A casa
é uma caixa?
Em artigos anteriores, exploramos a
visão de inúmeras experiências sobre habitação por todo o território
brasileiro, em muitas delas, constatamos a gravidade da situação. É válido
salientar que toda crítica construtiva merece ser analisada atentamente, visa,
única e exclusivamente formar uma opinião balizada sobre a temática da
habitação e suas diferentes necessidades. Em um rápido recorrido pelos últimos
anais de eventos importantes na área de Arquitetura e Urbanismo e Planejamento
Urbano Regional como: ANPUR (2013); PLURIS (2014) e ENANPARQ (2014) verifica-se
um bom número de trabalhos sobre o tema da habitação popular no Brasil.
Entre tantos trabalhos produzidos quase
50% de todo este universo está relacionado aos estudos morfológicos, bons
trabalhos que ajudam a compreender a natureza física de projetos concebidos,
porém, quando miramos uma reflexão mais apurada sobre o processo crítico e social
da realidade do tema da habitação, vamos perceber com razão de mérito, que
existe uma boa contextualização da realidade brasileira, quando se trata de
avaliar as causas de problemas estruturais da habitação, entretanto, muito
distante de uma proposta concreta de inserção política e social.
No conjunto dos diversos trabalhos produzidos,
ainda é escasso a discussão mais ampliada sobre um item importante, que pode
ser visto muito mais em trabalhos nos congressos sociais, do que propriamente
nos três eventos citados, é o tema da cooperação política e social, até que
ponto, o Estado ainda pode ser o detentor das ações sobre espaço urbano? Tal
pergunta está diretamente relacionada à forma como as políticas públicas são
idealizadas, completamente alheias ao que pensam as universidades. Pode ser que
verdadeiramente estejamos na contramão de todo o processo social, quando os
eventos são pensados e idealizados, a sociedade está longe do debate, os
setores políticos mais ainda, neste contexto, o produto acadêmico é socializado
somente entre os pares, o que é um equivoco completo.
É importante publicar em jornais,
revistas especializadas e produzir livros, mas tudo isso só ganha sentido se
todo este produto tiver ao alcance da sociedade. A produção científica e
acadêmica no Brasil e no mundo é muito grande, não é atoa, que os eventos têm
uma periodicidade de dois anos, publica-se uma diversidade imensa de material,
todavia, não existe a mesma proporção em relação à conectividade com a
sociedade como um todo. O que estaria faltando para isso? Até quando os eventos
vão ignorar que não dá mais para realizar investimentos altíssimos para que a
própria academia divulgue para si o que ela produz? Esta é uma pergunta
importante para ser respondida.
Com os critérios atuais de exigências
para os programas de pós-graduações, para que os pesquisadores só publiquem em
periódicos, fica claro, que em breve, os eventos estarão esvaziados da maior
parte dos pensadores do país, talvez, seja o momento de redimensionar a
estrutura de tais eventos, possibilitando que a ciência tenha participação mais
efetiva no debate de temas importantes sobre a realidade nacional. A habitação
não é somente um tema técnico, é uma questão política. Os trabalhos produzidos
nos três eventos citados mostram que o encadeamento da questão técnica foi
superado, entretanto, a questão política não.
Os resultados são os piores possíveis
para toda a sociedade, o que presenciamos na prática, são projetos de casas
como caixas, espaços reduzidos, com pouca mobilidade, nenhum ser humano merece
este tipo de arquitetura, para isso, não precisa de arquiteto. Os exemplos de
propostas construídas pelo Brasil afora evidenciam um modelo segregador, em
nada combina com os princípios definidos, por exemplo, no Estatuto da Cidade.
Casa enquanto caixa oprime as pessoas, contribui para a baixa estima, amplia a
formação de guetos e aumenta índices de violência e coerção no ambiente urbano.
Portanto, o debate científico não pode
mais ficar restrito na questão físico-morfológica, nos detalhes técnicos, nas
questões puramente projetuais, precisa ir além deste cenário já bastante
debatido em décadas. A organização coletiva precisa ser fortalecida, pois
precisamos estar mais aptos a entender a dinâmica social, são através das
esferas colegiadas que devem ocorrer: controle, fiscalização e monitoramento de
tudo o que foi idealizado para o espaço urbano. Os eventos tem uma importância
capital para acumular e avançar em novos repertórios. Produzir ciência custa
muito dinheiro, o próprio país investe boa parte do orçamento Ciência e
Tecnologia na produção de ciência, mas, não canaliza todo este esforço no
desenvolvimento da própria Nação.
A realidade tá evidente, não queremos
mais casa como caixa, porém, é preciso estruturar novos rumos. Precisamos
construir outras rotas fora desta concepção de uma arquitetura que oprime as
pessoas, só reforça a ideia de espaços completamente transgressores. As
universidades tem a obrigação de ter uma nova postura. A União tem a obrigação
de intercalar melhor os recursos existentes para que os pesquisadores nacionais
possam produzir em favor da sociedade, não podemos mais realizar uma quantidade
de eventos para falar somente para o próprio segmento acadêmico, é muito pouco,
sob pena de legitimarmos de forma permanente, que casa, de fato, é uma “caixa”.
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