Viagem revigorante!
Numa breve estada no Sul do
Brasil, quando pude rever amigos e familiares, lugares e coisas, sentindo na
pele o vento haragano dos pampas, matando a saudade de estar com minhas filhas
e netos, além de abraçar minha mãezinha amada, lembrei do meu velho professor de
latim, Zé Antônio Rezende que dizia com todas as letras... lembro-me de minha
mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar
algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé.
Geralmente à noite. Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas
mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores
iam se apresentando, um por um. Olha o compadre aqui, garoto. Cumprimenta a
comadre. E o garoto apertava a mão do pai, da minha mãe, a minha mão e a mão
dos meus irmãos. Aí chegava outro menino, repetia-se toda a diplomacia...
Mas vamos nos assentar,
gente. Que surpresa agradável! A conversa rolava solta na sala. Meu pai
conversando com o compadre e minha mão de papo com a comadre. Eu e meus irmãos
ficávamos assentados todos num mesmo sofá, nos entreolhando e reparando a casa
do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santo numa cantoneira,
flores na mesinha do centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era
assim. Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras
que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo
benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa. Tratava-se de uma metonímia
gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolos, broas, queijo fresco,
manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa. Juntava todo mundo e as piadas
pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que
droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na
esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam... Era a
vida transbordando simplicidade, alegria e amizade... Quando saíamos, os donos
da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos... E
voltávamos pra casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração
aquecido pela ternura e pela acolhida.
Era assim também lá em casa.
Recebíamos as visitas com o coração em festa. A mesma alegria se repetia.
Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos,
olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e formei em
solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua
e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina
encontros com os amigos fora de casa.
– Vamos marcar uma saída! ...
ninguém quer entrar mais.
Assim as casas vão se
transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e
possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas
mais assustados que assustadores. Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode
entrar e roubar a lembrança do café, dos pães do bolo, das broas, do queijo
fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da
comadre.
Mas que a volteada na
terrinha foi revigorante, ah isso foi!
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