O bebedouro, o reitor e o
governo.
Arley Costa
Eleição para o Diretório dos Estudantes correndo solta.
Duas chapas com conformações e pensamentos muito distintos sobre os problemas
institucionais rivalizam e buscam apoio entre os universitários. Uma vê no
bebedouro quebrado um problema de gestão do reitor, apenas o desconhecimento da
situação que tão logo seja informada será solucionada. Ou no máximo um problema
pontual de repasse de verbas por parte do governo, algo que será resolvido
assim que passar a crise que assola o país. A outra chapa parte de uma
perspectiva absolutamente diferente. Entende que os problemas que aparecem
pontualmente na instituição, como o caso do bebedouro, estão imbricados em uma
rede maior de interesses econômicos e disputas políticas. Falam em
internacionalização da luta de classes, do apetite voraz do capitalismo e
entendem que as questões pontuais só serão realmente solucionadas na medida em
que uma forma radicalmente nova de compreender o ensino superior seja
estabelecida, embora isso não signifique abrir mão de resolver problemas de
gestão e informação. O duelo estende-se e as votações previstas para ocorrer no
começo do período letivo.
Passa julho, vem agosto, o segundo semestre nas
universidades federais deveria estar começando, deveria, mas... Não está! A
mídia, quando cobre o assunto, repete a antiga cantilena de prejuízo ao aluno e
coloca como razão dessa postergação a greve que alcança quase todas as
instituições federais, se consideradas as paralisações de docentes, servidores
técnico-administrativos e alunos. O movimento da comunidade acadêmica é parte
relevante do processo, mas há outra causa, também relevante, que vem sendo
absolutamente desconsiderada no processo, as dificuldades orçamentárias e de
pessoal que vinham atingindo as universidades há algum tempo, tornaram-se
incontornáveis em 2015. Não é, portanto, algo novo.
As entrevistas concedidas pela esmagadora maioria dos
reitores ou de membros da gestão fornecem o material que a mídia tem divulgado,
de apontar a greve pelo atraso do início do semestre. Contudo, as entrevistas
não fazem críticas ao governo nem relacionam o retardo do calendário com os
problemas de recurso e de pessoal existentes. Apontam apenas que há algumas
dificuldades operacionais pragmaticamente solucionáveis, embora afirmem sem
alarde para a mídia que, se começarem o período letivo, não haverá verba suficiente
para a conclusão do mesmo sem que haja suplementação orçamentária. Não
enfatizam essa parte das carências conjunturais e estruturais que são centrais
para a compreensão do momento pelo qual passam as universidades. Assim, os
reitores, os mesmos que deveriam ser os primeiros a denunciar as dificuldades
para solucioná-las, escondem-se atrás das greves e as culpam para não se
indispor com o governo federal.
Então, resta-nos uma pergunta: como as universidades
federais que são referência de ensino e pesquisa de qualidade no Brasil e mesmo
internacionalmente chegaram nessa calamitosa situação de não conseguir iniciar
o semestre por falta de condições de concluí-lo? Como um serviço público que é
estupidamente melhor que a iniciativa privada sob todos os aspectos encontra-se
em uma condição dessas? Essas perguntas levam-nos de volta a questão do
bebedouro nas eleições do Diretório dos Estudantes apresentados no início do
texto. As dificuldades existentes que vão refletir-se, inclusive, no problema
do bebedouro e na falta de papel higiênico são elementos de gestão, da crise
vigente ou estão relacionadas aos interesses de pessoas e entidades relevantes
nos cenários nacional e internacional?
Alguns pensam que é uma questão mais imediata, resultado
da crise econômica que atingiu o país com mais força no final de 2014, mas o
fato é que as origens desse problema remontam a algo maior e mais longínquo. Se
não nos debruçarmos sobre essa questão, acabaremos por não enxergar o quadro
geral e ficaremos a buscar soluções pontuais e imediatas que de forma alguma
serão capazes de alterar o quadro de penúria e desmonte que vem se estabelecendo.
A educação mostrou-se um mercado excepcional, fonte de
lucros estratosféricos. Essa referência fez com que os interesses comerciais e
de obtenção de lucros voltassem-se para a educação com um apetite voraz. A
ordem liberalizante que norteia o atual momento do capitalismo faz com que o
Estado seja criticado em todo e qualquer espaço onde este atua e interfere com
a possibilidade de auferir lucros. Elaboram-se proposições e projetos de
enxugamento do Estado com transferência dessas atividades para a iniciativa
privada. Há um concerto internacional que baliza essas questões e que se faz
presente em organizações relevantes. O Banco Mundial, por exemplo, apresenta
toda uma conformação de como deve ser a educação no Brasil, América Latina e
Caribe. O documento intitulado “La enseñanza superior: las lecciones derivadas
de la experiencia” afirma claramente o projeto liberal de redução do Estado.
Curioso para saber como o documento do Banco Mundial se
relaciona com os problemas do bebedouro e com a atual crise que impede o início
do semestre nas universidades? A gente dialoga sobre essas questões na parte 2
desse texto. Até lá!
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