A
brusquidão do eleitorado
BARBARA COSTA
Olhar
para o Brasil em época de eleição é deparar-se com dois protótipos básicos de
comportamento: o amor e a repulsa. Há quem defenda um candidato ou um time
coligado com paixão, afã e frenesi. Há quem despreze todo o processo de eleger
representantes, indo da indiferença ao asco.
Embora
pareçam opostos bem extremos, dois momentos e reações tão diferentes, eles
fazem parte, na verdade, do mesmo fenômeno. Se observamos bem, notamos que
ambas as condutas integram um mesmo modo de ser do brasileiro, projetado assim
sobre a política.
A conduta
que harmoniza os dois polos atritantes nasce da desabilidade que temos em
separar o íntimo e o social, o próprio e o alheio. Temos a tendência de
transformar tudo em matéria de vísceras. Essa "cordialidade" do
brasileiro (ou seja, o ser dado a levar tudo para o lado pessoal, para o
coração, para a emoção) não é uma ideia nova, não surge agora, vem sendo
estudada há tempos.
Se não
pode, obviamente, ser aplicada de maneira genérica e ingênua a todos os
brasileiros e a todos os contextos, pode, pelo menos, ser garantida como
fenômeno real em época de eleição, de acordo com os exemplos que brotam aí, por
toda parte desta nação em hora de pleito.
É um
comportamento irracional esse nosso, ao lidarmos com a política. Irracional
porque transformamos tudo em matéria de afinidade, colocamos o nosso ego no
centro da questão, quando deveria estar no centro de tudo o pensar e o pesar. E
por mais clichê que soe, o que deveria ser central é a tal da "consciência
coletiva", a velha "consciência", o desgastado conceito de
"coletivo"... Sim, ainda deveriam valer.
Não
conseguimos pensar no coletivo como sendo nós mesmos - um conjunto de vários
indivíduos, todos bem próximos. Tendemos a pensar o coletivo como uma coisa
distante, amorfa, imaterial, o outro apenas, os outros, os intrusos, e,
portanto, o "eu" é que ganha o predomínio em todas as nossas decisões
particulares.
Naturalmente,
o "eu" é, de fato, a nossa primeira medida, é como julgamos a vida, é
o que nos situa no mundo. Mas, uma vez que não conseguimos dosar o cego exagero
da individuação, prejudicamos a todos, o que nos inclui.
O que se
observa hoje é isto: colocamos a questão política como uma ordenação de honra
pessoal, acerto de contas, triunfar de um império exclusivo, vingança contra o
aparelho do Estado. Não se combate nada do que está errado assim, só se
intensificam as picuinhas. É isto consciência política, ou mesmo engajamento
que preste?
Nesses
dois grupos oponentes compondo uma só cordialidade (volto a citar, no sentido
de "sentimentações", "emocionismos" exacerbados), estão,
primeiramente, os que perdem as amizades, a boa convivência com os parentes e a
tolerância dos conhecidos porque passaram a tratar o candidato que apoiam como
um Deus. Converter os outros à força e ofender-se com qualquer crítica à
campanha, à legenda e ao nome envolvidos gera sempre revolta, histeria, horror.
Suas existências então se resumem a portar a bandeira do sujeito em que
votarão, quando, na verdade, a política e a vida estão para além das bandeiras
ocasionais, transitórias, descartáveis, mutáveis.
No
segundo grupo estão os reticentes, indiferentes, avessos. Os que votam em
branco ou nulo, ou mesmo que votam aleatoriamente, que querem maldizer todos os
candidatos e fazem questão de xingar a "política brasileira"
indiscriminadamente. De algum modo, estes do segundo grupo torcem unicamente
para o fracasso das frágeis ideologias e falência de todas as candidaturas
porque já não conseguem crer no sucesso de propostas, e transformam o que
deveria ser uma questão pragmática e consciente em matéria de ódio e torpor.
Em algum
grau, confesso, estou no segundo grupo. E todos nós acabamos, de maneira ou de
outra, nos encaixando num desses dois polos. É o que se vê através dos
discursos de ódio, paixão e ojeriza que rolam por aí, pelas mesas de
restaurantes, pelas salas de aula, pela Internet.
Somos,
todos nós, tolos, não somos? Quando vamos sequer querer aprender a parar de
mexer com tripas e corações e nos lançar a uma postura mais reflexiva, menos
espoletada, menos autoritária e explosiva? Enquanto isso, sofremos, castigamos
a nós mesmos, não só politicamente, mas em praticamente todas as decisões que
tomamos.
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