quarta-feira, 29 de abril de 2015

ENTRELINHAS





Extinção de universidades federais?

O Projeto de Lei 4330, sob o pretexto de regulamentar, escancara o processo de terceirização, permitindo contratação de empresas e, portanto, de funcionários terceirizados, não só nas atividades meio, mas na atividade fim das organizações. Isso significa que uma empresa de autopeças pode contratar empresas terceirizadas para executar tanto atividades de segurança e limpeza (atividades meio) quanto para a produção das peças (atividade fim). Abre-se o curioso precedente de uma empresa ser simplesmente uma organização que contrata diversas empresas para fazer aquilo que ela, em tese, se propõe a fazer. A empresa contratante, assim, pode existir sem ter funcionários ou mesmo estrutura física.

Mesmo com pouca divulgação na grande mídia sobre o tema, parte significativa da sociedade mobilizou-se contra o PL das terceirizações. Gente atenta nas redes sociais à tramitação do projeto e, principalmente, sindicatos e outras associações em manifestações de rua, na luta contra a retirada de direitos sociais. A luta surtiu efeito e o serviço público foi retirado do PL 4330, não sendo este, portanto, mais afetado pela terceirização. Curiosamente, na mesma semana em que houve o ápice dessa luta e a conquista da remoção do serviço público do projeto, o Supremo Tribunal Federal (STF) resgatou e votou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1923/98, que se posicionava contrária ao estabelecimento de Organizações Sociais (OS), conforme preconizado pela Lei 9637/98. A ADIN ajuizada desde 1998, portanto há 17 anos, foi desengavetada e os ministros do STF posicionaram-se pela validade parcial da ADIN. A partir do posicionamento dos ministros, caiu a última barreira legal para a contratação de OS para prestar serviços públicos.

O processo de desmonte da máquina estatal de atendimento à população, que se organiza a partir da contrarreforma de Estado, proposta por Bresser Pereira, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, avança no seu marco legal e político durante o governo de Dilma Rousseff. A ADIN analisada pelo STF era oriunda das lutas sindicais no âmbito jurídico, assim como são também vários questionamentos direcionados ao Tribunal de Contas da União quanto ao custo e a qualidade dos serviços prestados pelas OS. O posicionamento do STF põe fim à possibilidade de questionar a constitucionalidade da realização de contratos de terceirização de atividades em várias esferas do serviço público, incluindo saúde e educação.
O discurso governamental apresentado à população desde a proposta de Bresser é a de que a utilização de OS na esfera pública se prestaria a melhorar a qualidade e desonerar os custos, em suma melhorar a eficácia e eficiência dos serviços públicos. O que não se diz, embora possa ser facilmente encontrado em documentos oficiais como no caderno oficial intitulado “Organizações Sociais” (Secretaria da Reforma do Estado. Brasília: Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997, Cadernos MARE da reforma do Estado, v. 2, p. 18) é que “o propósito central do ‘Projeto Organizações Sociais’ é proporcionar um marco institucional de transição de atividades estatais para o terceiro setor”.
Dentro do projeto Organizações Sociais, um termo é significativamente relevante: publicização. Segundo o caderno já citado, “Um outro processo que se insere no quadro mencionado acima é o movimento em direção ao setor público não-estatal, no sentido de responsabilizar-se pela execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Chamaremos a esse processo de publicização. Por meio de um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal, o denominado terceiro setor, a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle”.
Esse projeto de contrarreforma do Estado, proposto por Bresser Pereira e executado por todos os presidentes desde sua proposição, visa retirar o Estado do papel de executor ou prestador de serviços como saúde, educação, cultura e pesquisa. Resumindo, privatização do serviço público! A privatização foi buscada diretamente por meio da entrega à iniciativa privada das empresas estatais que geravam somas vultosas de recursos, como é o caso de EMBRATEL e Vale do Rio Doce. Onde isso não foi possível de forma direta, Bresser propôs a publicização como mecanismo de acabar com a oferta de serviços públicos pelo Estado, privatizando de forma indireta. Nesse caso, os órgãos públicos, por meio de publicização, são extintos e suas atribuições colocadas sob controle da OS, permitindo ao Estado não ter mais responsabilidade direta pela prestação do serviço. Na proposta de Bresser, entidades estatais como universidades federais e órgãos de pesquisa como a EMBRAPA serão extintos (Não, não é engano! Serão extintos!), inventariados e suas atividades incorporadas por uma OS por meio de contratos de gestão entre a organização e o Estado. Esse mecanismo de extinção de universidades, hospitais e órgãos de pesquisa com transferência de suas atividades para uma empresa do terceiro setor, a gente discute no próximo texto.

Extinção de universidades federais? – Parte 2
Em “Extinção das universidades federais?” começamos a entender a relação entre o PL 4330 que trata da terceirização, a ADIN 1923 que trata das Organizações Sociais e o processo de extinção de universidades, hospitais e órgãos de pesquisa com transferência de suas atividades para uma empresa do terceiro setor através da publicização.
O “propósito central do Projeto Organizações Sociais é proporcionar um marco institucional de transição de atividades estatais para o terceiro setor e, com isso, contribuir para o aprimoramento da gestão pública estatal e não-estatal”. O propósito é bonito, entretanto, começamos a vislumbrar no texto anterior como esse discurso da contrarreforma do Estado, proposta por Bresser Pereira no governo Fernando Henrique Cardoso e que se estende até hoje, escamoteia um processo de extinção de órgãos públicos como universidades, hospitais e órgãos de pesquisa com a subsequente transferência de suas atividades para uma empresa do terceiro setor.

