Para o neofeudalismo a meia
verdade da mídia basta
Jurista e professor. Luiz Flávio Gomes
"Insanidade
é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes"
(Albert Einstein).
Minhas
crônicas desta semana ainda não foram totalmente compreendidas. Somos, no
entanto, verde-amarelos, logo, persistentes. Vamos ver a de hoje. Nós, os
senhores neofeudais invisíveis (plutocratas, oligarcas cartelizados e, sempre
que possível, ladrões cleptocratas do dinheiro público), atribuímos a culpa de
toda corrupção a quem a merece, ou seja, ao Estado, às empresas estatais, ao
petismo, aos agentes públicos e, particularmente, aos políticos. Só em parte,
evidentemente, isso é verdadeiro. Nós, os verdadeiros donos do poder
(financeiro e econômico), do mercado, das empresas e das corporações, também
somos corruptos (mais precisamente, somos os corruptores). Mas nós não
aparecemos. Somos invisíveis.
Faz
parte do jogo do poder noticiar os corrompidos, não os corruptores. Dois
exemplos: 1º) Veja o escândalo do ISS no município de São Paulo: a mídia mostra
os fiscais corruptos, quase nunca nós, os corruptores. Esse é um dos mais
eficientes truques do exercício do poder; 2º) Todos ouviram dizer que Eduardo
Cunha teria recebido 5 milhões de dólares de propina. Você sabe quem teria pago
essa propina? Pouca gente sabe. Os delatores dizem que foi a Samsung e a
Mitsui. As coisas estão mudando no Brasil em nosso desfavor. Sempre há cretinos
que querem mudar as regras do jogo que sempre nos foram muito favoráveis. A
instituição da impunidade tem tradição e merece respeito.
Se
existe um campo em que nossa organização neofeudal vem conseguindo uma eficaz
comunicação (doutrinação) com a população, esse é o da grande mídia, nossa fiel
aliada na arte das manipulações. A regra de ouro é a seguinte: não é preciso
propagar mentiras, basta não contar toda a verdade. O assuntocorrupção é, como
todos podem imaginar, um dos mais sensíveis para nós, porque pode implicar
alguma vulnerabilidade para nossa estrutura (que os maldosos apregoam ser
mafiosa). Vemos nisso uma calúnia e um exagero. Mas é inegável que neste campo
da cleptocracia contamos com uma forte e triunfante tradição.
São
mais de 500 anos de prática contínua, sendo Pero Borges, o primeiro
corregedor-ouvidor-geral da Justiça, nomeado pelo rei em 17/12/1548, juntamente
com Tomé de Souza, o Governador-Geral, um dos nossos baluartes inesquecíveis:
foi nomeado para ca depois de ter surrupiado grande soma de dinheiro na
construção de um aqueduto, em Elvas (no Alemtejo) (veja E. Bueno, em História
do Brasil para ocupados, organizado por L. Figueiredo, p. 259). Para o cidadão
comum e os neovassalos (neoservos ou neoescravos), que contam com 7,2 anos de
escolaridade em média, no entanto, sempre é bom recordar: a História explica,
mas não escusa. Dos deveres éticos e morais somente nós, os senhores neofeudais
invisíveis, estamos dispensados.
Por
meio da corrupção já alcançamos alguns trilhões de dólares ao longo desses
cinco séculos de neofeudalismo. A corrupção, ao lado do parasitismo
(extrativismo e exploração de tudo e de todos - veja Manoel Bomfim, A América
Latina), são dois dos grandes esteios de sustentação dos nossos prósperos
negócios. O Brasil não seria jamais oligarquicamente rico (com serviçõs
públicos deploráveis) se não existissem tais fontes. A corrupção, no entanto,
deve sempre ser noticiada como coisa do funcionário público, do Estado, das
empresas estatais, dos políticos.
Quando
se divulga que mais da metade dos parlamentares eleitos em 2014 tem problemas
com a Justiça (clique aqui para ver a lista dos políticos e suas implicações
policiais ou judiciais), isso reforça nosso discurso: oferecemos a prova de que
eles é que são os exclusivos corruptos (não nós). Trata-se de uma propagação
massiva do discurso da antipolítica (somente os políticos não valem nada: essa
é a mensagem diária). Dizemos que a corrupção está indissoluvelmente (e
exclusivamente) ligada aos políticos. Nós, os senhores neofeudais corruptores,
continuamos na sombra. O poder é exercido dessa maneira.
Eis
uma amostra do nosso discurso (O Globo 26/7/15: 18): "Grande peso do
Estado na economia explica a corrupção: a Polícia Federal, desde 2002, faz mais
operações contra os criminosos do colarinho branco porque a corrupção aumentou
muito no Brasil. E por que a corrupção aumentou? Basta ver os dois maiores
escândalos dos últimos tempos: mensalão e petrolão. Em ambos o epicentro reside
nas empresas estatais. A corrupção é imensa no Brasil em razão da grande
participação do Estado na economia, sendo as estatais eficazes gazuas de
arrombamento de cofres públicos; essas empresas oferecem múltiplas oportunidades
de falcatruas; o petrolão lulopetista é a prova concreta de que há uma relação
direta entre estatização e corrupção; nestes 13 anos de poder lulopetista um
grupo político voraz encontrou nessas empresas amplas oportunidades de
financiar, com caixa dois, seu projeto político e eleitoral; sem essa grande
participação do Estado em setores que movimentam muito dinheiro, não haveria
como o PT e aliados se financiarem com propinas".
Não
precisam falar mentiras, bastam as meias verdades. Não se joga a culpa em nós,
os corruptores, sim, nos corrompidos. Não se fala de dezenas de países
estatalistas (como os escandinavos) onde tudo funciona bem, com baixíssima
corrupção. Isso acontece em virtude do capitalismo distributivo (que é uma
palavra impronunciável aqui). A lógica é controlar a patuleia (as massas
rebeladas) com informações rasas. Jamais botar o dedo na estrutura do poder. O
buraco é mais em cima. Mas Ícaro sabe que não pode se aproximar do Sol.
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