sexta-feira, 10 de outubro de 2014

ENTRELINHAS







Arley  e Andrew Costa.



O povo não sabe votar!


Encerradas as votações no 1º turno das eleições de 2014 e iniciada a divulgação das pesquisas de boca de urna e dos primeiros resultados parciais, as alegações de que o povo não sabe votar começaram a pulular nas redes sociais. Critica pra cá, critica pra lá, os ânimos exaltados e os questionamentos sucediam-se aos montes. Como um palhaço é eleito com tantos votos? Como alguém tão reacionário recebe suporte para estar na Câmara? Como um corrupto dribla a ficha limpa e é agraciado pela população? Como um opressor consegue seu intento no pleito? Como votaram em candidato que defende o aborto? Como elegeram alguém favorável à redução da maioridade penal? Como é possível que o pessoal daquela região seja tão conservador? Como pode o povo votar pensando apenas nas bolsas-misérias da vida? Como? Como? Como?
As perguntas ficam a ecoar por uma razão, nossos destinos estão em pauta. As pessoas eleitas influenciarão nossas vidas por quatro anos ou mais, se considerarmos os efeitos das políticas que defenderem e implantarem. Exatamente essa repercussão é que nos faz pensar. Afinal, todos queremos o melhor para nós mesmos e para os que nos são queridos e, simplesmente, não conseguimos compreender a escolha dos que divergem de nós. Ficamos atônitos a tentar entender o que se passa na cabeça daqueles que escolheram candidatos com características que nos parecem absolutamente pavorosas. Chegamos mesmo ao ponto de não aceitar e, então, chamamos esse eleitor de burro. Se muitos votaram como ele, designamos então esse conjunto de povo, e disparamos: O povo não sabe votar!
É claro que há jogos de interesses, onde o indivíduo se aproveita da proximidade com certos partidos e candidatos para tentar obter benesses individuais. Nesses casos, o interesse coletivo é facilmente sepultado e a pessoalidade fala mais alto. Mas nem todos votam assim, muitos julgam, apesar de nossa discordância, estar fazendo escolhas apropriadas, assim como nós julgamos que as nossas também são. Cada um possui seus argumentos e justificativas para a escolha do seu candidato. Acontece que ao fazer as análises do resultado eleitoral e chamar o povo de burro, esquecemos que cada um de nós é único. Frutos de nossas genética e interações somos construídos de forma singular e carregamos conosco nossas idiossincrasias. Em razão de nossas histórias, atribuímos valores diferentes às coisas e, portanto, nossos quereres e desejos são como os de ninguém mais. O ponto de vista de cada um gerará visões específicas e pontuais, de forma que a avaliação dos ônus e bônus em cada situação e candidato lhe será própria. Por exemplo, aqueles que estão na luta cotidiana da militância política sofrem de um jeito a relação com os que comandam o executivo, já aqueles que tocam suas vidas sem atentar para os mandos e desmandos de presidentes e governadores sofrem de outro. Os que nasceram em berço esplêndido e sempre tiveram tudo a tempo e a hora compreendem como criação de dependência as políticas assistencialistas, enquanto aqueles que padecem de tudo enxergam nelas salvação. Os que só conseguem visualizar relevância na questão da segurança querem os “de menor” presos, já os que entendem que a vida deve ser valorizada e protegida por direitos sociais e humanos defendem a existência de políticas que não criminalizem aqueles subjugados pela necessidade.
O problema é que para além de nossas individualidades, existe a estrutura pensada para beneficiar, em especial, aqueles que detém o poder. Há várias formas de poder, mas a lógica do nosso sistema democrático beneficia sobremaneira aqueles com poder econômico. Toda nossa legislação, inclusive a eleitoral é baseada em um modelo de democracia frágil e completamente desleal. A disputa para se eleger é construída em quem vende melhor a própria imagem e isto está intimamente associado a quem obtém os melhores apoiadores, o que nesse caso significa empresas com muito dinheiro. Com rios de dinheiro entrando, a partir das grandes empresas, o gasto com publicidade nas eleições 2014 alcançou valores astronômicos. Foram empregados em divulgação de imagem o equivalente a três copas do mundo realizadas no Brasil. E olha que nossa copa foi absurdamente onerosa, se comparada com a de outros países.
Grandes empresários colocam dinheiros em alguns candidatos porque veem as eleições como o investimento mais rentável disponível. O interesse é tanto que financiam a campanha de candidatos, inclusive, de posições e partidos opostos. Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, por exemplo, são empreiteiras que muito lucraram com os megaeventos brasileiros e que agora são os principais financiadores das campanhas tanto de Dilma quanto de Aécio. A vantagem de investir em candidatos opostos é que terão a chance de exigir, daquele que ganhar, posturas e ações que defendam seus interesses empresariais. E veja que eles poderão exigir seja qual for o resultado, pois ou Dilma ou Aécio irá ganhar, já que são os únicos no 2º turno. Por seu lado, os políticos, receosos de não contar com tão “valoroso” apoio em eleições futuras, vergam-se às exigências das grandes empresas. Assim, nós os elegemos e eles atuam não em nosso interesse, mas em defesa da causa dos financiadores das campanhas.
Assim, o principal problema não é "a burrice do povo", como a gente compreensivelmente brada com o fígado quando abrimos os números realmente desesperadores das urnas. O problema mesmo é que esse modelo de democracia representativa só serve aos grupos que têm muito dinheiro. Esse sistema precisa urgentemente ser transformado, mas não podemos aceitar qualquer reforma política. Portanto, divirjamos, reconheçamos o interesse do outro, apesar de sua singularidade, mas fiquemos de olho para que a reforma política não venha mudar para manter tudo como está! 

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