Terceirização Trabalhista - Novos (ou velhos) caminhos?
Juliana Lima
Acadêmica
de Direito
Atualmente no centro das discussões no Brasil, notadamente em
decorrência do polêmico PL 4.330/04, a terceirização é fenômeno antigo.
Conceituada, de maneira sucinta, como a transferência de atividades da empresa
para terceiros, a terceirização surgiu como mecanismo de reacomodação da
produção, num momento em que a descentralização da atividade produtiva e a
busca pela especialização despontavam como novo modelo da indústria
capitalista.
No Brasil, apenas no fim da década de 60 e início da de 70 é
que a terceirização ganhou relevo - embora antes disso, timidamente se fosse
possível observar, em determinados setores, a adoção do modelo descentralizador
de produção e mão de obra.
O fato é que, se de início, a terceirização representou a
possibilidade de viabilizar o aumento da performance das empresas (através da
redução de custos e da especialização da produção), em contrapartida, criou
para a massa trabalhadora terceirizada uma situação nitidamente desfavorável.
Eis o impasse.
Ora, o conflito de interesses é evidente e encontra (ou
deveria encontrar) sua resposta no plano constitucional. É certo que o Brasil,
como Estado Democrático de Direito, elegeu como fundamentos, dentro outros, o
valor social do trabalho e da livre iniciativa. Conclui-se, portanto, que a
atividade econômica pode ser livremente exercida (e é incentivada), desde que
respeitados o valor social do trabalho e a dignidade do trabalhador.
Ocorre que a terceirização, embora seja ferramenta eficaz do
ponto de vista empresarial, carrega também o poder de reduzir a pó importantes
garantias fundamentais conquistadas pelos trabalhadores. E a realidade fática
no Brasil, lamentavelmente, assim tem demonstrado.
Com a terceirização, a clássica relação bilateral de trabalho
- empregado x empregador - dá espaço a uma relação jurídica trilateral, em que
o aspecto econômico do trabalho se dissocia do vínculo justrabalhista que lhe
seria correspondente.[1]
Em outras palavras, enquanto a força de trabalho do obreiro
aproveita especialmente ao tomador dos serviços, as obrigações decorrentes
dessa atípica relação trabalhista são suportadas por um terceiro, o fornecedor
da mão de obra - que, não raro, não conta com estrutura e solidez para fazê-lo.
Além disso, a terceirização permite que em uma mesma empresa,
empregado direto e terceirizado compartilhem o mesmo ambiente laboral, realizem
as mesmas tarefas, desempenhem a mesma função, sem que lhes sejam garantidos os
mesmos direitos. É que, sob o cruel argumento de que não estão subordinados ao
mesmo empregador, busca-se justificar uma injustificável ofensa aos princípios
da isonomia e da dignidade do trabalhador.
O resultado disso é uma série de trabalhadores praticamente
invisíveis aos olhos do "patrão". Trabalhadores em conflito, que não
constroem uma identidade como profissionais e não se sentem parte de um todo.
Obreiros que não fortalecem um vínculo de confiança com seu empregador formal
(prestador da mão de obra) e tampouco com aquele que, no fim das contas, se
beneficia de sua força criadora (tomador). Logo, o obreiro volta a ser mera
ferramenta no ciclo produtivo, restando mitigada a função social do trabalho,
como mecanismo de realização pessoal e dignidade do trabalhador.
Não fosse o bastante, nota-se, ainda, um menor cuidado com os
trabalhadores terceirizados no tocante à proteção de sua saúde e segurança
laboral, resultado de ações mal planejadas, dirigidas e fiscalizadas, dos dois
entes empresariais.
Como se vê, o panorama é preocupante, e atinge a um número
elevadíssimo de trabalhadores. E se, de um modo geral, o Direito sempre caminha
a um passo atrás da realidade fática, no que se refere ao fato social da
terceirização, se agiganta esse passo. Atualmente, a legislação brasileira
trata de casos específicos de terceirização, a exemplo da Lei 6.019/74
(trabalho temporário), o Decreto Lei 200/67 e a Lei5.645/70, que tratam do
setor público e a Lei 7.102/83 (vigilância bancária).
As diretrizes gerais, contudo, estão a cargo da
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que através da conhecida
Súmula 331, regula a prática da terceirização trabalhista no Brasil.
Evidentemente, urge, há muito, norma jurídica que discipline essa prática tão
disseminada e enraizada no panorama sociolaboral do país.
A resposta oferecida pelo Legislativo é o PL 4.330/04, que
propõe diretrizes da "nova terceirização". A retardatária proposta,
todavia, não se coaduna à realidade fática e, flagrantemente, piora (e muito) a
já difícil situação desses trabalhadores.
Em síntese, o projeto de lei considera um avanço à economia
brasileira: autorização indiscriminada para terceirizar trabalhadores em todos
os setores da empresa (o que gera a curiosa possibilidade de empresa sem
empregados[2]), inclusive no setor público (em afronta ao principio do concurso
público insculpido no art. 37, II, CF); possibilidade de quarteirização;
responsabilidade meramente subsidiária do tomador de serviços.
O certo é que o texto do projeto, além de não corresponder
aos anseios da sociedade, relega essa classe trabalhadora (que, obviamente,
passará a ser a maior) a uma condição de total desrespeito aos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da função social
do trabalho, da segurança.
Se aprovado o PL 4.330/04 nos termos até então propostos,
certamente restará ampliada a rotatividade nos postos de trabalho e,
consequentemente, praticamente anulada a identificação do trabalhador à
empresa; ocorrerá significativa deterioração das condições de trabalho e
fragilização ainda maior da ação sindical, atualmente já em crise.
É indiscutível que a
terceirização precisa urgentemente de regulamentação, já que se tornou fenômeno
absolutamente intrínseco a atual realidade social, econômica e laboral
brasileira. Inobstante, não se admite que, para vencer o silêncio normativo
hoje vigente, o preço pago seja o desrespeito aos direitos sociais garantidos,
pela Constituição da República, a cada um e a todos os trabalhadores deste país.
Busquemos novos (e justos) caminhos.
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