Eleições
como nunca se viu! – O duelo religioso
Que
o Brasil seja mais! Assim foi encerrado o texto “Eleições como nunca se viu!”
publicado na coluna Entrelinhas da semana anterior. O texto abordou a
singularidade da emergência de temas normalmente ausentes das eleições
presidenciais como “racismo, relações homoafetivas, drogas, maioridade penal,
pena de morte, financiamento privado de campanha e aborto” e a importância do
confronto das posições divergentes sobre tais assuntos na construção de um país
melhor. Todos esperamos que o Brasil seja mais, embora divirjamos em como isso
possa ser alcançado. Assim, esse mais tão desejado virá apenas se o resultado
do confronto das posições divergentes for um Brasil mais plural, diverso,
inclusivo, justo socialmente e capaz de respeitar cada um segundo sua condição
e escolhas.
Entretanto,
para além das questões já elencadas, há outra que tem incendiado as eleições
presidenciais e que, em razão de seu lastro na crença religiosa, parece ser de
difícil resolução - o embate entre católicos e evangélicos. A divergência entre
os grupos já começa na identificação, pois esses são denominados por aqueles
como protestantes em virtude do processo histórico. Independente da
nomenclatura, a figura de uma candidata que declara um credo evangélico com
chances de tornar-se presidente é uma novidade que tem fortalecido a
polarização entre grupos religiosos nos processos eleitorais nacionais. Soma-se
a isso, a presença de um conjunto de parlamentares que se autointitulam bancada
evangélica e vêm pautando temas a partir de suas convicções religiosas. Muitos
dos votos desses candidatos a parlamentares nascem dentro das igrejas e templos
em que são pastores ou bispos. Como fruto de sua origem, é natural que muitos
discursos desses candidatos tenham viés fundamentalista para agradar sua igreja
e eleitorado que, nesses casos, se sobrepõem.
Nesse
cenário, talvez pela primeira vez, a comunidade católica percebeu que o
crescimento do número de evangélicos pode afetá-los não apenas diretamente em
suas crenças, mas também na determinação do viés político do país. Como maioria
e representante do cidadão médio, os católicos nunca se organizaram enquanto
grupo para definir o resultado de uma eleição, mas vivem agora um momento
diferente e o viés religioso tem se tornado presente também entre eles. Por
conta do que muitos católicos podem denominar de avanço ou ameaça protestante,
está havendo uma polarização na eleição. Marina arregimenta numerosos votos
entre os evangélicos enquanto os perde em locais de maioria católica.
Cientes
dessa cisão e aproveitando o fato de que o Brasil ainda é um país de maioria
católica, parte da campanha do PT contra Marina nas redes sociais e no boca a
boca envolve críticas ao fato dela ser uma candidata evangélica de base
fundamentalista. A estratégia de criticar Marina por ser evangélica, diga-se de
passagem, tem se mostrado eficiente, pois nos locais de maioria católica,
especialmente onde o PT é mais forte, Marina vem encolhendo eleitoralmente e
seus votos migram para Dilma. O ataque de PT e PSDB sobre a candidata do PSB
aborda outras questões também, mas percebe-se claramente que o enfoque
religioso é o mais importante porque onde há considerável número de eleitores
evangélicos Marina continua repleta de votos.
Uma
coisa é certa, a polarização religiosa seja para cargos executivos ou
legislativos chegou para ficar e tenderá a ser mais forte em eleições
vindouras. O modo como as coisas se desenrolarem agora pode ser significativo
de como virão a ocorrer no futuro. Por isso, é
importante atentar sobre como esse processo eleitoral de 2014 será resolvido, o
quanto de ranços, mágoas e frustrações podem decorrer da forma como as
estratégias de campanhas que abordam esses aspectos forem conduzidas. Espera-se
que a formação cristã dos envolvidos ajude a minimizar os conflitos e que todos
consigam pensar no amor ao próximo como forma de relacionamento com os que lhe
são divergentes.
Por
fim, é bom lembrar que o ataque decorre da candidata ser evangélica, mas mais
relevante que isso é o fato de pertencer a um grupo (por enquanto) minoritário
e, portanto, não representar o cidadão médio. Se Marina fosse umbandista,
espírita, ateia ou agnóstica, os católicos e evangélicos estariam unidos contra
o “perigo anticristão”, uma vez que são maioria esmagadora com relação a esses
grupos. Exatamente por isso, em meio a todo esse fogo cruzado cristão, há
aqueles que reafirmam a importância da laicidade do Estado. Independente de termos um presidente de crenças
católicas ou evangélicas, a separação entre religião e Estado, que no Brasil
ainda é bem deficiente, precisa avançar. Apenas com essa separação consolidada
será possível discutir os outros temas importantes que surgiram nessa eleição e
avançar sobre eles na direção de um Brasil que seja mais, muito mais do que é
hoje!
Arley J.
S. da Costa
Professor
de Psicologia
UFF -
Universidade Federal Fluminense
PUVR -
Pólo Universitário de Volta Redonda
(21) 980256523
Nenhum comentário:
Postar um comentário