“Debaixo da
mangueira”: expressão contemporânea de olho por olho, dente por dente
Autor: José Alberto Tostes
Quando comecei a minha carreira profissional regressei para Macapá, naquela
época, fui trabalhar um período na Prefeitura Municipal de Macapá, todo sujeito
quando está recém-formado está com todo o “gás”, cheio de boas intenções para
colaborar, ser participe do processo de construção de alguma coisa, bastou três
meses para perceber o quanto tudo seria muito difícil. Historicamente no Amapá,
desde a época do Território Federal os grupos de políticos sempre se
aglutinaram em torno de uma causa, portanto, não era preciso você ocupar algum
cargo para ficar “marcado”, bastava ser filho de fulano ou de beltrano que
estava comprometido politicamente pelo grupo oposto.
Era comum então, do grupo que saia da administração, seja municipal,
estadual e até mesmo federal, um conjunto de trabalhadores ficarem à margem
durante toda a administração vigente, o nome dado para este grupo de pessoas
isoladas, se chamava de: “Debaixo da mangueira”, um cenário bem peculiar para a
época, se configurava de um conjunto de bancos, tipo aqueles que são colocados
quando vamos tomar tacaca, a mangueira servia de suporte, por conta do calor
que ia aumentando com o decorrer do dia. Em muitos casos, tal situação
tornava-se constrangedora em função de alguns membros do famoso grupo, só
poderiam se levantar para ir ao banheiro.
Este tipo de comportamento no Amapá se deu de forma expressiva pela
forma como as relações interpessoais foram construídas, com base nas relações
de compadre, “amizades” eternas e de troca de favores, com o tempo, esta rede
foi aumentando em função do crescimento da cidade e do estado, as relações
ocorreram pela manutenção dos benefícios pessoais, familiares e postos de
trabalho diretos e indiretos. E a turma da mangueira? Lembro-me de um episódio
onde havia necessidade de ter pessoal qualificado, não havia como contratar,
tive o cuidado de fazer um levantamento junto ao grupo que ficava “Debaixo da
mangueira” para verificar a qualificação técnica, muitos, sequer haviam ocupado
cargo na administração anterior, só o fato de se relacionarem com os chefes e
diretores fora do ambiente de trabalho já era requisito para a condenação ao
isolamento.
Efetivei uma lista de pelo menos 05 ou 06 pessoas e fui conversar com o
gestor para saber se poderia contar com parte daquele grupo, para minha
surpresa, levei um grande esculacho e com a expressão: “moleque você não sabe
onde está se metendo”, fiquei meio atordoado pela forte reação, parecia algo de
guerrilha, movida por um forte sentido que mistura ódio, raiva e rancor, tudo
que o ser humano não precisa para viver com qualidade, o gestor completou
dizendo: “peça tudo, menos aproveitar alguém do grupo de isolamento”.
Aos poucos fui compreendendo o que significava tudo aquilo, não importava a
qualificação de quem quer fosse, o que interessava era o nível de
comprometimento que o sujeito tinha nas relações sociais e políticas
construídas por ele, direto ou indireto, pagava-se o preço por tudo isso.
Conheci um caso ao longo dos anos de um profissional da área da construção
civil que ficou 16 anos nesta situação, entrava governo e saia governo, o pobre
diabo sempre naquela situação desconfortável, de ser subutilizado. Na prática,
o prejuízo é certo aos cofres públicos que paga os salários, encargos e demais
impostos, mas a penalização é ainda maior para a sociedade.
“Debaixo da mangueira” era a expressão mais sórdida para caracterizar o que é o
Amapá antes, durante e depois, as décadas se passaram, outros personagens
assumiram a vida política, outros grupos se formaram e o que ficou para
sociedade? Concretamente, ficou os piores sentimentos que o ser humano pode
conceber as relações políticas não são construídas com base nos preceitos
democráticos, são com base no ódio e no rancor, de todos os lados, “não Cristus
nem Santus”. Neste enredo sórdido, que só deixa rastros de lama por toda parte,
quem perde com isso? Os governos? A sociedade? Perde a democracia, a liberdade
para realizar trabalhos com base nos critérios técnicos e na capacidade
instalada.
A turma “Debaixo da mangueira” sempre irá existir, na cabeça dos gestores não
existe a palavra divergência de ideias, quem for contra o gestor, é considerado
“inimigo”. Verdadeiramente precisamos fazer uma ampla reflexão sobre isso, pois
tudo isso é de uma pobreza de espirito muito grande. Todos os grupos políticos
que chegam ao poder levam ao cabo a expressão: “Olho por olho, dente por
dente”, estágio primitivo que ficou travestido de outras posturas, hoje em dia,
é comum quando alguém chega ao setor dizer: “vamos devolver todo o pessoal para
o seu lugar de origem” é a forma mais clássica de dizer não precisamos mais dos
seus serviços porque vocês serviram ao inimigo, mas quem é o inimigo? O inimigo
são os “fantasmas” que assolam a todos os que desejam sempre chegar ao poder e
se perpetuar, não importa a que preço.
Contraditoriamente, vive-se um tempo carregado de enigmas, por conta da
sociedade global, planetária com base na rede de interação social, pessimamente
utilizada, as redes sociais são muito mais para o culto a personalidade do que
para a construção de bons propósitos quanto ao futuro de um estado ou Nação,
talvez, tenhamos muito mais grupos “Debaixo da mangueira” do que imaginamos. O
que importa, no final é o que se perde com tudo isso. O sentimento de
“vingança” que perdura no Amapá de todos os lados, é nocivo para o desenvolvimento
deste lugar. A sensação é que sempre estamos andando em círculos e voltamos
sempre para o mesmo ponto. Precisamos pensar e refletir sobre este assunto, as
tecnologias evoluíram, as técnicas desenvolvidas para alcançarmos resultados
fantásticos, porém, não evoluímos quando se trata de vivermos em comunidade.
Neste quesito, o ser humano se reveste de sentimentos inferiores que contribuem
para uma rede interminável de sofrimento e dor.
Em todos os preceitos éticos e religiosos, não importa qual a crença religiosa,
sempre aprendemos que o fundamento da vida, reside no respeito pelo seus
semelhantes. Precisamos sempre fortalecer a concepção de nosso caráter com
algumas perguntas: O que eu estou fazendo comigo? O que eu estou fazendo com o
outro? O que nós estamos fazendo coletivamente? Os princípios da lei de causa e
efeito são muito evidentes, o que você plantar para o bem, irá colher o bem, o
que você plantar para semear o mal, irá colher coisas ruins. Pense você que
neste momento está ocupando uma função, seja em que esfera for, hoje você é
quem comanda, amanhã você será comandado, quem sabe, você não será o próximo a
ir para “Debaixo da mangueira”.
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