Divergente e
as redes sociais
O dia segue corrido, múltiplas atividades sucedem-se numa
velocidade estonteante. Tornamo-nos todos multitarefas, é o que dizem. Entre
uma ação e outra, você dá uma olhadinha no celular e confere as atividades dos
conhecidos no facebook, twitter, instagram, whatsapp ou em qualquer um dos
muitos aplicativos que estabelecem contatos online. O ícone informa que há
coisas novas a visualizar. O dedo vai ao encontro do item e a tela do celular
exibe o comentário de um conhecido, o qual você afoitamente lê. De repente,
você queda boquiaberto, espantado com aquelas palavras e compreensões do mundo.
Como é possível que alguém pense isso? – você se pergunta. Não sou obrigado a
ler uma coisa dessas quando abro o computador – você diz. O amigo divergente é,
então, sumariamente retirado de sua lista de contatos e, como dizemos, é “vida
que segue”.
Tem sido cada dia mais usual encontrarmos mensagens e comentários
de conhecidos e mesmo amigos que nos espantam e confrontam. E não são raros os
casos, onde o amigo é sumariamente retirado da lista de contatos. As pessoas
tendem a ser diferentes, é óbvio. Cada um de nós é submetido a uma história
peculiar de reforçamento e acaba por apresentar uma identidade que é única,
idiossincrática.
Avançamos segundo o que é reforçado, na medida em que entramos em
um grupo e vamos adaptando-nos a ele, aceitando regras e discursos que nos são
impostos de formas sutis. Não precisa haver ameaça física ou constrangimento
pela força, ajustamo-nos a partir de coisas simples. Risadas de escárnio quando
você expressa um pensamento que é contrário às ideias do grupo, uma brincadeira
debochada com relação ao seu comentário ou a simples desconsideração do que foi
dito, como se aquilo não tivesse importância. Enquanto isso, as falas que
pertencem ao conjunto de valores e verdades do grupo são ouvidas com atenção,
aceitas, recebem comentários e gestos de acolhimento, elogio e apreciação.
Dizemos no primeiro caso que estamos sendo punidos (mesmo que sutilmente)
e vamos, muitas vezes, sem perceber, abandonando ou pelo menos deixando de
expressar aquele conjunto de ideias e valores quando estamos na presença do
grupo. Isso significa que somos capazes de discriminar a situação e passamos a
responder de acordo com o estímulo que aquele grupo representa. No outro caso,
as nossas falas vão sendo reforçadas e, por isso, aumentam de ocorrência. Como
o grupo reforça nossas respostas, tendemos a falar mais e mais conforme nossas
compreensões de mundo são consoantes às do grupo. Reforço e punição assim
disponibilizados pelos colegas vão direcionando-nos para um lado ou outro dos
vários conjuntos de ideias existentes. Esforçamo-nos para não sermos
divergentes e, assim, vamos estabelecendo os nichos que ocuparemos, evitando os
ambientes em que somos punidos e acomodando-nos aos ambientes onde somos mais
aceitos ou, mais precisamente, reforçados.
O mundo das redes sociais acelera esse processo de discriminação
de respostas. Os sistemas de disponibilidade de informação tendem a
apresentar-nos cada vez mais o que mais clicamos, apreciamos, curtimos,
comentamos, compartilhamos. Nessa medida, os aplicativos disponibilizam aos
nossos olhos e fazem com que encontremos sempre mais do mesmo. Entramos em
contato, cada vez mais, com aquilo que mostramos gostar e menos com o que
divergimos. A recorrência e iteratividade do processo faz com que tenhamos a
impressão que o mundo é muito parecido com aquilo que achamos dele.
O problema ocorre quando, por uma razão ou outra, uma informação
que destoa de nossa visão de mundo nos é apresentada. Sentimo-nos aviltados,
confrontados e perguntamo-nos como alguém pode ter semelhante conjunto de
ideias. Ao reencontrarmos amigos e parentes que há muito não víamos, ou mesmo
ao aceitar uma pessoa que não conhecemos tão bem quanto julgamos conhecer, é
comum que sejamos surpreendidos com o diferente, o dissonante, com visões de
mundo que, muitas vezes, nos causam repulsa.
A resposta geral de algumas pessoas ao visualizar concepções que
causam horror ou pelo menos estranhamento é o de retirar a pessoa responsável
por ela de nossos círculos de amizade virtual. A grande vantagem, e ao mesmo
tempo o principal problema, é que, ao fazê-lo, restringimos ainda mais o
circuito que pode trazer-nos o distinto, de confrontar-nos com o destoante. Sem
a presença do divergente, vemos sempre mais e mais do mesmo e acreditamos ser
minoria aqueles que veem o mundo de forma diferente da nossa. Isso somado à
proteção que o escrever virtualmente nos dá é uma das razões que potencializam
a emergência de posturas agressivas, vis, extremadas e intransigentes que
encontramos em níveis elevadíssimos nas redes sociais.
Caso queiramos uma sociedade melhor, será realmente o caminho mais
adequado retirar o divergente de nossa lista de contatos e pensar que o mundo é
construído a nossa imagem e semelhança? Ou, a despeito do desconforto que a
presença de pessoas com ideias e ideais distintos dos nossos traz, é preferível
realizar o confronto entre tais posições para que um consenso seja minimamente
possível? Por fim, não seria relevante manter aqueles que nos são diferentes
pelo menos como um lembrete de que nossa forma de ver o mundo não é única? No
fundo, os divergentes estão aí e, nas redes sociais ou fora delas, são uma
ameaça ao nosso universo particular. Extirpá-los ou aprender a conviver com eles, eis
um dos dilemas com os quais temos que conviver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário