quinta-feira, 2 de outubro de 2014

ANTENADOS







A brusquidão do eleitorado


 BARBARA COSTA

Olhar para o Brasil em época de eleição é deparar-se com dois protótipos básicos de comportamento: o amor e a repulsa. Há quem defenda um candidato ou um time coligado com paixão, afã e frenesi. Há quem despreze todo o processo de eleger representantes, indo da indiferença ao asco. 
Embora pareçam opostos bem extremos, dois momentos e reações tão diferentes, eles fazem parte, na verdade, do mesmo fenômeno. Se observamos bem, notamos que ambas as condutas integram um mesmo modo de ser do brasileiro, projetado assim sobre a política.
A conduta que harmoniza os dois polos atritantes nasce da desabilidade que temos em separar o íntimo e o social, o próprio e o alheio. Temos a tendência de transformar tudo em matéria de vísceras. Essa "cordialidade" do brasileiro (ou seja, o ser dado a levar tudo para o lado pessoal, para o coração, para a emoção) não é uma ideia nova, não surge agora, vem sendo estudada há tempos. 
Se não pode, obviamente, ser aplicada de maneira genérica e ingênua a todos os brasileiros e a todos os contextos, pode, pelo menos, ser garantida como fenômeno real em época de eleição, de acordo com os exemplos que brotam aí, por toda parte desta nação em hora de pleito.
É um comportamento irracional esse nosso, ao lidarmos com a política. Irracional porque transformamos tudo em matéria de afinidade, colocamos o nosso ego no centro da questão, quando deveria estar no centro de tudo o pensar e o pesar. E por mais clichê que soe, o que deveria ser central é a tal da "consciência coletiva", a velha "consciência", o desgastado conceito de "coletivo"... Sim, ainda deveriam valer. 
Não conseguimos pensar no coletivo como sendo nós mesmos - um conjunto de vários indivíduos, todos bem próximos. Tendemos a pensar o coletivo como uma coisa distante, amorfa, imaterial, o outro apenas, os outros, os intrusos, e, portanto, o "eu" é que ganha o predomínio em todas as nossas decisões particulares. 
Naturalmente, o "eu" é, de fato, a nossa primeira medida, é como julgamos a vida, é o que nos situa no mundo. Mas, uma vez que não conseguimos dosar o cego exagero da individuação, prejudicamos a todos, o que nos inclui.
O que se observa hoje é isto: colocamos a questão política como uma ordenação de honra pessoal, acerto de contas, triunfar de um império exclusivo, vingança contra o aparelho do Estado. Não se combate nada do que está errado assim, só se intensificam as picuinhas. É isto consciência política, ou mesmo engajamento que preste? 
Nesses dois grupos oponentes compondo uma só cordialidade (volto a citar, no sentido de "sentimentações", "emocionismos" exacerbados), estão, primeiramente, os que perdem as amizades, a boa convivência com os parentes e a tolerância dos conhecidos porque passaram a tratar o candidato que apoiam como um Deus. Converter os outros à força e ofender-se com qualquer crítica à campanha, à legenda e ao nome envolvidos gera sempre revolta, histeria, horror. Suas existências então se resumem a portar a bandeira do sujeito em que votarão, quando, na verdade, a política e a vida estão para além das bandeiras ocasionais, transitórias, descartáveis, mutáveis.  
No segundo grupo estão os reticentes, indiferentes, avessos. Os que votam em branco ou nulo, ou mesmo que votam aleatoriamente, que querem maldizer todos os candidatos e fazem questão de xingar a "política brasileira" indiscriminadamente. De algum modo, estes do segundo grupo torcem unicamente para o fracasso das frágeis ideologias e falência de todas as candidaturas porque já não conseguem crer no sucesso de propostas, e transformam o que deveria ser uma questão pragmática e consciente em matéria de ódio e torpor.
Em algum grau, confesso, estou no segundo grupo. E todos nós acabamos, de maneira ou de outra, nos encaixando num desses dois polos. É o que se vê através dos discursos de ódio, paixão e ojeriza que rolam por aí, pelas mesas de restaurantes, pelas salas de aula, pela Internet.
Somos, todos nós, tolos, não somos? Quando vamos sequer querer aprender a parar de mexer com tripas e corações e nos lançar a uma postura mais reflexiva, menos espoletada, menos autoritária e explosiva? Enquanto isso, sofremos, castigamos a nós mesmos, não só politicamente, mas em praticamente todas as decisões que tomamos.

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