sexta-feira, 17 de julho de 2015

ANTENADOS



SE HÁ ALGO BONITO NA DOR


Bárbara de Azevedo Costa

Fui acordada de meu devaneio de férias quando uma amiga minha, de Fortaleza, veio até mim (virtualmente) para compartilhar o sofrimento de episódios recentes ocorridos em sua vida. Nessas horas, penso imediatamente na história de Jó. Ou melhor, nos amigos de Jó. 
Em relação a eles, se existe mesmo uma lição que possa ser aprendida com esses sujeitos bíblicos, é a de que amigo é aquele que sofre junto, chora junto. Não necessariamente tem respostas prontas, conselhos lenientes ao sofrimento do outro, mas, muito mais eficaz do que isso, entende que chorar com um amigo é, de certa forma, sentir a dor dele em inteireza, respeitá-la, e já nesse mesmo ato partilhar o fardo, ajudar a fazê-lo pesar menos. 
Em momentos de dor, me parece mesmo que o melhor amigo é aquele que não tem necessariamente todas as respostas, explicações, justificativas, e sim o que abraça e chora junto. Ser amigo é um exercício interminável.
Mas chega a ocasião, de fato, em que algumas palavras precisam ser ditas, para que se consiga respirar em meio ao caos e contemplar alguma boa perspectiva no horizonte. Pensando sobre isso, e sobre o recente sofrimento de minha amiga, e sobre o sofrimento geral de toda a gente, me ocorreu escrever como um lembrete de que, embora estejamos sempre à porta de fins do mundo, outros momentos, momentos que não estes de total desarranjo, nebulosidade e tristeza, eles virão. 
As crises econômicas passam, as feridas cicatrizam, as torneiras se consertam. Há, nesses fins do mundo que experimentamos todos os dias, um quê de começo. E não é em vão que dizem: todo fim é melhor que um começo. Coisas se aprendem, se aperfeiçoam, e nos encontramos, de repente, mais fortes. Se tem uma coisa bonita na dor, é esta: saber que ela passa e, afinal, sobrevivemos a ela; saber que se pode ser feliz depois. E, de fato, a gente consegue.
Obviamente, no momento mais pujante do sofrimento, parece que é tudo muito interminável, imbatível. Parece que seremos engolfados por um tsunami de desespero, parece que tudo perdeu sabor e o chão nos falta. Não há como pôr termo ao que se sente.
Entretanto, lentamente, muito lentamente, sem pressa, a dor teimosa e cega vai dando lugar a suspiros que denunciam: já se está tão cansado de sofrer!... E por esse cansaço, parece que vamos desistindo de remoer as dores, vivendo dia após dia a se esquecer de sofrer um pouco mais por aquilo que se perdeu.
Depois de mais uma dose ainda de tempo de recuperação e convivência com lembranças e resíduos duros, chega aquela manhã em que você abre os olhos e não tem muita certeza do que foi que se operou dentro de você, mas só sabe que, há uma porção de dias, não pensa naquilo que antes fazia seu coração tremer e gelar, a garganta encolher e o coração contorcer-se.
É o momento em que você enfim se dá conta de que se curou, aprendeu a recolher vestígios de modo a não se afetar mais por eles, e nem precisou de livros de autoajuda (na maior parte das vezes), nem de uma lobotomia, como que para apagar os antigos pensamentos e os fatos que culminaram no sofrimento. Tudo simplesmente se conformou, entrou em seus devidos lugares, e a vida se reorganizou sem maiores traumas, porque você soube esperar e também não protelou o sentimento da dor, não o guardou para mais tarde, como que para sofrer depois, se doía agora, doera.
Se há algo bonito na dor, é esse momento póstumo, o do reaprender a sorrir. Ou ainda, perceber que, na verdade, tenha passado o que for, você nunca desaprendeu a sorrir. A dor não foi tão forte assim a ponto de esmagar você totalmente, não. E você nunca deixou de ter o controle do seu sorriso e dos seus motivos de alegria. Engoliu um pouco de água, brigou com a onda, sofreu com olhos e nariz, é verdade, mas passou. Aí está você - ou logo estará -, de volta à areia da praia, mais experiente para o próximo mergulho, dessa vez sem afogamentos. Ou prudente o suficiente para perceber que talvez seja melhor treinar um pouco mais na piscina.



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