POR BARBARA COSTA
MUDANÇA
Na frente
do meu prédio, esquina entre duas avenidas movimentadas, meia dúzia de cidadãos
agitam bandeiras de candidatos prometendo mudanças.
O que eu
não entendo é por que alguém votaria num camarada que paga a alguns sujeitos
uma quantia provavelmente insignificante a fim de que passem horas debaixo de
um sol agreste sustentando uma bandeira com um número impossível de se decorar
a um relance.
Para
falar a verdade, ainda que, em troca, se oferecesse uma bolada de dinheiro,
quem se submeteria a essa tarde mercuriana do nordeste, a defender qualquer
causa sob o sol o sol de lascar? Quem votaria em alguém que pensa ser isso uma
promoção positiva e tanto? Não entendo... Deixo pra lá.
Dentro do
apartamento, começo a arrumar minhas coisas em caixas e malas. Não vou embora
da cidade. Só mudar de prédio.
Vou
tirando as coisas da estante sem nenhuma pressa. Vou arrumando e ao mesmo tempo
acarinhando, catalogando minhas lembranças. Primeiro os livros. Todos
bonitinhos dentro das caixas. Depois os objetos inúteis e miudezas inúteis e
papéis inúteis - indispensáveis e insubstituíveis.
Estou
nesse apartamento há dois anos e já acumulei lembranças. Como o tempo passa...
Como os fragmentos que contêm a memória dos fatos ficam...
Nesse
tempo de faculdade, ajuntei aproximadamente uma tonelada de papel. O
conhecimento acadêmico se mede em xerox. E no meio disso tudo de repente
encontro o livro que contém o texto que escrevi para um concurso de redação
três anos atrás, ainda no ensino médio.
Eu,
com aquele texto, me pretendia tanta coisa... Não, não. A verdade é que, quando
escrevi, nunca pensei que alguém pudesse achar aquilo bom. Mas escrevi com
tanta sinceridade e tanto jorro verbal que talvez a vigorosa ingenuidade
juvenil tenha convencido o último romântico na banca do júri que selecionou as
redações para o livro.
Timidamente,
sentada no chão, rodeada por caixas, começo a ler a redação... Me reconheço em
alguns parágrafos, algumas construções frasais características e persistentes,
o tom. Mas, no mais, não sou mais eu.
Não
consigo ler o texto até o fim. Percebo os deslizes ideológico, os deslizes
psicológicos, a pieguice, a honestidade literária extremamente perigosa. A
menina que escreveu aquele texto não existe mais. Eu mudei. Eu já não sou ela,
embora a narrativa da minha história ainda guarde muito do que fui um dia.
Mas a
gente muda, o tempo passa, a gente cresce, separa os papéis... Joga fora muita
coisa. Guarda algumas. Mas cada vez mais a pilha do descarte é maior que a
pilha da gaveta.
Coloco
silenciosamente e um tanto embaraçada o livro do concurso dentro da caixa. Não
lerei, não direi mais nada sobre o assunto. Contudo, obviamente, embora eu
tenha mudado tanto, não me passa despercebido o fato de que guardei o
livro.
Me guardo
dentro da caixa. Porque sempre bate uma saudadezinha do que a gente foi. Não
tem mudança que supere a nostalgia. Lá fora, as bandeiras tremulam...
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