 promotores e procuradores de Justiça do Estado do Amapá.
“O pagamento do auxílio-moradia para servidores públicos quem têm casa própria é uma excrecência. Estou chocado com a crise ética, o apagão de gestão e o déficit moral em que mergulhou nosso país”, desabafou.
O magistrado considerou correta a iniciativa do procurador-geral da República Rodrigo Janot, que mandou investigar os Ministérios Públicos estaduais e Tribunais de Justiça de todo o país sobre os gastos com auxílio-moradia para promotores de justiça, procuradores, juízes e desembargadores. O objetivo de Janot é identificar abuso na concessão do benefício.
“Certamente, a PGR irá propor uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) para que sejam extintas as leis que permitiram o pagamento excessivo do auxílio-moradia. Assim, espero que os valores pagos indevidamente sejam devolvidos”, enfatizou.
Excrescência ‘condigna’
O Censo 2010 do IBGE revelou que Macapá tem um déficit habitacional de 25 mil moradias. Para a Secretaria Nacional da Habitação são 26.333 as famílias pobres e miseráveis que não têm um teto para abrigar-se do sol, da chuva e do sereno, na capital.
Longe do relento, embora possuam residência própria – mais de uma, na maioria dos casos -, os 106 promotores e procuradores de Justiça do Amapá recebem, cada, R$ 7.235,00 mensais de auxílio moradia. Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Amapá (TCE-AP), mostra que em 2011, na gestão de Ivana Lúcia Franco Cei, o MP-AP gastou R$ 9,2 milhões com auxílio-moradia de seus 106 membros. O valor equivale a quase 7% do orçamento da instituição para 2014, que é de R$ 138 milhões.
A justificativa para tal excrescência está impressa na Lei Orgânica Nacional e Estadual do Ministério Público: “...nas comarcas que não haja residência oficial ‘condigna’ para o membro do Ministério Público”, os mesmos serão indenizados mensalmente pelo órgão com o auxílio-moradia.
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MP-AP omitiu valores à PGR

O Ministério Público do Amapá informou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que desembolsa R$ 4.377,00 por mês para os 106 promotores e procuradores de Justiça. Mas, o relatório do TCE-AP confirma que, na verdade, o MP-AP paga R$ 7.235,00 de auxílio-moradia para cada um deles, ainda que eles tenham casa própria e morem em Macapá. Resumo da ópera: o MP mandou a conta errada para a PGR, camuflando R$ 2.858,00 que paga a mais do que informou.
Para se ter uma noção desse absurdo, apenas nove das 27 unidades da Federação pagam auxílio-moradia aos membros do Ministério Público. Os promotores e procuradores de Justiça do Amapá estão entre os que recebem o maior benefício, junto com os de Santa Catarina (R$ 4.377,00) e do Distrito Federal (R$ 5.303,00).
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TAC milionário e polêmico
Damaris Rossi Baggio de Alencar, procuradora da República

Promotor Afonso Guimarães

IVANA CEI, PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA

O juiz federal João Bosco Soares voltou a criticar a forma ‘nebulosa’ como foi elaborado e assinado o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental) milionário (R$ 6 milhões) entre a mineradora MMX, posteriormente Anglo Ferrous, hoje Zamin, e os ministérios públicos Federal e Estadual do Amapá, em 2007.
Em outubro passado, a Justiça Federal havia mantido a decisão do juiz João Bosco que, em 2008, não homologou o TAC com a MMX por considera-lo lesivo ao interesse público. A decisão torna ilegal a utilização de R$ 6 milhões.
A decisão do desembargador federal, João Batista Moreira, do Tribunal Federal da 1ª Região, complicou ainda mais a situação dos procuradores da República e dos promotores do MPE-AP. Eles pediam a homologação e, consequente execução do ‘TAC Milionário, que implicou no gasto de R$ 6 milhões, com o dinheiro passando em contas pessoais com aquisição de bens e serviços que até hoje tem prestação de contas duvidosas.
Sem a homologação, isto é, a autorização para o uso dos recursos, os procuradores e promotores não poderiam ter feito gastos já que a questão estava judicializada e, portanto, era imprescindível a homologação judicial, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STF). A corte determina que se uma questão está “sub judice”, o acordo entre as partes deve ser referendado pelo Judiciário. A decisão do TRF complica a situação dos agentes do MP, que devem responder pelo crime de peculato (desvio do dinheiro público) em uma Ação Popular movida pelo próprio juiz João Bosco Soares, no intuito de responsabilizar os agentes públicos.
No entendimento do magistrado, o TAC contrariava interesses públicos e, sobretudo, por possuir cláusula contrária ao que determina a Lei de Ação Civil Pública, que convenciona depositar o dinheiro do acordo em um fundo gestor e, diferentemente, o TAC convencionava deixar na conta da empresa privada MMX.

