sexta-feira, 6 de março de 2015

ENTRELINHAS



Divergente e as redes sociais
O dia segue corrido, múltiplas atividades sucedem-se numa velocidade estonteante. Tornamo-nos todos multitarefas, é o que dizem. Entre uma ação e outra, você dá uma olhadinha no celular e confere as atividades dos conhecidos no facebook, twitter, instagram, whatsapp ou em qualquer um dos muitos aplicativos que estabelecem contatos online. O ícone informa que há coisas novas a visualizar. O dedo vai ao encontro do item e a tela do celular exibe o comentário de um conhecido, o qual você afoitamente lê. De repente, você queda boquiaberto, espantado com aquelas palavras e compreensões do mundo. Como é possível que alguém pense isso? – você se pergunta. Não sou obrigado a ler uma coisa dessas quando abro o computador – você diz. O amigo divergente é, então, sumariamente retirado de sua lista de contatos e, como dizemos, é “vida que segue”.
Tem sido cada dia mais usual encontrarmos mensagens e comentários de conhecidos e mesmo amigos que nos espantam e confrontam. E não são raros os casos, onde o amigo é sumariamente retirado da lista de contatos. As pessoas tendem a ser diferentes, é óbvio. Cada um de nós é submetido a uma história peculiar de reforçamento e acaba por apresentar uma identidade que é única, idiossincrática.
Avançamos segundo o que é reforçado, na medida em que entramos em um grupo e vamos adaptando-nos a ele, aceitando regras e discursos que nos são impostos de formas sutis. Não precisa haver ameaça física ou constrangimento pela força, ajustamo-nos a partir de coisas simples. Risadas de escárnio quando você expressa um pensamento que é contrário às ideias do grupo, uma brincadeira debochada com relação ao seu comentário ou a simples desconsideração do que foi dito, como se aquilo não tivesse importância. Enquanto isso, as falas que pertencem ao conjunto de valores e verdades do grupo são ouvidas com atenção, aceitas, recebem comentários e gestos de acolhimento, elogio e apreciação.
Dizemos no primeiro caso que estamos sendo punidos (mesmo que sutilmente) e vamos, muitas vezes, sem perceber, abandonando ou pelo menos deixando de expressar aquele conjunto de ideias e valores quando estamos na presença do grupo. Isso significa que somos capazes de discriminar a situação e passamos a responder de acordo com o estímulo que aquele grupo representa. No outro caso, as nossas falas vão sendo reforçadas e, por isso, aumentam de ocorrência. Como o grupo reforça nossas respostas, tendemos a falar mais e mais conforme nossas compreensões de mundo são consoantes às do grupo. Reforço e punição assim disponibilizados pelos colegas vão direcionando-nos para um lado ou outro dos vários conjuntos de ideias existentes. Esforçamo-nos para não sermos divergentes e, assim, vamos estabelecendo os nichos que ocuparemos, evitando os ambientes em que somos punidos e acomodando-nos aos ambientes onde somos mais aceitos ou, mais precisamente, reforçados.
O mundo das redes sociais acelera esse processo de discriminação de respostas. Os sistemas de disponibilidade de informação tendem a apresentar-nos cada vez mais o que mais clicamos, apreciamos, curtimos, comentamos, compartilhamos. Nessa medida, os aplicativos disponibilizam aos nossos olhos e fazem com que encontremos sempre mais do mesmo. Entramos em contato, cada vez mais, com aquilo que mostramos gostar e menos com o que divergimos. A recorrência e iteratividade do processo faz com que tenhamos a impressão que o mundo é muito parecido com aquilo que achamos dele.
O problema ocorre quando, por uma razão ou outra, uma informação que destoa de nossa visão de mundo nos é apresentada. Sentimo-nos aviltados, confrontados e perguntamo-nos como alguém pode ter semelhante conjunto de ideias. Ao reencontrarmos amigos e parentes que há muito não víamos, ou mesmo ao aceitar uma pessoa que não conhecemos tão bem quanto julgamos conhecer, é comum que sejamos surpreendidos com o diferente, o dissonante, com visões de mundo que, muitas vezes, nos causam repulsa.
A resposta geral de algumas pessoas ao visualizar concepções que causam horror ou pelo menos estranhamento é o de retirar a pessoa responsável por ela de nossos círculos de amizade virtual. A grande vantagem, e ao mesmo tempo o principal problema, é que, ao fazê-lo, restringimos ainda mais o circuito que pode trazer-nos o distinto, de confrontar-nos com o destoante. Sem a presença do divergente, vemos sempre mais e mais do mesmo e acreditamos ser minoria aqueles que veem o mundo de forma diferente da nossa. Isso somado à proteção que o escrever virtualmente nos dá é uma das razões que potencializam a emergência de posturas agressivas, vis, extremadas e intransigentes que encontramos em níveis elevadíssimos nas redes sociais.
Caso queiramos uma sociedade melhor, será realmente o caminho mais adequado retirar o divergente de nossa lista de contatos e pensar que o mundo é construído a nossa imagem e semelhança? Ou, a despeito do desconforto que a presença de pessoas com ideias e ideais distintos dos nossos traz, é preferível realizar o confronto entre tais posições para que um consenso seja minimamente possível? Por fim, não seria relevante manter aqueles que nos são diferentes pelo menos como um lembrete de que nossa forma de ver o mundo não é única? No fundo, os divergentes estão aí e, nas redes sociais ou fora delas, são uma ameaça ao nosso universo particular.  Extirpá-los ou aprender a conviver com eles, eis um dos dilemas com os quais temos que conviver.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

ARTIGO DO GATO - Amapá no protagonismo

 Amapá no protagonismo Por Roberto Gato  Desde sua criação em 1988, o Amapá nunca esteve tão bem colocado no cenário político nacional. Arri...