SE HÁ ALGO BONITO NA DOR
Bárbara
de Azevedo Costa
Fui
acordada de meu devaneio de férias quando uma amiga minha, de Fortaleza, veio
até mim (virtualmente) para compartilhar o sofrimento de episódios recentes
ocorridos em sua vida. Nessas horas, penso imediatamente na história de Jó. Ou
melhor, nos amigos de Jó.
Em
relação a eles, se existe mesmo uma lição que possa ser aprendida com esses
sujeitos bíblicos, é a de que amigo é aquele que sofre junto, chora junto. Não
necessariamente tem respostas prontas, conselhos lenientes ao sofrimento do
outro, mas, muito mais eficaz do que isso, entende que chorar com um amigo é,
de certa forma, sentir a dor dele em inteireza, respeitá-la, e já nesse mesmo ato
partilhar o fardo, ajudar a fazê-lo pesar menos.
Em
momentos de dor, me parece mesmo que o melhor amigo é aquele que não tem
necessariamente todas as respostas, explicações, justificativas, e sim o que
abraça e chora junto. Ser amigo é um exercício interminável.
Mas
chega a ocasião, de fato, em que algumas palavras precisam ser ditas, para que
se consiga respirar em meio ao caos e contemplar alguma boa perspectiva no
horizonte. Pensando sobre isso, e sobre o recente sofrimento de minha amiga, e
sobre o sofrimento geral de toda a gente, me ocorreu escrever como um lembrete
de que, embora estejamos sempre à porta de fins do mundo, outros momentos,
momentos que não estes de total desarranjo, nebulosidade e tristeza, eles virão.
As
crises econômicas passam, as feridas cicatrizam, as torneiras se consertam. Há,
nesses fins do mundo que experimentamos todos os dias, um quê de começo. E não
é em vão que dizem: todo fim é melhor que um começo. Coisas se aprendem, se
aperfeiçoam, e nos encontramos, de repente, mais fortes. Se tem uma coisa
bonita na dor, é esta: saber que ela passa e, afinal, sobrevivemos a ela; saber
que se pode ser feliz depois. E, de fato, a gente consegue.
Obviamente,
no momento mais pujante do sofrimento, parece que é tudo muito interminável,
imbatível. Parece que seremos engolfados por um tsunami de desespero, parece
que tudo perdeu sabor e o chão nos falta. Não há como pôr termo ao que se
sente.
Entretanto,
lentamente, muito lentamente, sem pressa, a dor teimosa e cega vai dando lugar
a suspiros que denunciam: já se está tão cansado de sofrer!... E por esse
cansaço, parece que vamos desistindo de remoer as dores, vivendo dia após dia a
se esquecer de sofrer um pouco mais por aquilo que se perdeu.
Depois
de mais uma dose ainda de tempo de recuperação e convivência com lembranças e
resíduos duros, chega aquela manhã em que você abre os olhos e não tem muita
certeza do que foi que se operou dentro de você, mas só sabe que, há uma porção
de dias, não pensa naquilo que antes fazia seu coração tremer e gelar, a
garganta encolher e o coração contorcer-se.
É
o momento em que você enfim se dá conta de que se curou, aprendeu a recolher
vestígios de modo a não se afetar mais por eles, e nem precisou de livros de
autoajuda (na maior parte das vezes), nem de uma lobotomia, como que para
apagar os antigos pensamentos e os fatos que culminaram no sofrimento. Tudo
simplesmente se conformou, entrou em seus devidos lugares, e a vida se
reorganizou sem maiores traumas, porque você soube esperar e também não
protelou o sentimento da dor, não o guardou para mais tarde, como que para
sofrer depois, se doía agora, doera.
Se
há algo bonito na dor, é esse momento póstumo, o do reaprender a sorrir. Ou
ainda, perceber que, na verdade, tenha passado o que for, você nunca
desaprendeu a sorrir. A dor não foi tão forte assim a ponto de esmagar você
totalmente, não. E você nunca deixou de ter o controle do seu sorriso e dos
seus motivos de alegria. Engoliu um pouco de água, brigou com a onda, sofreu
com olhos e nariz, é verdade, mas passou. Aí está você - ou logo estará -, de
volta à areia da praia, mais experiente para o próximo mergulho, dessa vez sem
afogamentos. Ou prudente o suficiente para perceber que talvez seja melhor
treinar um pouco mais na piscina.
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