A quieta procura
Quando menor, conversando com um adulto, na doce gabolice infantil de tão
inesperadamente receber atenção perdurada dos seres mais velhos, eu odiava
aquele momento em que de repente o olhar do outro se perdia, se desprendia do
meu rosto e começava a vagar pelo aposento até se fixar num ponto morto. E os
olhos deles então se faziam vazios e vidrados, e eu sabia ali que tinha perdido
meu adulto, passara a falar sozinha.
Lembrança forte que tenho é daquela tarde, hoje já amorfa e indefinível,
impossível de se rastrear com exatidão no calendário, uma tarde em que eu,
pequenina, conversava com tia minha sobre um bobo assunto sério meu, e ela
prestava tanta atenção em mim que me embevecia, para então o encanto ser
tirado: os olhos dela se moveram, se esvaziaram, resvalaram até o vidro das
grandes portas de madeira que se abrem na sala da casa para o jardim, e se
grudaram então na flor alaranjada de um hibisco que havia ali fora, para jamais
voltarem a meu rosto por longo tempo.
Foi esse o momento em que finalmente pude dar nome ao que já vinha percebendo:
os adultos não prestam atenção. E desde então eu vinha crescendo no esforço de
ser sempre uma criança muito atenta. E quando os adultos começavam a encarar os
vazios, eu os olhava com a agressividade passiva de quem queria entender com
todas as forças o seguinte mistério: "O que será esta quieta procura? O
que é que buscam?"
E a minha própria procura era tentar ver nas pupilas adultas qualquer ponto
cristalino que me permitisse acessar suas cabeças e descobrir o que é lhes
ensimesmava tanto.
Mas houve momento em que cresci e é provável que tenha me tornado também um
adulto de buscas quietas. Não sei bem quando me rendi à mazela do alienar-se,
mas é bem provável que de modo algum eu pudesse evitá-la.
A confirmação de meu estado veio agora nessas últimas férias que passei ao lado
de minha irmã pequena. Por diversas vezes eu me flagrava sendo flagrada por ela
naqueles alheamentos tão próprios dos adultos. Conversávamos nós duas e de
repente era como se já não conseguisse acessar o sentido do que a pequenina me
dizia, interessava apenas o pensamento que ia se tecendo no meu coração,
súbito, ensurdecendo os meus ouvidos e de repente conduzindo meus olhos para
qualquer ponto vazio do quarto.
Assustei-me quando notei que fazia assim o mesmo que fizeram desde o princípio
dos tempos todos os adultos e que eu em criança condenara. Agora, sendo grande
e olhando o mistério de dentro, entendo: não há explicação para ele, nada o
legitima.
Mas eu tenho esperanças de que agora possa conciliar o mundo da infância com o
mundo dos estranhos crescidos dando testemunho de que na verdade essa quieta
procura não deve em nada magoar os meninotes porque, a sério, é muitas vezes
nos pequenos que está a resposta ou o objetivo de toda busca empreendida por um
adulto.
Como quando faço a minha irmã uma pergunta qualquer, propositadamente plantada
a soar natural, do tipo: "Maninha, o que é um pensamento?", ou
"O que é um sonho?", e nesse momento é a criança que não percebe que
estou inteiramente submersa nela, ouvindo atenta a resposta e querendo-a, me
admirando de tudo o que diz em seu malabarismo inventivo e pueril de me
explicar o mundo através de seus olhos.
Que as crianças estejam em paz com os adultos. Os adultos também procuram quietamente
por verdades arrasadoras em respostas sérias e comprometidas e sem suspeita dos
olhinhos infantis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário