sábado, 25 de abril de 2015

ARTIGO



Terceirização Trabalhista - Novos (ou velhos) caminhos?



Juliana Lima 
Acadêmica de Direito


Atualmente no centro das discussões no Brasil, notadamente em decorrência do polêmico PL 4.330/04, a terceirização é fenômeno antigo. Conceituada, de maneira sucinta, como a transferência de atividades da empresa para terceiros, a terceirização surgiu como mecanismo de reacomodação da produção, num momento em que a descentralização da atividade produtiva e a busca pela especialização despontavam como novo modelo da indústria capitalista.

No Brasil, apenas no fim da década de 60 e início da de 70 é que a terceirização ganhou relevo - embora antes disso, timidamente se fosse possível observar, em determinados setores, a adoção do modelo descentralizador de produção e mão de obra.

O fato é que, se de início, a terceirização representou a possibilidade de viabilizar o aumento da performance das empresas (através da redução de custos e da especialização da produção), em contrapartida, criou para a massa trabalhadora terceirizada uma situação nitidamente desfavorável. Eis o impasse.

Ora, o conflito de interesses é evidente e encontra (ou deveria encontrar) sua resposta no plano constitucional. É certo que o Brasil, como Estado Democrático de Direito, elegeu como fundamentos, dentro outros, o valor social do trabalho e da livre iniciativa. Conclui-se, portanto, que a atividade econômica pode ser livremente exercida (e é incentivada), desde que respeitados o valor social do trabalho e a dignidade do trabalhador.

Ocorre que a terceirização, embora seja ferramenta eficaz do ponto de vista empresarial, carrega também o poder de reduzir a pó importantes garantias fundamentais conquistadas pelos trabalhadores. E a realidade fática no Brasil, lamentavelmente, assim tem demonstrado.

Com a terceirização, a clássica relação bilateral de trabalho - empregado x empregador - dá espaço a uma relação jurídica trilateral, em que o aspecto econômico do trabalho se dissocia do vínculo justrabalhista que lhe seria correspondente.[1]

Em outras palavras, enquanto a força de trabalho do obreiro aproveita especialmente ao tomador dos serviços, as obrigações decorrentes dessa atípica relação trabalhista são suportadas por um terceiro, o fornecedor da mão de obra - que, não raro, não conta com estrutura e solidez para fazê-lo.

Além disso, a terceirização permite que em uma mesma empresa, empregado direto e terceirizado compartilhem o mesmo ambiente laboral, realizem as mesmas tarefas, desempenhem a mesma função, sem que lhes sejam garantidos os mesmos direitos. É que, sob o cruel argumento de que não estão subordinados ao mesmo empregador, busca-se justificar uma injustificável ofensa aos princípios da isonomia e da dignidade do trabalhador.

O resultado disso é uma série de trabalhadores praticamente invisíveis aos olhos do "patrão". Trabalhadores em conflito, que não constroem uma identidade como profissionais e não se sentem parte de um todo. Obreiros que não fortalecem um vínculo de confiança com seu empregador formal (prestador da mão de obra) e tampouco com aquele que, no fim das contas, se beneficia de sua força criadora (tomador). Logo, o obreiro volta a ser mera ferramenta no ciclo produtivo, restando mitigada a função social do trabalho, como mecanismo de realização pessoal e dignidade do trabalhador.

Não fosse o bastante, nota-se, ainda, um menor cuidado com os trabalhadores terceirizados no tocante à proteção de sua saúde e segurança laboral, resultado de ações mal planejadas, dirigidas e fiscalizadas, dos dois entes empresariais.
Como se vê, o panorama é preocupante, e atinge a um número elevadíssimo de trabalhadores. E se, de um modo geral, o Direito sempre caminha a um passo atrás da realidade fática, no que se refere ao fato social da terceirização, se agiganta esse passo. Atualmente, a legislação brasileira trata de casos específicos de terceirização, a exemplo da Lei 6.019/74 (trabalho temporário), o Decreto Lei 200/67 e a Lei5.645/70, que tratam do setor público e a Lei 7.102/83 (vigilância bancária).

As diretrizes gerais, contudo, estão a cargo da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que através da conhecida Súmula 331, regula a prática da terceirização trabalhista no Brasil. Evidentemente, urge, há muito, norma jurídica que discipline essa prática tão disseminada e enraizada no panorama sociolaboral do país.

A resposta oferecida pelo Legislativo é o PL 4.330/04, que propõe diretrizes da "nova terceirização". A retardatária proposta, todavia, não se coaduna à realidade fática e, flagrantemente, piora (e muito) a já difícil situação desses trabalhadores.

Em síntese, o projeto de lei considera um avanço à economia brasileira: autorização indiscriminada para terceirizar trabalhadores em todos os setores da empresa (o que gera a curiosa possibilidade de empresa sem empregados[2]), inclusive no setor público (em afronta ao principio do concurso público insculpido no art. 37, II, CF); possibilidade de quarteirização; responsabilidade meramente subsidiária do tomador de serviços.

O certo é que o texto do projeto, além de não corresponder aos anseios da sociedade, relega essa classe trabalhadora (que, obviamente, passará a ser a maior) a uma condição de total desrespeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da função social do trabalho, da segurança.

Se aprovado o PL 4.330/04 nos termos até então propostos, certamente restará ampliada a rotatividade nos postos de trabalho e, consequentemente, praticamente anulada a identificação do trabalhador à empresa; ocorrerá significativa deterioração das condições de trabalho e fragilização ainda maior da ação sindical, atualmente já em crise.


É indiscutível que a terceirização precisa urgentemente de regulamentação, já que se tornou fenômeno absolutamente intrínseco a atual realidade social, econômica e laboral brasileira. Inobstante, não se admite que, para vencer o silêncio normativo hoje vigente, o preço pago seja o desrespeito aos direitos sociais garantidos, pela Constituição da República, a cada um e a todos os trabalhadores deste país. Busquemos novos (e justos) caminhos.

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