Por que as taxas de juros são tão elevadas no
Brasil
Maria Lucia Fattorelli*
O
Brasil é o país que mais gasta com juros. Tanto os juros incidentes sobre os
títulos da chamada “dívida pública”, como os juros pagos pela sociedade em
geral nas operações de crédito (empréstimos, cheque especial, cartão de crédito
etc.) são disparadamente os mais elevados do mundo! Não existe justificativa
técnica, econômica, política ou moral para a cobrança de taxas tão elevadas,
que prejudicam toda a sociedade e o próprio país. Os juros extorsivos
esterilizam grande quantidade de recursos que deveriam estar circulando na
economia produtiva, pagando melhores salários e viabilizando serviços sociais
que garantiriam vida digna para as pessoas. O único beneficiário dessa generosa
aberração é o setor financeiro privado nacional e internacional. E o maior
responsável: o Banco Central do Brasil.
É
simples.
No
caso da dívida pública, é o Banco Central que convoca e realiza as reuniões com
investidores que irão influenciar a decisão sobre a taxa Selic – taxa básica de
juros – pelo COPOM. Para essas reuniões convida, quase que exclusivamente,
representantes do próprio mercado financeiro que detém a imensa maioria dos
títulos da dívida. O que acham que os interessados em continuar recebendo as
elevadas remunerações dos juros irão recomendar? É evidente o conflito de
interesses. A recomendação desses especialistas é adotada pelo COPOM, sem
qualquer crivo ou sequer debate por parte do Congresso Nacional. A taxa passa a
vigorar como “lei” e ponto final. Das eleições realizadas em outubro do ano
passado até agora, a Selic já subiu 16% e está em 12,75% a.a. Já está convocada
nova reunião do COPOM para o dia 29/04/2015, que poderá aumentar ainda mais
essa taxa, como já vem sendo anunciado pela grande mídia.
Também
é o Banco Central que realiza os leilões para a venda dos títulos da dívida
interna emitidos pelo Tesouro Nacional. Na prática, os títulos têm sido
vendidos a taxas bem superiores à Selic, pois as poucas instituições financeiras
que detêm o privilégio de participar desses leilões – os chamados dealers – só
compram os títulos quando as taxas alcançam o patamar que desejam.
Generosamente, o Banco Central atende a desejo dos bancos e lhes oferece
elevadas taxas de juros.
No
caso dos juros cobrados da sociedade em geral pelas instituições financeiras, o
Banco Central impede que os bancos privados abaixem as taxas de juros cobradas
da população e empresas. Como assim? O Banco Central absorve todo o excesso de
moeda que os bancos têm em caixa, entregando-lhes, em troca, títulos da dívida
interna que rendem os maiores juros do mundo. Essa operação recebe o nome de
“operação compromissada” ou “operação de
mercado aberto”, e pode durar de um ou alguns dias a meses. Atualmente, cerca
de R$ 1 trilhão em títulos da dívida estão sendo utilizados nessas operações. O
que significa isso? Significa que R$ 1 trilhão poderiam estar no caixa dos
bancos e, certamente, esses não iriam querer deixar esse dinheiro parado, sem
render. O destino óbvio seria destinar esses recursos para empréstimos à
sociedade, aumentando a oferta, o que sem sombra de dúvida provocaria uma forte
queda nas taxas de juros. Os bancos entrariam em competição para oferecer taxas
menores às pessoas e empresas, o que levaria a uma redução ainda maior nas
escorchantes taxas cobradas pelo setor financeiro no Brasil. Pois bem; a
atuação do Banco Central impede que isso aconteça e garante aos bancos a
generosa remuneração dos títulos da dívida, sem risco algum. A justificativa que
tem sido dada para essa atuação é o “combate à inflação”, o que não se aplica,
pois o tipo de inflação que temos no Brasil decorre do abusivo aumento do preço
de tarifas [4] e de alguns alimentos [5],
Vivemos
uma verdadeira ciranda financeira no Brasil. Um dos países mais ricos do mundo,
onde faltam recursos para áreas essenciais como educação, saúde, saneamento
básico e para infraestrutura, não faltam recursos para os abundantes juros que
tornam o país como o local mais lucrativo do mundo para os bancos.
Nada
de discussão se existem recursos orçamentários para pagar os elevados juros
incidentes sobre os títulos da dívida pública; ou sequer preocupação de onde
virão os recursos. As limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal não se
aplicam à “política monetária”. Ou seja, se os recursos orçamentários
existentes no orçamento federal não são suficientes para pagar juros, são
emitidos novos títulos da dívida e esses são utilizados para pagar juros. Isso
mesmo. Estamos emitindo títulos para pagar grande parte dos juros nominais
incidentes sobre a dívida pública, o que fere a Constituição Federal, art. 167,
que proíbe a contratação de dívida para pagar despesas correntes. E juros são
despesas correntes, como salários, despesas de manutenção e demais despesas de
custeio que se consomem durante o ano e não se caracterizam como investimentos.
É por isso que denunciamos o Sistema da Dívida e exigimos a realização da
auditoria. Esse poderoso esquema está provocando enorme lesão aos cofres
públicos e à sociedade, além de aumentar de forma exponencial a própria dívida,
comprometendo o nosso futuro.
Por
isso são tão importantes os protestos que estão sendo organizados em todo o
país, contra o aumento das taxas de juros e pela auditoria da dívida. Estamos
pagando caro por uma conta que não é nossa. Vamos participar!
*Coordenadora
Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Membro da Comissão de Auditoria Oficial
da dívida Equatoriana, nomeada pelo Presidente Rafael Correa (2007/2008).
Assessora da CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados (2009/2010).
Convidada pela Presidente do parlamento Helênico, deputada Zoe Konstantopoulos
para integrar a Comissão de Auditoria da Dívida da Grécia a partir de
abril/2015.
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