Anular o
voto? – parte 2
Votar nulo é
um voto cônscio de protesto de um eleitor que racionalmente rejeita as opções
disponíveis, mesmo sabendo que um dos candidatos assumirá o cargo em disputa.
Quanto mais votos o candidato eleito recebe, maior sua força e legitimidade,
embora nessa eleição esteja claro que há muitos votos em Aécio que não são para
ele, mas são anti-PT e, da mesma forma, diversos dos votos de Dilma não serão
para ela, mas claramente são um voto anti-PSDB. Dentro desse contexto, o voto
nulo representa que algo não vai bem em nosso sistema político, o que é
plenamente coerente com o volume de pessoas que defendem uma reforma eleitoral.
O atual modelo privilegia o capital, de tal forma que as mesmas empresas
financiam os principais candidatos e estes, após eleitos, para não perder esse
poderio econômico em eleições futuras, atuam na defesa dos interesses dessas
organizações e não no da população.
Aqueles que
estão pensando em votar nulo ou estão simplesmente indecisos, assistem aos
programas e debates eleitorais numa tentativa de perceber a diferença entre os
candidatos. O esforço resulta inócuo. Um candidato fala “você privatizou as
empresas X e Y” e recebe de volta “seu partido privatizou W e Z”. “Nós criamos
os programas sociais e vocês apenas os ampliaram” diz um, e o outro afirma “a
proposta de vocês era só um projeto piloto, nós o melhoramos e o levamos para
milhões de pessoas”. “Nós combatemos a hiperinflação, colocamos o país no rumo
e no seu governo a inflação está voltando” alega um, e recebe “a inflação está sob
controle, no tempo de vocês ela era galopante”. E ambos acusam-se mutuamente:
“você e seu partido estão atolados em corrupção” e “seus aliados são o que há
de pior na política nacional”.
A política
macroeconômica de ambos é o projeto liberal com defesa de superávit primário,
privatizações, renúncias fiscais, reformas da previdência que aumentam o
esforço do trabalhador, retirada de vários direitos dos trabalhadores,
obediência cega à responsabilidade fiscal e prioridade ao pagamento da dívida
que consome 50% do orçamento da união. Dívida essa que continua crescendo
(enquanto alardeamos que o FMI está pago) e que nunca foi auditada, apesar de
sua evidente ilegalidade. Essa sempre foi a proposta do PSDB e é a política
explicitamente defendida pelo PT desde a Carta ao Povo Brasileiro (melhor seria
dizer Carta ao Mercado) de 2002. Nenhum dos dois executou ou pelo menos pautou
um projeto diferente para o Brasil. Óbvio, portanto, que não há uma polarização
entre esquerda e direita. O eleitor precisa apenas escolher qual o melhor
gerente para os interesses do capital.
Na ânsia por
sair do empate técnico que se firmou, os defensores do PT começaram a
pressionar os militantes de esquerda a se posicionar ao lado da estrela. Tentam
o convencimento pela ideia de polarização entre esquerda e direita que, como já
vimos, não é real. Uma segunda argumentação, quando a primeira falha, visa
substituir a falsa polarização pela escolha do mal menor. Entretanto, fazer
essa opção significa perder a chance de promover o debate sobre diferentes
projetos de Brasil, mesmo que estes projetos, assim como os partidos de
esquerda, não estejam no segundo turno. É significativo que tanta gente pense
que temos um governo de esquerda e saia por aí dizendo: “Não quero o PT! Nunca
mais voto na esquerda”, quando o que temos é um governo liberal. Apoiar o PT é,
portanto, aumentar a confusão sobre o real sentido de um partido de esquerda no
poder, onde as pessoas e não o mercado sejam a razão de ser do governo.
O papel
daqueles que defendem um projeto popular e humano nessa eleição, para que
tenhamos de fato uma esquerda forte nesse país, deveria ser o de esclarecer que
há dois projetos políticos liberais, embora com modelos distintos de
liberalismo e apontar caminhos alternativos. Mostrar que aliar-se e alinhar-se
a um projeto liberal (qualquer que seja ele) é negar a ideia de um país mais
humano e justo socialmente.
Muitos
militantes da esquerda estão votando, fazendo campanha, e falando em voto
crítico em outubro e oposição ferrenha a partir de primeiro de janeiro de 2015.
Mas qual a representação que tal posição consolida na cabeça daqueles que
possuem simpatia pelos ideário de esquerda, mas que ainda não conhecem suas
proposições? Auxilia ou atrapalha? Esclarece ou gera mais confusão? As respostas
emergem por si só. Por isso há aqueles que votam nulo, que anunciam a
semelhança entre os projetos e afirmam com clareza que, como ambas as
candidaturas não representam o ideário político de esquerda, estarão nas ruas
para lutar independente de quem se sagre vencedor dessa disputa eleitoral.
Esses sabem que sendo presidente Dilma ou Aécio, terão que enfrentar o projeto
liberal nas ruas. Por isso defendem nem Aécio nem Dilma sem medo do que virá,
pois o que virá, seja um ou outro, é mais do mesmo.
Por fim, o
nível dessa campanha eleitoral foi a mais suja, vil e de baixo calão de todos
os tempos, com ofensas pululando nas propagandas políticas e nas redes sociais
(muitas vezes travestidas de informação jornalística) enquanto questões como a
dívida pública e vários assuntos que a tangenciam como relações internacionais,
riquezas, orçamento federal passam ao largo. Somente isso já seria mais do que
justificativa para não votar em nenhum dos dois. Que essas eleições acabem logo
e que o embate que realmente educa, aquele da luta de classes, volte a
acontecer e que se espraie e tome as ruas. Até lá, temos todos o direito de
escolher um, o outro ou nenhum dos dois. O que não temos é o direito de
metralhar ódios e ofensas como se não houvesse amanhã, esquecendo a poesia e o
amor.
Arley J.
S. da Costa
Professor
de Psicologia
UFF -
Universidade Federal Fluminense
PUVR -
Pólo Universitário de Volta Redonda
(21) 980256523
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