sábado, 25 de abril de 2015

ENTRELINHAS



Universidades federais, PL 4330 e ADIN 1923


    O Projeto de Lei (PL) 4330/2004 que estabelece uma terceirização trabalhista absolutamente desregrada e alcançando as atividades meio e fim das organizações tem estado sob os olhares da sociedade. Os receios sobre o PL repousam no fato de que, uma vez aprovado, significará uma minirreforma trabalhista com ampla perda de direitos dos trabalhadores brasileiros e precarização do trabalho. Enquanto comemorava-se a retirada do serviço público do alcance do PL 4330 no congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1923/1998, após 17 anos (isso mesmo, 17 anos!), aprovando-a parcialmente.  Dessa forma, o STF decidiu pela validade da prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde por meio de Organizações Sociais (OS).

Claudia March, Secretária Geral do ANDES-SN, uma das entidades signatárias da ADIN 1923, pondera sobre a aprovação pelo STF neste momento: "Na mesma semana em que o Congresso está discutindo a flexibilização dos direitos dos trabalhadores do setor público e privado e em que conseguimos retirar do PL 4330 a possibilidade da terceirização da atividade-fim na administração pública, uma alternativa se constrói para consolidar isso. O STF viabiliza a constitucionalidade de uma Lei que estava sendo questionada desde 1998. Isso não é por acaso". De fato, não é por acaso. Sem recorrer a teorias conspiratórias, mas apenas aos interesses de acumulação de capital, é possível entender os movimentos que têm sido realizados no Brasil rumo à redução do Estado Brasileiro. Mas essa análise ficará para outro momento.

 A decisão do STF dá continuidade à contrarreforma do Estado, além de respaldar e oferecer contornos de legitimidade jurídica aos ataques desferidos contra aqueles que lutam contra a precarização das condições de trabalho e em defesa dos serviços públicos de qualidade. As OS são apresentadas pelos defensores da visão liberal como mecanismos que assegurarão a eficácia e a eficiência na prestação de serviços em substituição aos organismos estatais, divulgados como onerosos e burocráticos. Contudo, diversos estudos têm mostrado que o uso de OS piora o atendimento ao cidadão, torna mais cara a prestação de serviço para o ente público, aprofunda a precarização do trabalho e é uma janela aberta à corrupção, superfaturamento e desvio de verbas.

As regras estabelecidas para o funcionamento do serviço público engessam sua atuação e dificultam o atendimento do interesse da população. Para contornar esses problemas, em vez de estabelecer regras mais claras e simples que facilitem a atuação dos órgãos públicos, estes são desmontados e privatizados ou substituídos por OS. Ludimar Rafain, advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Paraná, afirmou que: "Órgãos públicos foram extintos para criar as OS, sem realização de concurso público ou licitação. Essas entidades receberam estrutura pública, servidores públicos, informações privilegiadas e prestam serviço para todo o país. Grande parte delas é objeto de investigação do Ministério Público e dos Tribunais de Conta".

A forma como as OS são criadas representa uma burla às regras impostas ao serviço público pela legislação brasileira e segue na contramão dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência previstos no artigo 37 da constituição federal. Além disso, as OS afetam, direta ou indiretamente, os concursos públicos e os cargos, empregos, funções e remuneração dos servidores públicos.  No caso específico das universidades, por exemplo, a partir do posicionamento do supremo, não será mais necessário incluir o serviço público no PL 4330 para, entre outras coisas, contratar professores e pesquisadores por meio de OS.


A deliberação do STF atende os interesses do governo federal e significa, na prática, um processo de terceirização nas universidades federais. Os professores poderão ser contratados pela CLT, não mais pelo RJU, que não prevê o regime de Dedicação Exclusiva, sem a necessidade de concurso público e a partir da gerência da OS que pode passar por cima da autonomia universitária. A terceirização que já havia chegado aos serviços de limpeza, segurança e setores administrativos, agora está livre para alcançar a sala de aula das universidades federais. Esta é a pá de cal que faltava no processo de desmonte do sistema federal de ensino superior. Ou a sociedade se levanta agora contra a destruição desse patrimônio brasileiro ou poderá ser tarde demais!

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