sábado, 26 de agosto de 2017

Coluna CISMANDO



Viagem revigorante!

Numa breve estada no Sul do Brasil, quando pude rever amigos e familiares, lugares e coisas, sentindo na pele o vento haragano dos pampas, matando a saudade de estar com minhas filhas e netos, além de abraçar minha mãezinha amada, lembrei do meu velho professor de latim, Zé Antônio Rezende que dizia com todas as letras... lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente à noite. Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um. Olha o compadre aqui, garoto. Cumprimenta a comadre. E o garoto apertava a mão do pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino, repetia-se toda a diplomacia...
Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável! A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mão de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, nos entreolhando e reparando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santo numa cantoneira, flores na mesinha do centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim. Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia: Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa. Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolos, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa. Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade... Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos... E voltávamos pra casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.
Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa.
– Vamos marcar uma saída! ... ninguém quer entrar mais.
Assim as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores. Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre.

Mas que a volteada na terrinha foi revigorante, ah isso foi!

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