sexta-feira, 10 de outubro de 2014

ANTENADOS

BARBARA COSTA





Tragicomédia do segundo turno

No segundo turno das eleições brasileiras, testemunhamos o que parece ser a perda total das poucas ideologias intactas que ainda nos sobravam. Fica a impressão de que todos os ideais políticos se reduzem à odiosa dicotomia do desempate arbitrário. 
Mesmo que o eleitor não se identifique com nenhum dos candidatos que restaram para serem votados, é obrigado a escolher um deles, pelo raciocínio da exclusão: dos males, o pior; antes aquele nome que pareça apresentar menos risco ao futuro da nação do que "deixar" o "vilão" verdadeiro ganhar. 
E aí vem o torturante movimento, a tragicômica batalha: pessoas que antes abraçavam propostas e campanhas tão divergentes passam a vender suas convicções pela noção de sairem menos prejudicadas, defendendo agora no segundo turno um ou outro lado que na verdade nem representam a essência do que o sujeito acreditava primeiramente. 
Mas talvez o maior prejuízo nesse contexto não venha das brigas que surgem entre as facções resignadas, as quais outrora defendiam outros argumentos em árduos debates, e sim seja exatamente a defesa resiliente de uma política que não nos representa por medo da abstenção. 
Esse tipo de democracia que pregamos é uma ilusão, já que você se vê forçado a votar por temor de um estigma, uma vez que o voto branco ou nulo é marginalizado, mal visto na sociedade brasileira, como uma espécie de manobra suicida ou ignorância, burrice política.
Parece que, assim, anulando o voto, tudo o que você faz é se omitir e mais nada, e, de acordo com essa lógica, estaria ajudando a desconstruir um perfeito regime democrático.
Mas que democracia é esta que não encara com olhos neutros a própria escolha do não-voto?! Deveríamos compreender que autonomia política é escolher também não votar em ninguém, se as ideologias postas à mesa não se afinam às que você acredita serem melhores para a sua comunidade. 
Quem acha que o ato de votar encerra todo o papel de direito e dever de um cidadão está enganado. A política vai além dos anos de eleição, de um mês e um ou dois dias, vai além do digitar em urna eletrônica. Fazemos política com o engajamento de consciências, e esse engajamento pode se manifestar também na não rendição às únicas opções existentes. Entender isto seria menos exaustivo e muito mais saudável do que empreender enfadonhos debates de segundo turno na tentativa de promover o menor dos males, e acabar assim pisando nos legítimos ideais primeiros.
 A atividade política está sim em constante movimento e renovação, e as alianças entre partidos e candidatos são algumas vezes justificáveis, mas se alguém não as reconhecer, e as recusar, não há motivos para marginalizar tal criatura. Isto é também consciência política.


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