Reitores têm que escolher o
que não pagar!
Arley Costa
As
universidades federais, apesar de toda a enorme contribuição para o
desenvolvimento do Brasil, há tempos sofrem um processo de desmonte. No governo
de Fernando Henrique Cardoso a técnica envolveu um torniquete nos recursos e na
contratação de docentes e servidores técnico-administrativos. Depois,
aproveitando o sufoco provocado pelo estrangulamento anterior, os governos de
Lula e Dilma estipularam uma nova metodologia, desta vez disfarçada de expansão.
Oferecendo como contrapartida a reforma ou construção de alguns prédios e o
aumento de 20% dos recursos de custeio (não no total dos recursos), exigiram
uma modificação na relação professor aluno, o que significou, em números
gerais, dobrar o número de alunos nas universidades federais.
Os
reitores, desesperados com as carências e o caos vivenciado nas instituições,
correram a aceitar a proposta que parecia gerar um alento, mas que, de fato,
ampliava os problemas existentes. Com volume de recursos por aluno diminuído e contratação
de docentes e servidores técnico-administrativos em número insuficiente para
suportar a ampliação do número de estudantes, não havia forma de suportar a
expansão promovida de forma desregrada por meio da nefasta política implantada,
cinicamente intitulada de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI). Ao caos instalado, somou-se a crise econômica. E, sob o slogan “Brasil:
Pátria Educadora”, o governo Dilma retirou 10 bilhões de reais da educação federal,
enquanto ampliou os recursos para as instituições privadas sob a égide do FIES
e do PROUNI.
Sob
os corte, as dificuldades viram crise generalizada. Várias instituições, como a
UFRJ, adiaram o início das aulas como meio de contornar a falta de recursos,
mas a estratégia foi insuficiente. Os problemas e cortes orçamentários
sistematicamente atacam a graduação, em especial aqueles que não possuem
parcerias público-privada, venda de serviços ou outros mecanismos de captura de
recursos. A alegação é a de que esses cursos sofrem dificuldades por serem de
baixa produtividade e são, portanto, a causa de seus próprios problemas. Culpa-se
a vítima, enquanto o governo, (ir)responsável e algoz, destina cada vez menos
recurso por aluno para as universidades. Mas eis que os cortes chegaram aos
programas de pós-graduação (foram retirados 75% dos recursos PROAP) e não
escaparam sequer aqueles com nota máxima e considerados de altíssima
produtividade e inserção internacional. Caiu por terra o discurso da produtividade
e competência.
A
expectativa, diante de tal quadro, era a de que a Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (ANDIFES), que congrega os
reitores das universidades federais, se posicionasse de forma contundente
contra os problemas e cortes instituídos. Alternativamente, poderiam apelar
gentil e solicitamente para que recursos e soluções fossem disponibilizados.
Poder-se-ia esperar que tivessem suas solicitações acatadas por gozar de algum
prestígio junto a presidente, pois durante a eleição de 2014, declararam apoio
à candidata Dilma nada menos que 54 dos 59 reitores. Apoio, destaque-se,
fartamente divulgado na campanha.
Dilma
eleita, caos nas universidades, crise econômica e corte de 10 bilhões nos
recursos da educação pública. Ato contínuo, ANDES, FASUBRA, SINASEFE e
movimento estudantil agitam greves e manifestações buscando soluções para o
problema. Após longo silêncio, o governo apresenta respostas, tremendamente
insatisfatórias, e focadas apenas nas questões remuneratórias. Descarta as reivindicações
sobre a questão das organizações sociais (OS), da carreira docente, da
contratação de pessoal e, por fim, o representante do MEC afirma com todas as
letras que os problemas existentes não dizem respeito às ações do governo, mas que
são dificuldades de gestão dos reitores. Leia-se, portanto, nas palavras do
governo, que os reitores são incompetentes, já que não faltam os elementos
necessários para que as universidades funcionem a contento.
Às
reivindicações dos grevistas, o governo diz que os reitores possuem vagas autorizadas
pelo MEC para efetivar as contratações necessárias e que, portanto, não há
carência real de pessoal, apenas problema de gestão. Alega ainda serem os
recursos recebidos suficientes e que os reitores devem resolver seus problemas
de gestão. Afinal, o governo não possui problemas de gestão, certo? Ao ser
questionado na mesa de negociação, por ANDES, FASUBRA, SINASEFE e movimento
estudantil (não pela ANDIFES) sobre as dificuldades de funcionamento das
universidades que se tornaram ainda mais agudas com os cortes orçamentários, o
representante do ministério soltou uma pérola. Disse com todas as letras que
cabe aos reitores escolher o que pagar e o que não pagar! Surreal! Não há outra
forma de qualificar essa expressão! Ainda mais surreal é saber que os reitores
e a ANDIFES, como um todo, diante de tal impropério, silenciam!
Sepulcral,
o silêncio ressoa quando várias universidades demonstram estar com dificuldades
para retomar as aulas em agosto se o problema financeiro não for resolvido pelo
governo e pretendem apoiar-se na greve para não dar evidência ao caos. Temos,
então, problemas enormes de um lado, os quais justificam mais que nunca a
ocorrência de greves em defesa da universidade, e críticas do governo aos
reitores de outro. Mas, curiosamente, os reitores têm desaparecido de suas
respectivas comunidades universitárias e não vêm a público esclarecer quantas
vagas cada universidade realmente têm, pois o governo se nega (isso mesmo, se
nega) a fornecer essa informação. Os ônus, portanto, ficam com os reitores, mas
estes, como aparentemente não querem indispor-se com o governo, aceitam ser os
culpados no processo. Depois dos reitores terem assinado a carta de apoio à
Dilma durante o processo eleitoral e do descompromisso reiterado do MEC em
sustentar a expansão precária promovida pelo governo federal via REUNI, mesmo
para as universidades que cumpriram rigorosamente as metas e atenderam todas as
demandas governamentais, era de se esperar que os dirigentes das universidades
fossem tratados com um pouco mais de respeito. Mas o respeito não veio, pois
barganhar respeito com subserviência exagerada nunca dá bons resultados.
Aos
reitores que pensaram que a subserviência do apoio político garantiria recursos
para suas universidades só resta a conclusão de que... se ferraram! Os pires
continuam estendidos e vazios, enquanto o governo afirma que estão vazios
porque os reitores não sabem mantê-los cheios. Mas talvez haja um resquício de
esperança! Na manhã da última quarta-feira, 29 de julho, noticiou-se que a ANDIFES
pediria audiência com Dilma e ministros para se manifestar contra os cortes nos
recursos das Instituições Federais de Ensino. É aguardar pra ver o tom dessa
manifestação e as respostas do governo. Se o posicionamento não for novamente
de subserviência extrema, então, representará um primeiro passo, tímido, muito
tímido, é verdade, mas talvez, só talvez, signifique que as entidades
vinculadas à produção e difusão de conhecimento no Brasil voltem à proatividade
e atuação política que tiveram no passado em defesa da universidade e da
ciência. É esperar pra ver!
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