quinta-feira, 2 de outubro de 2014

ENTRELINHAS

Eleições como nunca se viu! – O duelo religioso
Que o Brasil seja mais! Assim foi encerrado o texto “Eleições como nunca se viu!” publicado na coluna Entrelinhas da semana anterior. O texto abordou a singularidade da emergência de temas normalmente ausentes das eleições presidenciais como “racismo, relações homoafetivas, drogas, maioridade penal, pena de morte, financiamento privado de campanha e aborto” e a importância do confronto das posições divergentes sobre tais assuntos na construção de um país melhor. Todos esperamos que o Brasil seja mais, embora divirjamos em como isso possa ser alcançado. Assim, esse mais tão desejado virá apenas se o resultado do confronto das posições divergentes for um Brasil mais plural, diverso, inclusivo, justo socialmente e capaz de respeitar cada um segundo sua condição e escolhas.
Entretanto, para além das questões já elencadas, há outra que tem incendiado as eleições presidenciais e que, em razão de seu lastro na crença religiosa, parece ser de difícil resolução - o embate entre católicos e evangélicos. A divergência entre os grupos já começa na identificação, pois esses são denominados por aqueles como protestantes em virtude do processo histórico. Independente da nomenclatura, a figura de uma candidata que declara um credo evangélico com chances de tornar-se presidente é uma novidade que tem fortalecido a polarização entre grupos religiosos nos processos eleitorais nacionais. Soma-se a isso, a presença de um conjunto de parlamentares que se autointitulam bancada evangélica e vêm pautando temas a partir de suas convicções religiosas. Muitos dos votos desses candidatos a parlamentares nascem dentro das igrejas e templos em que são pastores ou bispos. Como fruto de sua origem, é natural que muitos discursos desses candidatos tenham viés fundamentalista para agradar sua igreja e eleitorado que, nesses casos, se sobrepõem.
Nesse cenário, talvez pela primeira vez, a comunidade católica percebeu que o crescimento do número de evangélicos pode afetá-los não apenas diretamente em suas crenças, mas também na determinação do viés político do país. Como maioria e representante do cidadão médio, os católicos nunca se organizaram enquanto grupo para definir o resultado de uma eleição, mas vivem agora um momento diferente e o viés religioso tem se tornado presente também entre eles. Por conta do que muitos católicos podem denominar de avanço ou ameaça protestante, está havendo uma polarização na eleição. Marina arregimenta numerosos votos entre os evangélicos enquanto os perde em locais de maioria católica.
Cientes dessa cisão e aproveitando o fato de que o Brasil ainda é um país de maioria católica, parte da campanha do PT contra Marina nas redes sociais e no boca a boca envolve críticas ao fato dela ser uma candidata evangélica de base fundamentalista. A estratégia de criticar Marina por ser evangélica, diga-se de passagem, tem se mostrado eficiente, pois nos locais de maioria católica, especialmente onde o PT é mais forte, Marina vem encolhendo eleitoralmente e seus votos migram para Dilma. O ataque de PT e PSDB sobre a candidata do PSB aborda outras questões também, mas percebe-se claramente que o enfoque religioso é o mais importante porque onde há considerável número de eleitores evangélicos Marina continua repleta de votos.
Uma coisa é certa, a polarização religiosa seja para cargos executivos ou legislativos chegou para ficar e tenderá a ser mais forte em eleições vindouras. O modo como as coisas se desenrolarem agora pode ser significativo de como virão a ocorrer no futuro. Por isso, é importante atentar sobre como esse processo eleitoral de 2014 será resolvido, o quanto de ranços, mágoas e frustrações podem decorrer da forma como as estratégias de campanhas que abordam esses aspectos forem conduzidas. Espera-se que a formação cristã dos envolvidos ajude a minimizar os conflitos e que todos consigam pensar no amor ao próximo como forma de relacionamento com os que lhe são divergentes.
Por fim, é bom lembrar que o ataque decorre da candidata ser evangélica, mas mais relevante que isso é o fato de pertencer a um grupo (por enquanto) minoritário e, portanto, não representar o cidadão médio. Se Marina fosse umbandista, espírita, ateia ou agnóstica, os católicos e evangélicos estariam unidos contra o “perigo anticristão”, uma vez que são maioria esmagadora com relação a esses grupos. Exatamente por isso, em meio a todo esse fogo cruzado cristão, há aqueles que reafirmam a importância da laicidade do Estado. Independente de termos um presidente de crenças católicas ou evangélicas, a separação entre religião e Estado, que no Brasil ainda é bem deficiente, precisa avançar. Apenas com essa separação consolidada será possível discutir os outros temas importantes que surgiram nessa eleição e avançar sobre eles na direção de um Brasil que seja mais, muito mais do que é hoje!

Arley J. S. da Costa
Professor de Psicologia
UFF - Universidade Federal Fluminense 
PUVR - Pólo Universitário de Volta Redonda
(21) 980256523


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