O medo nas capitais
Bárbara de Azevedo Costa
Medo é uma constante na vida de todos os que habitam as cidades. Medo do
trânsito louco, da violência, daquilo que os outros podem intentar contra você.
Na verdade, viver nas capitais tornou-se um grande medo da ideia de outro, que
acaba transmutando-se também em medo de ocupar espaços ocupáveis por outras
pessoas. Como escapar?
Os riscos estão por toda parte. Mas não devemos também ser reféns da ideia de
perigo. Trancar-se em casa, fugir para as colinas, meter-se em condomínios cada
vez mais afastados, tudo isso só faz crescer ainda mais a sensação de
insegurança que lateja do outro lado dos altos muros erguidos. Esconder-se não
é a solução para se sobreviver na cidade, mas sim ocupá-la, com doses cavalares
de desenvoltura, o que acabará por dar sustento a uma garantia de
tranquilidade.
Lembro que, ao chegar a Fortaleza, era extremamente medrosa. Tinha medo de
tudo: atravessar a rua, chamar o ônibus, cruzar com pessoas na calçada. A vida
na capital nem precisava ser assim tão vertiginosa como o é em outras grandes
cidades para já me encher de pavor e paralisar. Logo que cheguei à capital
cearense, em menos de um ano fui assaltada duas vezes.
Mas acho, sinceramente, que este foi um preço pequeno a se pagar em troca de
acender dentro da cabeça uma luz que deve estar sempre ligada, indispensável à
sobrevivência no caos urbano. Desde então, nunca mais fui abordada. Cruzei, é
claro, ao longo desses anos, com diversos sujeitos em atitudes suspeitas,
perigos em potencial. Mas vamos aprendendo os limites entre a hora de se
desesperar e a hora de manter a calma, desconfiando sempre de tudo, sem,
contudo, tornar-se refém das suspeitas.
Conhecido meu certa vez disse à mãe, quando esta comentou que Fortaleza se
encontrava muito perigosa e que seria melhor ele não andar à noite pelas ruas,
correndo o risco de perder o celular e outros pertences, que perder um aparelho
de telefone era preço muito pequeno diante da liberdade de se locomover por aí,
e que, portanto, não pretendia aderir à paranoia do apavoramento coletivo,
sobretudo estando ele a vagar predominantemente por bairros nobres de
Fortaleza, consideravelmente mais seguros do que todas aquelas regiões de
periferia em que milhares de jovens matam e morrem anualmente, onde as leis se
fazem à força do revólver e toda a sujeira é omitida pela irresponsabilidade de
políticas públicas faltosas.
Obviamente, seja o preço que for, é sempre doloroso, no mínimo inquietante
perder algo seu de valor sob a ameaça de lhe tirarem a própria vida, o direito
de andar e existir e ter. De nenhum modo a troca parece justa. Entretanto, é de
se espantar também que, sobretudo nos bairros mais seguros, mais calmos,
organizados, higienizados, as praças estejam vazias, bem como todos os espaços
de convivência se mostrem desertos. Estamos trancados em casa, com medo de uma
ameaça às vezes invisível, privando-nos de vivenciar a nossa própria cidade e
fazê-la, de fato, nossa.
Existe o problema terrível das condições de vida desumanas nas favelas, com
estatutos que se regulam por si mesmos através da violência, e nada disso pode
ser negado, está exposto diariamente nos noticiários. Mas trancafiar-nos em
casa com medo dessas ameaças é também perigoso: alimenta uma paranoia que só
esvazia cada vez mais os espaços públicos e instaura um sentimento de horror.
Ainda é possível brincar nas praças, conversar nas calçadas. O medo não pode
vir roubando as poucas alegrias que restam da vida nas capitais: experimentar
todos os recantos da cidade, ocupando-a de ponta a ponta.
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