Vimos como o PL 4330 que tramita no congresso federal e a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1923/98 que trata do estabelecimento de Organizações Sociais (OS), conforme preconizado pela Lei 9637/98, são faces desse desmonte do Estado. E como, sob o eufêmico termo publicização, a contrarreforma, hoje capitaneada por Dilma Rousseff, visa retirar o Estado do papel de executor ou prestador de serviços como saúde, educação, cultura e pesquisa. Para compreender esses preceitos, vamos destacar trechos do caderno oficial intitulado “Organizações Sociais” (Secretaria da Reforma do Estado. Brasília: Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997, Cadernos MARE da reforma do estado, v. 2, p. 18), que aparecem ao longo deste texto entre aspas, bem como suas implicações.

A proposta de Organizações Sociais (OS) assume a publicização como estratégia de reforma do Estado (denominada aqui de contrarreforma por retirar direitos dos cidadãos). Com a publicização, o Estado transfere para a OS suas atribuições, bem como recursos, bens e equipamentos, desobrigando-se de prestar o serviço e passando a ser, simplesmente, um órgão de controle. As entidades (universidades, museus, institutos de pesquisa...) cujas funções vierem a ser absorvidas por alguma OS, deverão, em sua maioria ser extintas. A OS ao absorver as atividades de uma entidade, adotarão a denominação e o símbolo da entidade extinta. Como entidades de direito privado, Do ponto de vista da gestão de recursos, as Organizações Sociais não estão sujeitas às normas que regulam a gestão de recursos humanos, orçamento e finanças, compras e contratos na Administração Pública”. Fica aqui uma pergunta, se os recursos do Estado, inclusive com dotação no Orçamento Geral da União, serão destinados as OS, e estas poderão usá-los com a liberdade inerente à iniciativa privada, por que as entidades que serão absorvidas não podem ter um regime de funcionamento que facilite sua gestão financeira?

É interessante notar que não se trata da conversão de uma entidade estatal em uma OS, é a extinção do órgão do Estado e a criação de uma organização social que passa a assumir as funções da primeira. Isso fica claro no caderno Organizações Sociais ao tratar do processo de publicização. Segundo o texto: “A implementação de Organizações Sociais implica duas ações complementares: a publicização de determinadas atividades executadas por entidades estatais (que serão extintas); e a absorção dessas atividades por entidades privadas qualificadas como OS, mediante contrato de gestão. Portanto, é imprópria a ideia segundo a qual organizações estatais seriam convertidas ou transformadas em OS. Atividades (não exclusivas de Estado), não entidades, são publicizadas. Entidades estatais são extintas após a publicização de suas atividades; não convertidas em OS”.

Então, as OS surgidas após o processo de publicização, embora mantenham os nomes das entidades das quais assumiram as atividades, são outras instituições completamente diferentes. Isso deixa claro que as instituições como universidades federais e entidades de pesquisa passarão a existir e ser regidas sob outra lógica. O nome Universidade Federal do Amapá, por exemplo, continuará existindo, mas será outra instituição, agora uma OS e não um órgão federal e, portanto, não será mais regida pelo Estado. Este se desobriga dessa atividade e passa a controlar a instituição por meio de contratos de gestão que deverão ser executados pela ‘OS Universidade Federal do Amapá’.

A figura “Processo de publicização” deixa claro que será efetivada a “extinção da entidade estatal”, cujos recursos serão inventariados e, quando da assinatura do contrato entre o Estado e a OS, esta receberá daquele recurso, cessão de pessoal, permissão para uso de patrimônio e sub-rogação de contratos. Entidades como as universidades federais, por exemplo, deixarão de existir sob a forma pela qual tradicionalmente as conhecemos. Embora o discurso do caderno OS negue, os contratos de gestão caminharão para a obtenção de lucro, portanto, é uma privatização das universidades. Focadas no lucro, encerra-se toda a ideia do ensino nestas instituições como um direito social e a educação brasileira caracteriza-se de vez em sua face mercantilista. Mesmo que o passo inicial como tem sido efetivado em algumas instituições como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) não tenha se caracterizado pela imediata extinção dos entes públicos cujas atividades ela tem assumido, nada garante que os movimentos seguintes caminhem para a lógica prevista na contrarreforma de Estado apresentada por Bresser Pereira.

Militantes sociais e sindicais, principalmente de movimentos estudantis combativos e de sindicatos de docentes e servidores técnico-administrativos lutaram arduamente (as greves são parte relevante desse combate) e conseguiram impedir o processo de privatização da universidade brasileira até agora. O horizonte próximo que se vislumbra é o de extinção de órgãos públicos. Extinção de entidades de pesquisa, extinção de museus, extinção de universidades federais. E você, como se posicionará em relação à extinção desses órgãos e da universidade que você estudou, estuda ou pretende estudar? Agora é o momento de posicionamentos! É o momento de lutar! Participe!

Legenda da figura (disponível na página seguinte):
Processo de publicização. Fonte: “Organizações Sociais” (Secretaria da Reforma do Estado. Brasília: Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997, Cadernos MARE da reforma do estado, v. 2, p. 18).

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