quinta-feira, 31 de julho de 2014

ENTRELINHAS



Arley Costa

Voa, canarinho, voa

“Voa, canarinho, voa / Mostra pra esse povo que és um rei / Voa, canarinho, voa / Mostra na Espanha o que eu já sei / Verde, amarelo, azul e branco / Forma o pavilhão do meu país / O verde toma conta do meu canto / O amarelo, azul e branco / Fazem o meu povo feliz / E o meu povo toma conta do cenário / Faz vibrar o meu canário / Enaltece o que ele faz / Bola rolando e o mundo se encantando / Com a galera delirando / Tô aí e quero mais”.

A música “Voa, canarinho, voa”, cuja autoria é de Junior - ex-jogador do Flamengo e da seleção brasileira, embalou o Brasil durante a copa de 1982 na Espanha. Uma seleção que jogava por mágica, encantava pessoas de todo o mundo, deixava a galera delirando e pedindo mais. Foi de fato uma seleção maravilhosa que voou e fez o povo feliz, até que, por ironia do destino, em um tropeço diante da Itália saiu do torneio. Com a eliminação, o Brasil quedou inconsolável, a copa ficou mais triste, o futebol agonizou!

É curioso que a música de Junior tenha preconizado tanto sobre o futebol. Mesmo eliminado, o Brasil mostrou o que sabia e que era o rei do futebol. A Espanha, esperta, aprendeu. Apropriou-se da filosofia de jogo daquela seleção brasileira e começou uma reformulação na sua forma de jogar. O tic tac espanhol, atualmente tão decantado no futebol do Barcelona e da seleção espanhola, é uma extensão do que a seleção brasileira de 1982 fazia em campo. Toque de bola refinado, jogadores habilidosos em todas as posições e um jogo envolvente. A Espanha, sem fazer-se de rogada, aprendeu a lição e melhorou-a, passou a compreender a posse de bola como uma estratégia e sagrou-se campeã do mundo em 2010.

O imediatismo brasileiro fez com que adotássemos a estratégia inversa - abandonamos o futebol bonito e passamos a implantar a filosofia do futebol de resultados. E deu resultados! Ganhamos mais duas copas. Mas convenhamos, ganhamos com um futebolzinho horroroso, retranqueiro, dependente da genialidade de um ou outro jogador. A seleção brasileira passou a jogar para não tomar gol e tentar fazer pelo menos um para assegurar a vitória.

Em razão das escolhas feitas  após a derrota na copa de 1982, o Brasil deixou de ser diferente, deixou de encantar, deixou de ser o país do futebol. Com isso, o Brasil deixou de ser o Brasil e tornamo-nos uma caricatura da nossa própria história. Uma camisa que ostenta peso, mas que é absolutamente oca e, portanto, leve. Jogamos com times pequenos, sofremos para ganhar e iludimo-nos com as vitórias. Com times grandes, o embate ainda se dá, mas a canarinho não voa mais, não se destaca e ficamos a nos contentar com as vitórias que aparecem, pois no fundo sabemos que não podemos mais nos orgulhar do nosso futebol. Seguimos assim a iludir-nos, até o momento em que fizemos uma copa em casa e descobrimo-nos fragilizados ao ponto de levar de sete em uma semifinal.

O que fazemos após levar uma surra dessas? Apesar do discurso de mudança, decidimos fazer mais do mesmo. Chamamos outro técnico com a mesma filosofia, a da retranca, a dos resultados. Pelo visto não aprendemos com nossos erros, pois continuaremos a jogar como um time que não faz jus às estrelas que carrega no peito.  Espero, sinceramente, que o processo de reformulação, tão presente no discurso dos dirigentes do futebol brasileiro, realmente ocorra. Reformulação que deveria começar com os próprios dirigentes para ser de fato efetiva. Como esperar que algo mude se os caciques perpetuam-se no poder e o lucro é um objetivo maior que o próprio futebol? Mesmo assim torcemos para que a reformulação ocorra, que com com ela venha a mudança de filosofia, que voltemos a buscar um futebol alegre, que mostra o que sabe, que voa, que encanta, que faz delirar. O futebol dos campinhos de areia, da molecada irreverente que joga pelo puro prazer de se divertir com a bola.

As vitórias? Os títulos? Estes serão consequências de uma seleção que sabe jogar e que ocasionalmente poderá perder e ser eliminada de torneios e copas. Mas teremos uma seleção dona de um futebol memorável, uma seleção que voa. Como diz o Junior, quando a seleção brasileira jogar, o que eu quero é “Bola rolando e o mundo se encantando / Com a galera delirando / Tô aí e quero mais”.

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