quinta-feira, 25 de junho de 2015

ANTENADOS



Pequenos barbarismos

Ser brasileiro é uma fonte inesgotável de frustrações, barbarismos e consequente aprendizado. Você vai aprendendo a ser brasileiro, (réplica do resto dos brasileiros), ao mesmo tempo em que aprende também a odiar o modo como o brasileiro é. Xingando daqui, imprecando dali... Nem sempre se dando conta das contradições, só reclamando mesmo.
Não se trata de um inatismo, digamos assim, uma essência incontornável. Mas muito mais uma questão de reprodução de hábitos, condicionamento, osmose, defeitinho estrutural.
Há quem faça cara feia quando se diz "brasileiro é tudo igual"... Não somos assim necessariamente todos iguais, é verdade, mas somos de fato muito parecidos. Persistem ainda os que tentam fugir a todo custo de certas estereotipações, mas uma coisa é certa: existe sim um sentimento, uma força, um clima..., como queira chamar, um "troço" brasileiro que rege a todos nós neste país, sem excluir ninguém. É um jeito, um "jeitinho".
E por sinal, se existe um aspecto inclusivo nesta nação, este aspecto é justamente a propensão à malemolência que guia todos nós, ainda que não queiramos.
Dou exemplos, é claro. O primeiro que me ocorre é recente. Neste último mês de maio, houve uma paralisação geral organizada por todos os sindicatos do país contra o incentivo legal à terceirização. Aqui em Fortaleza, alguns sindicalistas se reuniram na Praça Portugal e, no final do dia, a cena era quase de tragédia grega: a praça tomada por um imenso mar azul de garrafinhas de água vazias, encobrindo toda a grama e o entorno do local.
Pois bem. Passei por ali em meu ônibus, voltando da faculdade no dia seguinte, e a mistura de comoção e ojeriza do povo dentro do transporte público, contra a porcariada deixada na praça, configurou-se quase uma histeria coletiva.
As gentes se levantavam dos assentos para olhar melhor a praga de garrafas PET pela janelinha do ônibus, e logo em seguida começou a chuva de xingamenos e imprecações contra os autores da bagunça.
O motorista do ônibus parecia o mais revoltado. Em sua raiva contra os outros sindicalistas, acabou por maldizer toda a "raça" brasileira. O jeitinho já conhecemos: falar mal de nós mesmos. Para em seguida vir a cereja do bolo: incorrermos no mesmo erro que condenamos, ou algo parecido. E o do motorista veio, é claro.
Na distração com a praça, fez barbeiragem no trânsito, quase atropelou uns, atrapalhou todo o fluxo na rotatória da Praça Portugal e de quebra ainda passou por uma parada sem frenar para os que esperavam. Às vezes acho até engraçado. Mas também não escapo impune.
Dia desses, tinha eu de ir a um aniversário e a festa fora marcada para as oito da noite. Eu, num acúmulo de desorganizações e displicências, fui dar as caras no lugar, mortificada, somente às dez da noite. Duas, duas imensas horas de atraso! Porque a gente pensa que vai dar certo, porque gosta do perigo de viver correndo e correndo... Nada mais brasileiro que isso. Essa fui eu, não fugindo ao defeitinho brasileiro do atraso crônico. Mas há ainda o grande final.
Quando cheguei à festa, suada e esbaforida, constatei logo que a aniversariante também chegara fazia pouco tempo. E ainda faltava chegar uma parte dos convidados também! Então, naquele momento, respiro fundo, aliviada. E o sorriso estampado em meu rosto é quase triunfo!
Essa é uma outra coisa a respeito do brasileiro, e quase nunca falta: sempre se regozijar ao pensar que, não importa quão dramática seja a sua situação, sempre tem alguém pior que você.

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