A barreira dos ‘novos
inquilinos’ no sistema carcerário
Mirrelle Rabelo
Não é necessário acompanhar apenas os noticiários para
entender o tamanho da violência que os cidadãos vivem por todo País. Nas redes
sociais, numa conversa entre amigos no trabalho ou na mesa de um bar, quase
todo mundo tem uma experiência desagradável sobre a criminalidade. Furtos,
assaltos, latrocínios, homicídios, sequestros e uma série de crimes assustam a
sociedade.
Os órgãos de segurança pública montam estratégias de combate
ao crime. Na linha de frente, as polícias repressiva e judiciária; na
retaguarda, a justiça e no meio de tudo isso, a população. E o que mais preocupa
o cidadão de bem é a fragilidade da lei e o relaxamento de prisões,
principalmente, nos casos de reincidência com a implantação das audiências de
custódia – projeto lançado em 2015 e que já está presente em todas as capitais
brasileiras.
O projeto consiste na garantia da rápida apresentação do
preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. A ideia é que o acusado seja
apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas
também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do
advogado do preso. O projeto prevê, também, a estruturação de centrais de medidas
alternativas, monitoramento eletrônico, serviços e assistência social e câmaras
de mediação penal. Elas serão responsáveis por representar ao juiz opções ao
encarceramento provisório.
Como funciona as
Audiências de Custódia?

Em primeiro de fevereiro de 2016, entrou em vigor uma
resolução que regulamenta tais audiências no Poder Judiciário que estipulou
prazo de 90 dias, contados a partir desta data, para que os Tribunais de
Justiça e os Tribunais Regionais Federais se adequassem ao procedimento.
O Brasil não tem uma lei que regulamente o tema. Mas, existe
um projeto tramitando no Congresso Nacional. Enquanto isso, o Supremo Tribunal
Federal (STF) já se posicionou no sentido de ratificar a legalidade da
metodologia das audiências de custódia.
Vantagens x insegurança
A audiência de custódia tem vantagens mais para o sistema
prisional do que para a sociedade. Pois, enquanto o cidadão sobrevive à
insegurança se cercando de cuidados e ‘aprisionado’ dentro de casa, os
criminosos tem o amparo legal para não ir para a penitenciária. E, assim, a
justiça vai controlando a entrada de novos ‘inquilinos’ nas cadeias e evitando
a superlotação dos cárceres - uma realidade de todos os estados brasileiros. É
que a audiência de custódia possibilita que a autoridade judicial aprecie a
necessidade da prisão preventiva.
Além disso, tem os ganhos em direitos humanos, uma vez que o
preso não pode ser submetido a uma reprimenda um pouco mais rigorosa para não
caracterizar tortura. Tem, ainda, a economia aos cofres públicos - que pode
chegar a R$ 4,3 bilhões com o fim de prisões “desnecessárias”. Pois, um preso
custa em média 3 mil reais por mês.
O que diz o cidadão
sobre o tema
O tema gera dúvidas e conflitos. Pois, nem todos aprovam a
ferramenta já que, do ponto de vista de alguns, é algo que desperta maior
interesse ao criminoso. Para outros, é uma forma de agilizar os serviços da
justiça poupando gastos.
“O cidadão de bem não procura saber sobre o assunto porque
ele não tem intenção de praticar crime algum. Então, é algo que não desperta
interesse a toda sociedade. Já o criminoso fica esperto, observando que pode
ser mais uma “brecha” na lei pra ele cometer seus delitos”, opinou o empresário
Sousa Corrêa.
Para a professora Rosenilda Vilhena, a audiência de custodia
é beneficio a todos. “A justiça é um
direito de todos e acredito que antes de ser aplicado, o projeto foi estudado.
Sabemos, sim, que existem falhas em nossas leis. Mas, este, pode ser um começo
de mudanças, evitando prisões desnecessárias sendo, também, uma forma de
desburocratizar o trabalho da justiça e simplificando ações com medidas
imediatas”, comentou.
Audiência de Custódia
no Amapá
O Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) lançou o programa em
setembro de 2015 e até novembro do mesmo ano, ele já havia sido implantado em
todos os municípios do estado. Nas comarcas de Macapá e de Santana, o
atendimento ocorre na Vara de Penas e Medidas Alternativas e na Vara da
Violência Doméstica. Nas demais comarcas, as audiências de custódia funcionam
com esquema de plantão.
