sábado, 2 de maio de 2015

Artigo do Tostes



A casa é uma caixa?

Em artigos anteriores, exploramos a visão de inúmeras experiências sobre habitação por todo o território brasileiro, em muitas delas, constatamos a gravidade da situação. É válido salientar que toda crítica construtiva merece ser analisada atentamente, visa, única e exclusivamente formar uma opinião balizada sobre a temática da habitação e suas diferentes necessidades. Em um rápido recorrido pelos últimos anais de eventos importantes na área de Arquitetura e Urbanismo e Planejamento Urbano Regional como: ANPUR (2013); PLURIS (2014) e ENANPARQ (2014) verifica-se um bom número de trabalhos sobre o tema da habitação popular no Brasil.

Entre tantos trabalhos produzidos quase 50% de todo este universo está relacionado aos estudos morfológicos, bons trabalhos que ajudam a compreender a natureza física de projetos concebidos, porém, quando miramos uma reflexão mais apurada sobre o processo crítico e social da realidade do tema da habitação, vamos perceber com razão de mérito, que existe uma boa contextualização da realidade brasileira, quando se trata de avaliar as causas de problemas estruturais da habitação, entretanto, muito distante de uma proposta concreta de inserção política e social.

No conjunto dos diversos trabalhos produzidos, ainda é escasso a discussão mais ampliada sobre um item importante, que pode ser visto muito mais em trabalhos nos congressos sociais, do que propriamente nos três eventos citados, é o tema da cooperação política e social, até que ponto, o Estado ainda pode ser o detentor das ações sobre espaço urbano? Tal pergunta está diretamente relacionada à forma como as políticas públicas são idealizadas, completamente alheias ao que pensam as universidades. Pode ser que verdadeiramente estejamos na contramão de todo o processo social, quando os eventos são pensados e idealizados, a sociedade está longe do debate, os setores políticos mais ainda, neste contexto, o produto acadêmico é socializado somente entre os pares, o que é um equivoco completo.

É importante publicar em jornais, revistas especializadas e produzir livros, mas tudo isso só ganha sentido se todo este produto tiver ao alcance da sociedade. A produção científica e acadêmica no Brasil e no mundo é muito grande, não é atoa, que os eventos têm uma periodicidade de dois anos, publica-se uma diversidade imensa de material, todavia, não existe a mesma proporção em relação à conectividade com a sociedade como um todo. O que estaria faltando para isso? Até quando os eventos vão ignorar que não dá mais para realizar investimentos altíssimos para que a própria academia divulgue para si o que ela produz? Esta é uma pergunta importante para ser respondida.

Com os critérios atuais de exigências para os programas de pós-graduações, para que os pesquisadores só publiquem em periódicos, fica claro, que em breve, os eventos estarão esvaziados da maior parte dos pensadores do país, talvez, seja o momento de redimensionar a estrutura de tais eventos, possibilitando que a ciência tenha participação mais efetiva no debate de temas importantes sobre a realidade nacional. A habitação não é somente um tema técnico, é uma questão política. Os trabalhos produzidos nos três eventos citados mostram que o encadeamento da questão técnica foi superado, entretanto, a questão política não.

Os resultados são os piores possíveis para toda a sociedade, o que presenciamos na prática, são projetos de casas como caixas, espaços reduzidos, com pouca mobilidade, nenhum ser humano merece este tipo de arquitetura, para isso, não precisa de arquiteto. Os exemplos de propostas construídas pelo Brasil afora evidenciam um modelo segregador, em nada combina com os princípios definidos, por exemplo, no Estatuto da Cidade. Casa enquanto caixa oprime as pessoas, contribui para a baixa estima, amplia a formação de guetos e aumenta índices de violência e coerção no ambiente urbano.

Portanto, o debate científico não pode mais ficar restrito na questão físico-morfológica, nos detalhes técnicos, nas questões puramente projetuais, precisa ir além deste cenário já bastante debatido em décadas. A organização coletiva precisa ser fortalecida, pois precisamos estar mais aptos a entender a dinâmica social, são através das esferas colegiadas que devem ocorrer: controle, fiscalização e monitoramento de tudo o que foi idealizado para o espaço urbano. Os eventos tem uma importância capital para acumular e avançar em novos repertórios. Produzir ciência custa muito dinheiro, o próprio país investe boa parte do orçamento Ciência e Tecnologia na produção de ciência, mas, não canaliza todo este esforço no desenvolvimento da própria Nação.


A realidade tá evidente, não queremos mais casa como caixa, porém, é preciso estruturar novos rumos. Precisamos construir outras rotas fora desta concepção de uma arquitetura que oprime as pessoas, só reforça a ideia de espaços completamente transgressores. As universidades tem a obrigação de ter uma nova postura. A União tem a obrigação de intercalar melhor os recursos existentes para que os pesquisadores nacionais possam produzir em favor da sociedade, não podemos mais realizar uma quantidade de eventos para falar somente para o próprio segmento acadêmico, é muito pouco, sob pena de legitimarmos de forma permanente, que casa, de fato, é uma “caixa”.

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