Entenda o caso

Em 9 de março de 2012, João Bosco Soares formalizou denúncias graves de corrupção contra a procuradora-geral de Justiça Ivana Lúcia Franco Cei e um grupo de promotores e procuradores da República suspeitos de utilizar o recurso de arbitragem do TAC para enriquecimento ilícito. O TAC é um mecanismo criado para obrigar cidadãos e empresas a reparar eventuais danos causados ao ambiente ou ao patrimônio público.
No início de julho passado, quatro bandidos invadiram a casa do juiz. Soares foi amarrado, ameaçado com uma arma na cabeça e espancado na frente da mulher e de dois filhos pequenos. Para a Polícia Civil, tratou-se de um assalto. A Polícia Federal, que também entrou no caso, ainda não se pronunciou oficialmente sobre se houve ou não motivação política no ataque.
Soares meteu a mão num vespeiro ao encaminhar uma representação contra Ivana Cei, dois promotores e cinco procuradores federais da República ao Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília, com base nas ligações do grupo com o conglomerado de Eike Batista, ex-dono da MMX Mineradora Amapá. Entre 2007 e 2012, afirma o magistrado, a MMX e, posteriormente, a britânica Anglo Ferrous pagaram R$ 140 milhões à Etecon, empreiteira de propriedade de Glauco Cei, marido da procuradora. Essa transferência milionária tornou-se legal graças a um dos TACs assinados por Ivana Cei quando chefiava a Promotoria de Meio Ambiente do Amapá, em 2007.
Além de Ivana Cei, outros dois promotores estaduais envolvidos no esquema dos TACs, Afonso Guimarães e Ricardo Gomes, são alvos de representação no CNMP. De acordo com o juiz, o trio estava à frente do grupo que aproveitava da existência de Ações Civis Públicas contra empresas de mineração para forçar a assinatura dos termos de ajustamento, um de R$ 2 milhões, assinado apenas pelo MP estadual, e outro de R$ 6 milhões, em parceria com o Ministério Público Federal.
A MMX era alvo de uma Ação Civil Pública por crimes ambientais e usufruto irregular de lavras de ouro e ferro, cedidas à mineradora sem licenças. A mineradora atuava na região de Serra do Navio desde 2.000, quando acabou processada por promover desmatamentos da Floresta Amazônica, destruição de sítios arqueológicos e despejo de rejeitos poluentes em diversos igarapés da região.
Em 21 de dezembro de 2007, graças ao acordo de R$ 6 milhões assinado três meses antes com os Ministérios Públicos Federal e Estadual, o empresário regularizou a situação da MMX a tempo de vendê-la à Anglo Ferrous Amapá por R$ 5,5 bilhões. O grupo inglês assumiu os compromissos da MMX e foi além: contratou para o cargo de diretor de ‘relações institucionais’ da empresa Bruno Cei, cunhado da procuradora-geral de Justiça. Uma de suas funções, cuidar dos contratos da Etecon do irmão Glauco.
Os R$ 6 milhões foram destinado, em tese, a obras e serviços de compensação ambiental, mas desde o início se tornou uma operação suspeita. Sem nenhuma norma preestabelecida e frontalmente contra a lei, parte do dinheiro começou a circular em contas privadas de promotores e procuradores. Soares detectou um depósito de R$ 179 mil em uma conta do Banco do Brasil. O dinheiro foi parar lá graças a uma autorização de Damaris Rossi Baggio de Alencar, procuradora da República também representada pelo juiz

A Justiça Federal constatou que Damaris repassou R$ 1,094 a contas bancárias definidas pelo próprio MP Federal, mas só conseguiu comprovar a movimentação de R$ 947,1. Ou seja, R$ 146 ficaram sem nenhuma comprovação de despesas.

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