O Amapá foi o 22º estado a implantar o projeto, encerrando o
ciclo de expansão da Audiência de Custódia na Região Norte. Através desse mapa
os registros mostram que, de setembro de 2015 a dezembro de 2016, a justiça
concedeu por mais vezes a liberdade provisória aos suspeitos.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, das
2.561 audiências realizadas, 1.486 (58,2%) dos presos em flagrantes tiverem o
beneficio da liberdade provisória. Já outros 1.075 não tiveram a mesma sorte,
preenchendo os requisitos de prisão preventiva até o julgamento correspondendo
a uma porcentagem de 41,98%.
Outros 90 casos, correspondendo a apenas 3,51%, foram
encaminhados ao serviço social. Estas são situações em que não são cometidos
crimes graves e a justiça concede uma pena alternativa, na qual o suspeito deve
prestar serviços sociais. Os dados revelam ainda, que desde o início do
programa, o Amapá não registrou nenhum caso de violência ou maus tratos no ato
da prisão.
`Programa de custódia
O programa de audiência de custódia ainda não é lei. Mas, o Plenário
do Senado já aprovou o projeto que regulamenta a prática das audiências de
custódia e estipula prazo máximo de 24 horas para que um preso, em flagrante,
seja levado diante de um juiz. O Projeto de Lei do Senado nº 554/2011, ainda
precisará ser apreciado em turno suplementar, o que deve acontecer depois do
recesso parlamentar.
A proposta altera o Código de Processo Penal, estabelecendo
que o preso terá direito a realizar exame de corpo de delito e a depor na
presença do advogado ou de membro do Ministério Público ou da Defensoria
Pública. Se a audiência de custódia não acontecer, o fato deverá ser comunicado
ao Ministério Público, à Defensoria Pública ou ao Conselho Nacional de Justiça
(CNJ).
A audiência servirá para que o juiz verifique se os direitos
fundamentais do preso estão sendo respeitados. Ela não poderá ser usada como
prova contra o depoente e deve tratar apenas da legalidade e da necessidade da
prisão, da prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos e do
esclarecimento dos direitos assegurados ao preso. A autoridade judiciária
deverá, também, se informar se o Ministério Público vai requerer a prisão
preventiva ou outra medida cautelar alternativa à detenção.
Violação
O projeto também estabelece que, imediatamente após o
registro do auto de prisão em flagrante e se for alegada a violação a direitos
fundamentais, a autoridade policial deverá determinar as medidas necessárias
para a preservação da integridade do preso. Deverá, ainda, pedir a apuração dos
fatos e instaurar inquérito.
Fiança
Se o crime for afiançável e se for verificado que o preso não
tem dinheiro para pagar a fiança, o juiz poderá dispensar o recolhimento do
valor. No entanto, o detento terá que comparecer perante a autoridade
periodicamente e, sempre que intimado, e não poderá mudar de residência sem
prévia permissão da autoridade processante ou ausentar-se de casa por mais de
oito dias sem comunicar àquela autoridade, o lugar onde será encontrado.
Discussão
O autor da proposta é o senador Antônio Carlos Valadares
(PSB-SE) que defendeu o projeto no Plenário, citando estatísticas referentes à
prática das audiências de custódia, que existe no Brasil desde 2015. Segundo o
senador, já foram realizadas mais de 93 mil audiências nesse período. Elas
resultaram na libertação, ao menos provisória, de mais de 43 mil pessoas, o que
gerou uma economia de R$ 4 bilhões aos cofres públicos e tirou a pressão da
população carcerária brasileira, que é a quarta maior do mundo.
Houve divergências dos senadores Waldemir Moka (PMDB-MS) e
Simone Tebet (PMDB-MS). Eles argumentaram que municípios pequenos teriam
dificuldade de cumprir a determinação por não terem comarcas próprias e
precisariam deslocar parte de seu, já pequeno efetivo policial, para conduzir o
preso à outra cidade. Além disso, segundo ela, haveria o risco de impunidade.
“Se aprovarmos o projeto da forma como está, ele garantiria
ao preso o direito de ser solto independentemente do crime cometido por não ser
levado a juízo em 24 horas. E se ele cometeu um crime hediondo? O projeto
merece o meu aplauso, mas acho que está muito solto”, observou a senadora Simone
Tebet.
Na opinião dos senadores, o projeto deve prever que, em caso
de crime hediondo, o mero atraso na realização da audiência de custódia não
implique na libertação do preso em flagrante. No entanto, eles concordaram em
fazer esse debate no turno suplementar de votação e aprovaram o projeto como
está.
Nenhum comentário:
Postar um comentário